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LIBERAL, 70

Jessyr e Diógenes, eterna dupla

Como a atuação do fundador Jessyr Bianco e a do jornalista Diógenes Gobbo marcaram a história do LIBERAL

Por Marina Zanaki

01 de junho de 2022, às 07h16 • Última atualização em 01 de junho de 2022, às 08h16

Jessyr Bianco e Diógenes Gobbo são os dois maiores expoentes da história do LIBERAL. A atuação do fundador do jornal e do ex-chefe da Redação marcaram a cidade de Americana através dos editoriais afiados de Jessyr, das tiradas satíricas de Diógenes e da postura ética com que ambos conduziam a Redação. A reportagem buscou, através de depoimentos de pessoas próximas de Jessyr e Diógenes, traçar um perfil da dupla mais icônica do LIBERAL. 

Jessyr Bianco – Foto: Reprodução

O deputado federal Vanderlei Macris (PSDB) contou que Jessyr Bianco o lançou na vida política. Os dois se tornaram amigos no cartório, quando Macris era escrevente e Jessyr já trabalhava como advogado. Vereador pelo MDB, o fundador do LIBERAL convidou Macris a se filiar ao partido e se lançar como candidato. No dia da convenção, Macris disse que só seria candidato se o amigo também disputasse as eleições.

“O dr. Jessyr disse que ia sair também, mas quando vi, o nome dele não estava na lista de candidatos. Ele queria que eu fosse candidato e me enrolou, aquele danado”, recorda o deputado. “Ele era uma pessoa sensacional, e até o falecimento dele éramos muito amigos. Eu ia na casa dele quase todo final de semana discutir política de estado, era um grande conselheiro”, lembra o deputado.

Diógenes Gobbo – Foto: Acervo Pessoal

Quando foi receber o diploma como deputado estadual, Macris foi acompanhado por Diógenes, que cobria o momento em que pela primeira vez um político de Americana assumia uma cadeira na Alesp (Assembleia Legistativa do Estado de São Paulo). Na porta de entrada, Macris foi barrado pelo segurança, que não acreditou que um jovem de apenas 23 anos tinha sido eleito. Diógenes interveio, citou a quantidade exata de votos que Macris tinha recebido e conseguiu liberar a entrada para o deputado tomar posse.

“São dois grandes amigos que perdi. A democracia para eles era inegociável, assim como tenho isso por convicção. Vivemos a ditadura juntos, tivemos problemas, éramos procurados, o jornal era procurado, e essa luta democrática nos uniu. Por isso, digo que não abro mão da democracia, é um princípio, como para eles também era”, finalizou o deputado.

Quem também credita sua entrada na vida política a Jessyr Bianco é Vicente Sacilotto, que foi vereador em Americana por três mandatos. Ele recorda que recebeu incentivo do amigo para outra área – sua paixão pela música, que o levou a ser membro da Orquestra Sinfônica de São Paulo. Quando se formou em Direito, foi junto a Jessyr que buscou orientações.

“Quando comecei a advogar, ele era meu braço direito. Embora não tenha trabalhado no escritório dele, foi o Jessyr quem me guiou durante muitos anos”, afirma Sacilotto.

DIREITO. A formação em Direito na PUC-Campinas abriu várias portas a Jessyr Bianco. Ele assumiu em duas ocasiões o cargo de Procurador Jurídico da prefeitura, em 1963 e 1973. Durante muitos anos, conciliou o trabalho no escritório de advocacia com a rotina no jornal. Na nota de pesar por seu falecimento, em 2011, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) indicou que ele era o advogado mais antigo em número de inscrição da Subsecção de Americana.

Sócio de Jessyr por 14 anos, o advogado José Aparecido Castilho afirma que ele era o advogado com mais trabalho em Americana – e que utilizava a lei para praticar a solidariedade.

“Ele era genial, nunca conheci um advogado tão brilhante quanto Jessyr. Mas ele também dedicava um bom período de seu trabalho para fazer ações em favor de quem não tinha condições de pagar. Ele atendia do mesmo jeito, tinha um coração de ouro”, conta Castilho.

