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LIBERAL, 70

Por que o jornalismo local é importante?

Especialistas, jornalistas e profissionais que estudam o assunto são unânimes em afirmar que é fundamental ter uma imprensa dedicada à própria comunidade

Por Caio Possati

01 de junho de 2022, às 10h09

Buracos de rua, pontos de alagamento causado pelas chuvas, queda de energia elétrica em bairros, projetos de lei aprovados por vereadores e eleições que definem o novo prefeito da cidade. Diferente das chamadas “grandes mídias”, que cobrem os principais eventos nacionais e internacionais, são sobre pautas como estas que abrem este texto que o jornalismo local se debruça.

O LIBERAL, que completa 70 anos em 2022, é um exemplo de jornal local. Isto é, de veículo de imprensa que trabalha para noticiar as informações sobre e para a comunidade em que está inserido — no caso, as cidades da RPT (Região do Polo Têxtil): Americana, Santa Bárbara d’Oeste, Nova Odessa, Sumaré e Hortolândia.

Marina Zanaki, repórter do LIBERAL, durante produção de entrevista – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

Especialistas, jornalistas e profissionais que estudam o assunto, ouvidos pela reportagem, são unânimes em afirmar que o jornalismo local é fundamental para o desenvolvimento das comunidades que dele se cercam e se informam, pois dessa atividade jornalística também se extrai o apreço e o fortalecimento dos valores, da história e da cultura da região.

“O jornalismo local é aquele que retrata a realidade e a rotina da comunidade, e que é capaz de fazê-la refletir, projetar o seu futuro, enxergar oportunidades e unir vozes diferentes para achar uma convergência”, diz o jornalista Marcelo Reich, presidente ANJ (Associação Nacional dos Jornais) e vice-presidente do Fórum Mundial de Editores. “Então, o jornalismo local tem um papel essencial para o desenvolvimento social, econômico e cultural de todas as comunidades”, destaca.

No Brasil, contudo, mesmo com toda essa importância que os jornais locais carregam, a maioria das cidades não possui um veículo de imprensa. De acordo com dados levantados pelo Atlas da Notícia, órgão responsável por mapear os jornais locais ativos e inativos no Brasil, em diferentes tipos de mídia (impresso, rádio, site etc.), 2.968 cidades brasileiras não dispõem de um noticiário sobre a própria localidade — o que corresponde a 53% do total de municípios no País.

O repórter Rodrigo Alonso faz entrevista com preso no CDP de Americana – Foto: Claudeci Junior / O Liberal

Além disso, dos demais 47% municípios que têm algum canal informativo (2.602 cidades), 44% (1,143) possuem de um a dois veículos de imprensa. Isso significa que, se esses jornais encerrarem as suas atividades, aquela localidade vira o que o Atlas chama de “deserto de notícia”: cidades onde não há nenhum noticiário sobre a região.

“Deserto de notícias são municípios que não possuem nenhum veículo de notícia cadastrado. Então, a gente mapeia onde estão os veículos, e a partir deste mapeamento, identificamos os desertos”, explica Sérgio Spagnuolo, coordenador do Atlas da Notícia e que define o jornalismo local como: “veículos de notícia que têm uma periodicidade mínima definida e que cobre a vida cívica de um local”.

A pesquisa feita pelo Atlas não faz uma análise qualitativa dos veículos identificados capaz de classificar a credibilidade de um noticiário. São mais de 14 mil jornais identificados, diz Sérgio. Mesmo assim, ele garante que os canais que espalham desinformação são excluídos do levantamento.

LINHA DE FRENTE. Não são os casos dos jornais Diário da Região, de Rio Preto, e do Jornal da Cidade, com sede em Bauru. Assim como o LIBERAL, ambos os noticiários carregam uma tradição de produzir um jornalismo local há mais de meio século.

