Alessandra Olivato
O que falta para mudar?
Para que a violência contra a mulher seja “resolvida”, como problema social, é necessário evitá-la muito mais do que puni-la, embora a punição seja essencial
Por Alessandra Olivato
07 de março de 2024, às 10h35 • Última atualização em 07 de março de 2024, às 10h44
Link da matéria: https://liberal.com.br/colunas-e-blogs/o-que-falta-para-mudar/
Santa Bárbara d’Oeste, 19 de setembro de 2023: “Jovem morre após ser espancada pelo marido“. Hortolândia, 20 de outubro: “Mãe e filho são assassinados pelo ex-namorado da mãe“. Santa Bárbara d’Oeste, 26 de outubro: “Mulher é encontrada morta em bueiro, ex-namorado é preso“. Hortolândia, 13 de dezembro: “Mulher e filha são encontradas mortas, marido é principal suspeito“. Americana, 2023: recorde de estupros, com 68 casos, sendo 47 contra crianças ou adolescentes. Março de 2024: “Brasil registra mais de 10 mil casos de feminicídios em 9 anos”, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Escrever apenas mais um texto diante das milhares de análises já feitas sobre violência contra a mulher, sinceramente, é angustiante. Não obstante a violência contra mulheres e crianças ser uma das que mais deixam marcas e consequências, como traumas e desestruturação familiar, para ficar em apenas dois, é mais um tipo de notícia que se tornou banal para o senso comum.
Além disso, a violência tem um característica relevante, que é a de só poder se considerar de fato “resolvida” quando é evitada, e não quando é remediada. Isto é, o assassino preso não devolve a vida à mulher ou à criança, o estuprador punido não restaura o trauma psicológico da vítima, o espancador, mesmo se morto, não cura o medo e o pavor marcado na alma da mulher. Para que a violência seja “resolvida”, como problema social, é necessário evitá-la muito mais do que puni-la, embora a punição seja essencial.
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E a questão da prevenção nos traz à pergunta de fato que deve ser respondida, pois é, de fato, o ponto: por que é tão difícil haver uma mudança da mentalidade e sentimentos masculinos em relação às mulheres, a ponto de mudarem definitivamente sua atitude em relação a elas? (Não que não tenham ocorrido mudanças). Mas, ao que parece, e apontam os sempre mesmos índices de violência, muitas vezes as mudanças podem ser apenas superficiais, apenas “pra sociedade ver”, e até mesmo para não ser achincalhado em público, enquanto que dentro de casa continua a se humilhar a mulher, ameaçá-la, denegri-la, desvalorizá-la, cerceá-la, espancá-la. O que nos dizer de uma sociedade em que boa parte dos homens ainda culpa as mulheres pelo estupro, ou a sua “natureza sexual indomável”?
Verdade seja dita, diretamente ao coração dos homens: de que a sua sexualidade e a sua identidade social ainda são muito ancoradas no sentimento de poder que ele pode sentir sobre as mulheres. Poder de dominar. Poder de mandar. Poder de cercear. Poder de corrigir. Poder de “pegar”. Uma das fantasias que mais povoam o imaginário do macho é o de se sentir dominador e conquistador – o que, aliás, é uma das coisas que explicam o desejo de muitos por crianças e adolescentes. Horrível, asqueroso? Sim, é. Serei a ingênua que não reconhece a necessidade de fantasias? Claro que não. Desde que seja uma combinação entre adultos, e consentida.
Apesar dos avanços políticos quanto ao acolhimento de mulheres que apanham e/ou sofrem violência sexual nas últimas décadas, o que inclui o fortalecimento de redes femininas, ainda falta mesmo uma política de educação de homens. Não com vistas a negar suas identidades, fantasias, modo de ser, necessidades, peculiaridades, muito menos sua masculinidade, mas no sentido urgente de fazê-los entender que podem continuar a serem másculos mesmo quando valorizam, respeitam e protegem as mulheres, ao invés de violentá-las. Na verdade, é uma questão humana e muito contemporânea, que diz respeito a todos nós. Se eu pudesse sugerir alguma coisa para o próximo prefeito e legisladores municipais seria essa mudança de paradigma na política de gênero.
Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.