O sócio revelou que Jessyr chegou a receber um convite do jornal O Estado de S. Paulo para escrever editoriais, mas recusou. Seu interesse era pela cidade de Americana.

“Não existiu uma pessoa que defendeu mais Americana. Jessyr colocava o município acima de tudo, os prefeitos tomavam posse e no dia seguinte já eram cobrados nos editoriais. Ele levou Americana por um caminho, a cidade deve muito ao Jessyr”, defende Castilho.

PESSOAL. É impossível falar de Jessyr Bianco sem mencionar o peso de seus editoriais. Foi unanimidade entre os entrevistados que os textos dele ditavam o rumo da política em Americana, influenciando votações na câmara e decisões da administração pública.

Mas o que pouca gente sabe é que os editoriais de Jessyr passavam pelo crivo da esposa, a professora Joyce Medon Bianco. Tudo começou quando ela fez ressalvas a um texto de Jessyr, que não foram levadas em conta. Após a publicação, ele realmente teve problemas com o texto.

Professora Joyce Medon Bianco, a Dona Joyce – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

“Uma vez eu alertei que era perigoso e saiu mesmo assim. Deu uma encrenca, e ele disse que dali para frente daria para eu ler primeiro. Ele fazia os editoriais e levava para eu ler, e acatava o que eu dizia”, recorda a atual presidente do Grupo Liberal.

A matriarca se casou com Jessyr um mês após a fundação do LIBERAL. O companheirismo que marcaria a vida dos dois já se anunciava nos primeiros meses de casados, quando ela lia em voz alta os livros da faculdade de direito enquanto o marido passava roupas.

Prestes a completar 98 anos, Dona Joyce, como é conhecida, recorda o bom humor de Jessyr e momentos de diversão, como quando colocava os netos no carro e levava para um sítio. Para brincar com eles, saía andando com o carro e fingia que ia deixá-los lá. “Tivemos uma vida muito boa juntos, e ele faz muita falta”, declarou dona Joyce, que segue acompanhando o LIBERAL, bordando e lendo livros.

Pai reservado e sempre ocupado entre o escritório e o jornal, Jessyr não poupou brincadeiras quando se tornou avô. “Os netos usavam e abusavam do escritório dele em casa. Meu pai levantava cedo para fazer ginástica com os netos, colocava a criançada em um trator para andar no sítio, a gente só via os cabelinhos subindo e descendo”, recorda Cristina Bianco Alves, filha de Jessyr.

Ela conta que o pai sempre respeitou as escolhas profissionais das filhas, e nunca impôs o direito ou o jornalismo. Cada uma a seu tempo, Juliana, Cristina e Luciana decidiram trabalhar no jornal. “Nem mesmo em conversas informais, nunca cobrou a gente de dar continuidade. Mas ele ficou muito feliz quando as três decidiram, em tempos diferentes, ir para o jornal”, afirma Cristina.

O fundador do LIBERAL, Jessyr Bianco, diante de outra companheira de muitos anos: a máquina de escrever – Foto: Acervo Pessoal

O lado humano, a humildade e os princípios éticos foram algumas das lições que Cristina aprendeu com Jessyr. “Tenho uma admiração enorme por ele, segui os preceitos que ele nos ensinou”, disse a jornalista.

HISTÓRIA. Uma enciclopédia. O Google da Redação. A memória de Americana. A capacidade de Diógenes Gobbo de lembrar datas, nomes e histórias foi chamada de diversas maneiras durante as entrevistas que compõem esta reportagem – e em mais de uma ocasião, seu conhecimento fez falta para a apuração desse conteúdo histórico.

Sem formação universitária, Diógenes formou seu intelecto na vida, na Redação e nos livros. De acordo com sua esposa Elaine Gobbo, ele doou em vida 1,2 mil livros à Biblioteca de Americana, e ainda deixou exemplares para a família quando faleceu.