Dos 55 anos do Jornal da Cidade, em 28 o veículo bauruense contou — e ainda conta — com os serviços de João Jabbour, atual diretor de redação do noticiário. “Eu vejo o jornalismo local”, diz João, “como um ponto de convergência da comunidade e também é um termômetro da temperatura social, econômica e política de determinada localidade”, disse ao LIBERAL.

João Jabbour, do Jornal da Cidade, de Bauru – Foto: Divulgação

Para ele, o grande desafio de ser responsável e estar à frente de um jornal local é trabalhar em meio ao que ele chama de “caos de informação” que o público e os profissionais de imprensa estão submetidos. Esse caos, segundo o diretor do Jornal da Cidade, é alimentado por pessoas que não exercem a profissão, ou que não são formadas, e que chegam a produzir informações distorcidas, imprecisas e, até, erradas.

“Além de trabalharmos para produzir reportagens confiáveis, hoje também temos que  trabalhar para desmentir fatos que circulam e ajudar as pessoas a não serem enganadas”, comenta João Jabbour. Mas, ele se apoia na proximidade que o jornalismo local proporciona para não desanimar. “É motivador chegar no final do dia e saber que uma reportagem nossa ajudou uma determinada comunidade ou, até mesmo, a cidade”, diz.

Segundo o jornalista, é na fiscalização do poder público que reside a mais nobre das atividades da imprensa. “Quando o jornalismo consegue identificar problemas, está contribuindo muito para sociedade, e problemas não faltam, mesmo que localmente”, afirma.

Foi assim que ele e o seu jornal quase ganharam um prêmio Esso, uma das mais prestigiadas honrarias da imprensa brasileira. À reportagem, ele contou que entre os anos 1999 e 2000, o Jornal da Cidade fez uma extensa cobertura sobre a cassação de um prefeito na época. Fases de acusação, julgamento e cumprimento da pena foram devidamente noticiados pelo veículo, que até chegou a contribuir para as investigações trazendo à tona novidades sobre o caso.

Com a série de reportagens, os repórteres do jornal ficaram em segundo lugar. O prêmio foi entregue à repórter Rita Magalhães, do Diário da Região (Rio Preto) pela reportagem “HB apura desaparecimento de corpo”, que investigou um esquema de desvio de corpos de indigentes para uma faculdade de medicina da cidade, que os usava de forma clandestina.

Na época, o atual editor-executivo do Diário da Região, Fabrício Carareto, ainda não trabalhava no veículo — ele entraria no ano seguinte e, por pouco, segundo o próprio, também não conquistou o Esso em 2005 quando ainda trabalhava como repórter. Se tivesse vencido, seria o quarto da história do grupo, que completa 72 em 2022.

Fabrício Carareto, do Diário da Região, de São José do Rio Preto – Foto: Divulgação

Perguntado sobre o jornalismo local, Fabrício menciona que uma das características desta prática é a produção colaborativa, em que a própria comunidade que consome o veículo o ajuda com informações. “Muitos acabam nos ligando e nos informando sobre o que está acontecendo”, diz o jornalista. 

Fabrício gosta de citar que as coberturas sobre as enchentes causadas pelas chuvas, que são comuns em Rio Preto, são bons exemplos do quanto o jornalismo local é importante para a cidade e para a região em que o Diário está inserido. “Nesses momentos, a gente consegue ajudar porque avisamos para não saírem e alertamos sobre os riscos das enchentes”, diz o jornalista.

Outro exemplo citado na conversa com o LIBERAL foi o da pandemia da Covid-19. “Na região de Rio Preto, como em todo o Brasil, tivemos decisões isoladas de alguns prefeitos, sobre o que está aberto ou que está fechado, quando pode sair de casa ou não. Então, as pessoas se informavam [sobre a pandemia] pelos jornais aqui da região, incluindo o Diário”, comentou Fabrício.

