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Cultura na região

Eles querem ser ouvidos: comunidade surda aponta dificuldades em frequentar eventos culturais

Faltam recursos de acessibilidade em atividades culturais da região; prefeituras apontam obstáculos

Por Stela Pires

28 de abril de 2024, às 07h33 • Última atualização em 29 de abril de 2024, às 11h05

Sejam shows, teatros, cinemas, saraus e eventos, as opções culturais na RPT (Região do Polo Têxtil) são diversas, basta o público escolher aquela que melhor se enquadra no seu perfil. Parte da população, no entanto, vê as possibilidades de acesso à cultura escassas ou nulas, como é o caso das pessoas surdas.

No último dia 24 foi comemorado o Dia Nacional da Libras (Língua Brasileira de Sinais). A linguagem foi reconhecida como meio legal de comunicação e expressão há mais de 20 anos e ainda não foi incluída em todos os espaços, inclusive naqueles que promovem a cultura.

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É por meio de um intérprete que a população surda teria acessibilidade a estes locais que promovem o desenvolvimento pessoal, moral e intelectual, além do lazer. 

A inclusão destes profissionais, ou de ferramentas que possibilitam o consumo, não acontece na maior parte dos ambientes culturais da região, de acordo com a própria comunidade surda.

Gisele Marchiori tem apoio de aparelho auditivo para ampliar os sons, mas ainda precisa de recursos de acessibilidade – Foto: Marcelo Rocha/Liberal

A especialista em operações Gisele Marchiori, de 40 anos, moradora de Americana, tem perda profunda bilateral na audição. Através do aparelho auditivo, que amplifica o som, ela consegue ouvir, mas o equipamento não é capaz de suprir toda a sua necessidade. 

O histórico de dificuldade em acessar determinados espaços e eventos é imenso. Um dos exemplos citados por Gisele foi o tão esperado dia de assistir ao filme “Barbie”, que foi um verdadeiro fenômeno no ano passado. Vestida com uma blusa comprada especialmente para o momento, ela precisou cancelar os planos.

“Paguei o ingresso, me sentei na poltrona e tive de sair da sala porque o recurso que disponibiliza legenda não funcionou. Fiquei bem chateada”, contou. Gisele foi ressarcida e ganhou uma cortesia do cinema, mas não conseguiu ver o filme que gostaria em outro dia.

A especialista em operações faz parte de uma parcela da população surda que tem perda auditiva, mas que aprendeu a língua portuguesa, portanto legendas em filmes e eventos são o suficiente para ela. No entanto, muitos outros só se comunicam em Libras e não entendem o português. 

As legendas, por exemplo, teriam auxiliado Gisele a acompanhar a 2ª Rota Cervejeira de Americana, realizada no final de semana passado. Ela conseguiu ir ao evento mesmo sem entender algumas músicas, mas muitos de seus amigos deixaram de frequentar pela falta de um intérprete em Libras.

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O mecânico de produção e professor de Libras Tiago Luiz Miranda de Freitas, 34, tem perda profunda bilateral de nascença, usa Libras nos meios de comunicação, mas também é oralizado. Ele aponta que leis federais garantem a acessibilidade e intérprete da linguagem de sinais, mas elas não são respeitadas.

“Para frequentar os eventos, a comunidade surda sempre analisa se o local terá acessibilidade para prestigiar, caso não tenha, nenhum surdo irá comparecer, pois não vai entender nada”.

Tiago exemplificou com um caso vivido pela comunidade em fevereiro deste ano, em um teatro de Americana. Um humorista realizaria um stand up e, a fim de prestigiar o show, o público surdo solicitou para a produção do espetáculo a contratação de um intérprete.

A solicitação, no entanto, foi negada. O professor aponta que a negativa se deu por causa da recusa dos produtores em contratar um intérprete, o que é um direito previsto em lei. O público surdo não pôde comparecer na apresentação.

No ano passado, Tiago, junto a uma amiga, protocolou no Ministério Público um pedido de acessibilidade para surdos com intérpretes no rodeio da cidade. O direito foi concedido, mas o recurso só esteve presente nos shows e a montaria ficou de fora.

Gisele aponta que, em casos em que a organização do evento se recusa a incluir o recurso de acessibilidade para o público surdo, a alternativa é recorrer ao repartimento público para exigência do direito. 