“Meu pai era um autodidata, amava livros. Ele contava que quando era jovem, todo mundo queria ganhar sapato de aniversário, mas ele queria livros”, conta sua filha Adriana Medon Gobbo.

Diógenes (à dir.) com a filha Adriana e o ex-presidente da República Jânio Quadros, em visita ao LIBERAL nos anos 70 – Foto: Acervo Pessoal

Ele ingressou no LIBERAL no ano de 1956, onde permaneceu por 55 anos. Foi repórter político, acionista, editor de Opinião e colunista. Até seu falecimento, manteve as colunas “Contando Causos” e “Feira Livre”. Nessa última, assinava sob o pseudônimo de Tito Menito e trazia com um humor inteligente fatos da política local e nacional. “As pessoas não esquecem a coluna, até hoje falam que sou a filha do Tito Menito”, conta Adriana.

Diógenes conciliava o trabalho no jornal com outros dois empregos. Era secretário das câmaras de Americana e Nova Odessa, cargos em que contribuiu para o desenvolvimento local e para seu conhecimento ímpar do Poder Legislativo.

Com seus contatos e personalidade marcante, o jornalista formou laços com diversas personalidades políticas. Figuravam entre seus amigos nomes como o ex-governador de São Paulo, Mário Covas, e os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Fernando Collor de Mello – este último convidou Diógenes e a esposa Elaine a passarem uma virada de ano na casa de sua mãe, em Maceió (AL).

“O Diógenes chamou a mãe do Collor, sentou no sofá dela e contou tantas piadas que ela quase teve uma síncope. Ele contou coisas do Fernando Collor que nem a própria mãe sabia”, conta Elaine. “Era isso que o tornava tão encantador – tratava o coletor de lixo e o presidente da república da mesma maneira”, disse a viúva.

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Juntos, Jessyr e Diógenes formavam uma dupla com memória afiada, conhecimento profundo de Jornalismo e um amor intenso pela cidade de Americana. 

“Os dois tinham uma amizade muito grande, uma parceria e sintonia. Os dois tinham a mesma busca, o mesmo potencial intelectual, e amavam isso”, afirma Adriana.

REDAÇÃO. Essa afinidade entre Jessyr e Diógenes fez da Redação do LIBERAL uma verdadeira escola para os jornalistas que tiveram a oportunidade de trabalhar com a dupla.

Editor do LIBERAL e funcionário da empresa há 30 anos, Reginaldo Gonçalves destacou que Diógenes era o Google da Redação antes de existir internet. Em relação a Jessyr, lembra que ele oferecia um caminho aberto para diálogos e orientações.

“O dr. Jessyr não era patrão, você podia estar errado e ele dava ‘bronca’ conversando normalmente. Ele usava a expressão ‘convém fazer desse jeito?’. Ele dava muita liberdade de conversar, podíamos trocar ideia na sala dele a qualquer hora, e a gente sabia dessa disposição em ajudar e orientar”, lembra Reginaldo.

Terapeuta sistêmica, Kesi Adria trabalhou por 19 anos na Redação do LIBERAL. Ela lembra que foi “descoberta” por Jessyr quando tinha 17 anos e trabalhava em uma rádio. Diógenes prontamente assumiu sua orientação, com ensinamentos sobre a prática jornalística e contando histórias de Americana.

Kesi se lembra da reunião semanal com Jessyr, que se sentava em uma grande janela que existe na Redação e trocava ideias com os jornalistas sobre as notícias que vinham sendo retratadas, as abordagens editoriais, impactos, erros e acertos.

“Dr. Jessyr foi meu padrinho profissional e Diógenes meu pai. Aprendi com esses dois homens a fazer tudo com o coração. A razão é tão necessária na apuração dos fatos, mas não podemos perder nossa essência. Quando saio de casa para trabalhar, carrego a mensagem de dar meu melhor, não cair no senso comum, sempre observar os fatos com um olhar de questionamento. Levo comigo esse senso de observador que aprendi com o dr. Jessyr e o Diógenes”, declarou Kesi.

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