E foi também na pandemia que o Diário da Região teve uma prova de que as pessoas buscam as informações de uma imprensa mais localizada e voltada para a comunidade em momentos de necessidade. Durante os períodos mais incertos e críticos da crise sanitária, os números mensais de audiência do site do jornal quase chegaram a 1,5 milhão de acessos. E segundo o diretor-executivo, a média de acessos individuais, por mês, é de 1 milhão.

“As pessoas não vão conseguir se informar sobre o que está sendo votado na câmara, do que está sendo proposto pelo prefeito em uma grande mídia. Então, a força do jornalismo local, e por isso eu acredito que ele é essencial, é a de levar à comunidade, uma prestação de serviço e informações do que está acontecendo no bairro e em cidades próximas, coisa que a grande imprensa não é capaz de fazer”.

OUTRAS REALIDADES. Mesmo que os jornais de grande circulação e alcance, por regra, não noticiem os fatos de um bairro, como ressaltou Fabrício, esses veículos também acabam disputando espaço e atenção do público com o jornalismo local. E esse embate, é um paradoxo na visão do Marcelo Reich, presidente da ANJ.

“Quando buscamos notícias de níveis nacionais e internacionais”, diz Marcelo, “há uma quantidade grande de fontes e veículos de informação. Então, vivemos um paradoxo: porque quanto mais perto estamos do fato, menos fontes temos em relação a este fato. Não é difícil acompanhar o que se passa na guerra da Ucrânia por um sem número de plataformas, veículos e fontes, mas, ao mesmo tempo, é muito difícil saber o que se passa no nosso bairro”.

A fala de Marcelo incide sobre uma realidade que está distante dos já consolidados Diário da Região e Jornal da Cidade, que funcionam há mais de cinquenta anos. Mas talvez esteja mais próxima de outros 689 jornais brasileiros locais e regionais que, de acordo com a apuração do Atlas da Notícias, se desativaram e não funcionam mais.

DESINFORMAÇÃO. Mas neste futuro incerto que se apresenta no horizonte para os veículos de imprensa menos tradicionais, Sérgio Lüdtke, coordenador do curso de Jornalismo Local promovido pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), entende que o jornalismo local pode se beneficiar de um magnetismo que ele naturalmente carrega.

“A informação local sobre o lugar onde as pessoas vivem tem uma atratividade natural. Ela tende a receber uma atenção que nem todas as informações recebem”, diz.

Até porque as pessoas, para Sérgio, não conseguem ter uma relação tão próxima com um jornal que atua nacionalmente e que está desconectado dos problemas cotidianos de onde as pessoas vivem. Diferente do jornalismo local que vai escrever sobre os problemas “que os cidadãos enxergam concretamente nas ruas”.

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Aproveitar essa conexão é considerado pelo coordenador da Abraji como um caminho para que os veículos consigam aumentar a sua audiência e também se tornar empresas mais sustentáveis. “O desafio é converter essas novas audiências para mostrar que jornalismo é importante no cotidiano e não só em momentos de crise, como os da pandemia”, opina Sérgio Lüdtke.

Sérgio Spagnuolo, do Atlas da Notícia, indica medidas práticas. “Precisamos achar novos caminhos de negócios para fazer receitas, como criar programa de membros, assinaturas, buscar dinheiro de organizações, desenvolver projetos de tecnologia, ou seja, ampliar o máximo possível a gama de ferramentas e serviços oferecidos, mas sem perder o foco no jornalismo”.

Voltando a Lüdtke, ele diz enxergar que o jornalismo local ajuda não somente na construção de um senso de cidadania nas pessoas, uma vez que impede que os cidadãos se esqueçam dos próprios direitos, mas também por servir como uma ferramenta que funciona para a preservação da democracia e para o combate da desinformação.

“O bom jornalismo é a única vacina possível contra a desinformação. Não se consegue fazer nada para conter a desinformação sem um bom jornalismo e sem um bom jornalismo local. Eu não tenho a menor dúvida disso”, diz Sérgio.

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