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Entrevista

Hortolândia implantará SOS Racismo: ‘a pessoa faz denúncia, mas se perde’

Confira entrevista com o diretor do projeto, que será lançado em agosto visando acolher e encaminhar denúncias de violência racial

Por Marina Zanaki

07 de julho de 2019, às 15h33 • Última atualização em 07 de julho de 2019, às 17h12

Hortolândia vai passar a contar, a partir de agosto, com um canal de acolhimento de casos de violência racial cometidas no município. O SOS Racismo será formado por uma equipe treinada para acolher, orientar e encaminhar às instâncias responsáveis casos de racismo, injúria racial ou violência motivados por cor, religião e etnia.

O projeto foi idealizado pelo Departamento de Direitos Humanos e Políticas Públicas para Mulheres da Secretaria de Governo. Diretor desse setor, Amarantino Jesus de Oliveira explicou que a falta de um protocolo de atendimento dificulta que os casos sejam apurados e os responsáveis pelas violências, punidos. Isso, por sua vez, desestimula o registro de outras denúncias.

Com o serviço, a população vai contar com um canal de denúncias que fará o encaminhamento para registro de boletim de ocorrência. A equipe também vai oferecer suportes como acompanhamentos em perícias e orientação sobre processos judiciais cabíveis.

O SOS Racismo inspirou-se em boas práticas da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) no que se refere ao combate à violência racial. O serviço vai funcionar na Casa Quilombola, órgão da Secretaria de Governo localizado na Rua Benedito Francisco de Faria, 467, no Remanso Campineiro.

Foto: Divulgação
Diretor afirma que ferramenta fortalece a política de enfrentamento

Como surgiu a ideia do SOS Racismo?

O Conselho de Promoção da Igualdade Racial já recebia algumas denúncias, mas não sabia exatamente como proceder, para onde encaminhar. Começamos a pesquisar boas práticas e encontramos parceiro da Alesp que nos apresentou o SOS Racismo da Assembleia Legislativa. Esse formato atende todo o tipo de violência em função da cor, religião ou etnia, e acreditamos que se enquadraria bem no município.

Ele funciona fazendo o acolhimento das denúncias, emitimos um relatório que vai para análise de equipe formada por advogado, coordenador e, se for caso, envolve o jurídico da prefeitura, avaliando o tipo de crime – injúria ou racismo. Fazemos o encaminhamento para os outros órgãos, seja Ministério Público. Se precisar de advogado acionamos a Defensoria Pública, e se for caso que consiga resolver por outros meios busca apoio da OAB e do Conselho.

A ideia é fechar o ciclo. Na maioria das vezes a pessoa faz denúncia, mas se perde. As pessoas ouvem, se indignam juntas, mas na hora de fechar judicialmente não tem um procedimento. Outro dia estávamos ouvindo um juiz em uma palestra dizendo que a maioria dos casos de racismo que chegam não terminam em prisão. Temos que ter equipe que consiga dar conta de acompanhar esses casos, que dê conta de fechar esses casos, para que não fique sem respostas e não acabe desmotivando as pessoas a fazerem as denúncias.

Como está a estrutura do projeto? Quando deve começar a atender?

A gente tem a Casa Quilombola, que é onde vai funcionar. Temos o coordenador, um advogado que vai atuar nesse primeiro momento como parceiro, mas estamos efetivando uma pessoa para ficar definitivamente no projeto, e vamos ter uma equipe administrativa acompanhando também. Temos toda a estrutura física e agora o pessoal vai passar por acompanhamento junto com Alesp e demais órgãos que possam nos auxiliar com essas boas práticas. Está bem encaminhado e deve entrar em funcionamento em agosto.

Como é a realidade hoje em Hortolândia? Qual o perfil das denúncias?

Não tenho números porque na verdade no Conselho recebemos apenas dois casos durante esse ano. São na maioria das vezes de injúria racial, e não de racismo. Temos visão que na maioria das vezes as pessoas não denunciam, sofrem injúria, racismo, se indignam, comentam com amigos, companheiros, mas não levam judicialmente por entender que não avança. Vou fazer denúncia para quê? Ser perseguido e dizer que estou fazendo “mimimi”?

Estava vendo pelo Disque 100 (serviço de proteção de direitos humanos) e o número de denúncias em 2017 foi quase insignificante dentro de um universo de Brasil, onde se vê acontecendo racismo, injúria racial quase todos os dias. Tinha 600 e poucos casos (foram 921 denúncias em 2017 e 615 em 2018). As pessoas não têm o hábito de denunciar justamente por não se sentirem motivadas. Montando essa equipe acho que começamos a dar resposta para eles – para nós, porque também sou negro – e conseguimos ter uma visão mais concreta de enfrentamento.

Podemos dizer que o SOS Racismo é uma ferramenta de denúncia?

É uma ferramenta que fortalece a política de enfrentamento, é uma ação afirmativa no sentido de dar resposta às violências, racismo, injuria racial, ofensas em relação religião, etnia. Além disso, faremos trabalho de acompanhamento com imigrantes, (principalmente) haitianos. Já fazemos trabalho com eles na Casa Quilombola, vamos fortalecer esse processo. O SOS Racismo não é só ferramenta de denúncia. A partir do momento que cidadão se vincula à Casa Quilombola, ao SOS Racismo, acabamos envolvendo ele em outras políticas dentro da Casa. Afroempreendedorismo, formação, capacitação para as pessoas, e também trabalha com ações afirmativas, por meio de parceria com o Instituto Federal, voltadas à consciência do racismo, principalmente racismo institucional, mais velado, mas o mais comum hoje.

Como o racismo institucional se caracteriza?

Na verdade é aquela história, as pessoas entenderem que não tem mais que se preocupar com o que dizem, fazem xingamentos, “negão”, “macaco”, coisas desse tipo. Os xingamentos são injúria racial. Esses acontecem o tempo todo, em rodas de amigos, com piadas. As pessoas magoam, se queixam umas com as outras, mas não levam adiante.

No país, o que falta para aprimorar o enfrentamento ao racismo?

Acredito que faltam pessoas capacitadas para atender a denúncia e fazer com que de fato tenha encaminhamento. É muito comum hoje ter órgãos que recebem a denúncia, como o conselho, fazem o relatório, avaliação entre eles, e depois ficam sem entender pra onde encaminhar. Quando você implementa estrutura que dá conta disso, com equipe capacitada, pessoas que além do engajamento tenham conhecimento técnico pra fazer os encaminhamentos, isso melhora. As pessoas se sentem mais acolhidas e acabam confiando no equipamento.

Pretendemos fazer pactuações, por documentos, seja por convênios ou outros instrumentos, com o Ministério Público, Defensoria Pública e outros órgãos para não ficar só no sentido – chegou a demanda e provocamos esse órgão. A ideia é já ter um fluxo de protocolos, procedimentos que deem conta de ter um encaminhamento jurídico oficial sem ficar na informalidade. Tudo isso contribui para que equipamento ganhe credibilidade e pessoas se sintam confiantes em fazer a denúncia.

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