Porém, por muitas vezes, a comunidade acaba não indo atrás deste recurso. “Meus amigos desanimam de sempre precisarem pleitear os direitos que têm”, contou.

A falta de intérpretes de Libras qualificados dificulta a acessibilidade em eventos culturais

O intérprete de Libras Victor Pascoalini, proprietário do Instituto Cultura Libras, de Santa Bárbara d’Oeste, foi o responsável epla acessibilidade no Espetáculo Via Crucis – Foto: Claudeci Junior/Liberal

Apesar da acessibilidade ser um direito do PCD (pessoa com deficiência), o recurso não é empregado na maioria dos eventos culturais. A falta de intérpretes qualificados, assim como a estrutura dos espaços que recebem apresentações, foram apontados como fatores impeditivos.

A reportagem buscou as prefeituras das cinco cidades da RPT (Região do Polo Têxtil) para questionar se os recursos de acessibilidade são aplicados nos eventos culturais municipais. Além disso, as administrações também tiveram a oportunidade de explicar as dificuldades que enfrentam para aplicá-los.

A Prefeitura de Americana apontou que há casos de eventos “com formatos intimistas” realizados nos espaços destinados à cultura da cidade em que, os próprios produtores, ocasionalmente, contratam intérpretes. 

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Segundo a administração, além da acessibilidade comunicacional, é necessário considerar também a acessibilidade arquitetônica, atitudinal, social e tecnológica, a fim de abranger todas as vertentes e atender a todas as necessidades.

No caso da Rota Cervejeira, levantado por Gisele Marchiori, foi apontado que a disponibilização de intérpretes de Libras em shows de grande porte enfrenta desafios logísticos e estruturais. 

Além disso, a escassez de profissionais fluentes tanto em Libras quanto em línguas estrangeiras, e habilidosos na interpretação de contextos artístico-culturais também são obstáculos. 

O intérprete de Libras Victor Pascoalini, proprietário do Instituto Cultura Libras, de Santa Bárbara d’Oeste, reforça o argumento. Ele aponta que a falta de profissionais qualificados é ainda mais expressiva na área artística.

Ele usa o instituto como exemplo. Victor é de Santa Bárbara, mas os demais profissionais que trabalham com ele são de outras cidades da região, como Campinas, Limeira e Nova Odessa. 

“Profissionais com qualidade realmente certificados com proficiência na língua estão em falta”, disse.

O Espetáculo Via Crucis, realizado anualmente em Santa Bárbara d’Oeste, é um exemplo de evento cultural que oferece recursos de acessibilidade para a comunidade surda e cega da região. 

Neste ano, a encenação ofereceu intérprete de Libras e a ferramenta de audiodescrição. A acessibilidade para pessoas surdas foi feita pelo instituto de Victor Pascoalini, e a audiodescrição por uma empresa parceira do Cultura Libras.

O Secretário de Cultura e Turismo do município, Evandro Felix, conta que a pasta tem ampliado a acessibilidade dos eventos.

“A audiodescrição foi incorporada esse ano dentro do espetáculo Via Crucis, já que se trata de uma apresentação teatral, há uma riqueza ainda maior de detalhes que, de fato, precisa ser narrada”, disse. O recurso foi utilizado pelo público, segundo ele.

O evento cultural mais recente de Santa Bárbara, o FÉstival, também contou com tradução em Libras, feita por meio de uma transmissão simultânea nos painéis de LED. Os palcos menores do evento contavam com um intérprete.

O secretário aponta que projetos da LPG (Lei Paulo Gustavo), por exemplo, têm a previsão de tradução em Libras em todas as iniciativas, de modo que consigam atender esse público. 

O proponente de projetos da LPG já deve considerar dentro do orçamento a contratação de profissionais que garantam a acessibilidade nos eventos.

O município ainda não tem os recursos aplicados em todas as realizações da pasta de cultura, no entanto, Evandro planeja a abertura de contratação de profissionais unicamente para esta finalidade.

Além disso, o edital de formação de Santa Bárbara tem a previsão de oficinas de Libras. Desta forma, a população também poderá aprender a linguagem de sinais de forma gratuita.

As prefeituras de Nova Odessa, Hortolândia e Sumaré não responderam até o fechamento desta matéria.

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