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Entrevista

Médico fala sobre tratamento inovador no combate ao câncer

O LIBERAL conversou com o médico Renato Cunha, que cuida do caso de Vamberto Luiz de Castro, de 63 anos, no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto

Por Marina Zanaki

20 de outubro de 2019, às 07h38 • Última atualização em 21 de outubro de 2019, às 09h07

Foto: Divulgação
O LIBERAL conversou com o médico Renato Cunha, que cuida do caso em Ribeirão Preto

Os olhos da comunidade científica e da população se voltaram, desde o início do mês, para os resultados impressionantes obtidos por um novo tratamento contra o câncer. A técnica foi usada pela primeira vez na América Latina em um paciente no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.

O aposentado Vamberto Luiz de Castro, de 63 anos, luta desde 2017 contra um linfoma, câncer que afeta o sistema linfático. Já havia passado por quatro tratamentos sem melhora.

Os médicos conseguiram autorização para tentar terapia que altera células para que identifiquem os tumores e trabalhem para destruí-lo, e dessa forma o paciente conseguiu a remissão total da doença. Essa técnica, CAR T-cell, tem comercialização já liberada nos Estados Unidos e rendeu aos criadores o Nobel de Fisiologia e Medicina no ano passado; contudo, seu custo chega a R$ 400 mil.

O LIBERAL conversou com o médico Renato Cunha, que cuida do caso em Ribeirão Preto. Ele indicou que a pesquisa de CAR T-cell no país ainda não tem o protocolo de pesquisa definido e a inclusão do paciente foi por meio de “tratamento compassivo”, quando o paciente não tem mais perspectivas de tratamento e pede para ser submetido a um procedimento ainda em fase de pesquisa.

Ele explicou que o paciente vai passar por acompanhamentos nos próximos meses, e que a cura de um câncer só pode ser declarada após cinco anos. Passados 30 dias do tratamento, definiu a resposta como “impressionante”.

Foto: Hemocentro da USP
Aposentado Vamberto Luiz de Castro, de 63 anos, luta desde 2017 contra um linfoma, câncer que afeta o sistema linfático

No que consiste o CAR T-cell?
É um tratamento que faz parte de um universo que a gente chama de terapia celular e consiste em usar células para o tratamento de doenças, com várias modalidades. O CAR T-cell vai entrar no que chama de células T, que são células do nosso sistema de defesa e dotadas da capacidade de nos defender de infecção e eventualmente também do desenvolvimento de células do câncer. Mas pode ser que em algum momento ou dependendo do tipo do câncer ele não enxerga essa célula tumoral, e o câncer se desenvolve. O que a gente faz é tirar essa célula T do sangue do paciente. Existe uma máquina que a gente filtra o sangue do paciente, retira só o que quer e o restante devolve. Leva para o laboratório e faço uma alteração genética, fazendo com que células enxerguem o tumor. Imagine que no tumor tenho fechaduras específicas, um mesmo tipo de fechaduras para todas células de tumor que tenho no corpo do paciente. O que eu faço na célula é colocar uma chave que reconhece essa fechadura na superfície da célula e faço uma alteração. A célula ganha uma chave que ela não tinha. Quando eu retorno essa célula T, que agora é a CART, para o sangue do paciente, essa chave nova vai reconhecer as fechaduras dos tumores, ou melhor, das células tumorais, do câncer, do linfoma, que estão circulando, e elas destroem essas células.

Como foi o desenvolvimento de uma técnica brasileira?
É um trabalho de longa data, um investimento do Centro de Terapia Celular do hemocentro de Ribeirão Preto. O centro existe há mais de 15 anos, com investimento em terapia celular há mais de dez anos, com foco em células CART há pelo menos quatro anos. Basicamente, é desenvolvimento de tecnologia brasileira. O produto que se faz lá fora é de alta qualidade, muito bom e seguro, mas é muito caro. Pode chegar a 400 mil dólares a infusão, ao passo que o que a gente faz, por se tratar de tecnologia própria, consegue ter um preço muito mais razoável, 10% desse valor por exemplo. Nosso desenvolvimento foi justamente ter uma adequação à nossa realidade – qualidade, efetividade e segurança, que é o que importa para o nosso paciente. Trazer tecnologia para o Brasil é fundamental para reduzir custos, não tem outro caminho.

Como era o estado do paciente quando iniciou o tratamento?
Ele é um paciente que chegou bastante debilitado. Todas as linhas prévias que ele teve não tiveram sucesso. Com o passar do tempo foi perdendo o peso, tinha muita dor, suor noturno, característico desse tipo de doença, dificuldade para comer e dormir, e muita dor a ponto de usar morfina. Com o tratamento foi mostrando melhora progressiva e hoje ele está muito melhor, voltou para casa, em Belo Horizonte (MG), está andando sozinho, comendo, ganhando peso, já não tem suor, dor, uma melhora a olhos vistos.

Quanto tempo entre o tratamento e conseguir alta?
Cerca de 30 dias. O caso dele realmente foi muito impactante, a resposta foi exuberante. Tem paciente que não responde ao CAR T, é como qualquer medicação. Mas o caso dele foi uma resposta muito boa.

Qual a diferença entre remissão, que é o que ele alcançou, e cura?
Para falar em remissão e cura a gente considera alguns critérios. Primeiro (para remissão) o paciente tem que estar bem do ponto de vista clínico. Segundo que tem exames de sangue que podem ver a presença de atividade do tumor, que no caso dele, negativas. E terceiro a imagem, que no caso dele foi redução de todas as lesões, mas é uma imagem muito precoce, feita com 30 dias. Normalmente faz com 60 ou 90 dias. A partir disso a gente segue, e vai bater o martelo de qual foi a real resposta ao tratamento. Até agora com 30 dias é impressionante. Vai mantendo esse seguimento trimestral, quadrimestral, semestral, depois para de fazer exame de imagem e só exame de laboratório, até o quinto ano, quando pode falar em cura, e depois segue até os dez anos por causa do CAR T. Se ele mantiver essa resposta não temos o que fazer pra acrescentar, só acompanhar.

Ele tinha uma estimativa de tempo de vida?
É difícil falar, mas quando chegou estava debilitado, menos de um ano eu diria. Não ia tudo isso, realmente uma condição clínica muito ruim, talvez seis meses.

Primeiro paciente que tentaram?
Sim, foi o primeiro, não tentou com ninguém ainda, foi o primeiro no Brasil e América Latina, e já foi um resultado muito bom, deixa a gente muito animado.

Como a pesquisa brasileira pode ajudar a ampliar o acesso?
Você tem o número de pacientes para ser incluído no protocolo, que vai te dar uma quantidade de dados, de respostas, como foi o tratamento. E a partir daí, se mantiver boas respostas como o caso do Vamberto, pode pedir registro da medicação e vão fazer parte do SUS. Tem um caminho um pouco longo, deve demorar uns dois, três anos talvez.

Como vê essa técnica em relação à esperança da cura do câncer para pacientes que perderam perspectiva em tratamentos tradicionais?
É difícil falar. Como falei do mecanismo chave e fechadura, cada tumor tem o seu, então se quer por exemplo tratar outro tumor que não seja esse, tem fechadura diferente, então tem que usar uma chave diferente. Do ponto de vista prático o método é o mesmo. Mas não se aplica a todo mundo porque tenho que trocar a chave e a fechadura. Onde já deu certo? Leucemias e linfomas, praticamente. E os demais? A gente pesquisa.

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