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Americana

Condições de trabalho afastam funcionários da Saúde

Profissionais da rede municipal de Saúde de Americana se dizem sobrecarregados por falta de servidores e acabam buscando outras opções de trabalho

Por Marina Zanaki

02 de junho de 2019, às 08h38 • Última atualização em 02 de junho de 2019, às 09h09

As condições de trabalho oferecidas aos trabalhadores da Secretaria de Saúde têm afastado profissionais da rede, que acabam buscando em outros concursos ou na iniciativa privada uma recolocação profissional. Com isso, a sobrecarga de trabalho aos que resistem na rede só aumenta, alimentando o ciclo de precarização do trabalho.

A situação foi apontada ao LIBERAL por seis funcionários da rede pública que preferiram não se identificar e dois ex-servidores (leia depoimentos ao lado). Eles citaram que a falta de médicos provoca uma sobrecarga nos demais profissionais. Os recepcionistas e agentes de saúde acabam ouvindo reclamações e ofensas por parte da população, que não entende a demora no atendimento nos prontos-socorros e nem a ausência de vagas para consultas em postos de saúde.

Foto: João Carlos Nascimento / O Liberal
Condições de trabalho dificultam a vida de servidores da saúde; Hospital Municipal é alvo constante de reclamações

Os enfermeiros acabam assumindo parte da responsabilidade com a falta dos médicos. Eles podem realizar, por exemplo, uma primeira consulta e solicitar exames. Contudo, caso haja a necessidade de medicar ou reavaliar uma dosagem, não são capacitados.

As visitas domiciliares das unidades de Saúde da Família estão sendo realizadas por agentes de saúde e enfermeiros, sem a presença de um médico. Com isso, os remédios já prescritos não passam por uma reavaliação; além disso, os pacientes que não conseguem se locomover até o posto ficam sem consultas.

“Até onde sabemos, a situação é bastante preocupante. O quadro de funcionários não é compatível com a demanda e o servidor tem se desdobrado”, afirmou o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos, Toninho Forti.

Ele lembrou que o quadro de servidores já não estava completo quando o prefeito Omar Najar (MDB) assumiu. Em 2015, como forma de adequar as contas à LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), a prefeitura anunciou o corte de probatórios, diminuindo o quadro.

“Desde então houve vários pedidos de demissões, muitos em função das condições de trabalho, além de aposentadorias, falecimentos”, relembra.

Em nota, a Secretaria de Saúde ressaltou que os problemas não são novos e que nunca os omitiu. “Não podemos ser responsabilizados por criar um problema do qual somos parte da solução”, afirmou.

Atribuiu a estrutura e a limitação para contratação ao “caos financeiro já conhecido pelo LIBERAL” e disse que tem reformado unidades e feito melhorias na rede “dentro do nosso alcance financeiro”.

Diz ainda que não há como atribuir a uma única causa as saídas de profissionais, “pois são fatores diferentes, sendo todos de foro particular”. E que há um esforço dos profissionais e de todos na Administração para garantir que os problemas não se agravem e sejam solucionados.

A reportagem levantou, junto ao Portal da Transparência da Prefeitura de Americana, que a Secretaria de Saúde contava com 1.484 servidores em janeiro de 2015, e a Fusame (Fundação Saúde de Americana) outros 273.

Em janeiro deste ano, eram 1.187 servidores da Saúde e 217 da Fusame. Nesse levantamento constam vínculos duplos, em casos de funcionários com mais de um concurso ou cargo.

Condições

Os servidores relataram outros problemas, como a falta de insumos. Em maio, por exemplo, houve falta de ataduras grandes. Por um ano e cinco meses a rede não contou com a injeção anticoncepcional Depo Provera, e os preservativos são enviados às unidades em quantidades abaixo do necessário.

Profissionais que fazem trabalho de recepção indicaram a falta de itens básicos, como pastas e canetas. Além disso, qualquer item para uso dos servidores foi cortado, como fósforos, detergente, café e açúcar.

Os servidores também reclamam das condições estruturais de algumas unidades de saúde. O posto do São Luiz funciona em casa alugada que não oferece condições sanitárias de atender um serviço de saúde. O posto da Praia Azul segue com infiltrações e mofo nas paredes, mesmo após reforma.

Segundo a prefeitura, semanalmente há reposição de materiais. Sobre a atadura de 15 cm, a maior padronizada na rede, garantiu que a entrega foi normalizada desde 7 de maio e que a falta esteve relacionada a um atraso na entrega pelo fornecedor.

A prefeitura negou falta de materiais de escritório e produtos para uso dos servidores. “A quantidade entregue é baseada na média de produção de cada unidade, de forma a não haver desperdícios”, afirmou.

Sobre o Depo Provera, disse que o medicamento é fornecido pelo Estado, que as entregas estão atrasadas e que a quantidade existente foi graças a um empréstimo de outro município.
Sobre medicamentos de uso contínuo, esclareceu que “a coordenação da Atenção Básica tem efetuado as trocas das mesmas, com o apoio de outros médicos da rede”.

‘Não me arrependo’, diz ex-servidor de Americana

Técnico em enfermagem, Thiago Matos desligou-se da rede pública de Americana em dezembro de 2017 e ingressou no Hospital da PUC-Campinas. O profissional disse que sentia-se “dando murro em ponta de faca” e que o município não prezava pelo atendimento humanizado.

“Não adianta ficar em lugar que não te dá condições de trabalho, de crescer. Você vem no seu trabalho, não tem apoio necessário, não tem material, apoio, e ainda sofre assédio moral”, contou.

“Não me arrependo em nenhum momento de perder o ‘conforto’ em ser servidor público, muito porque sempre trabalhei corretamente e não sou acomodado. Entrei numa instituição privada, onde dão condições de trabalho. É cheio? É. Mas dão condições pro trabalhador, eles conversam, dão incentivo, é totalmente diferente. A iniciativa pública poderia fazer melhor”, avalia.

Amanda Martins de Castro pediu exoneração da secretaria em 2018 após mais de quatro anos. Ela trabalhava como recepcionista do Caps (Centro de Atenção Psicossocial) no bairro Mario Covas, e desenvolveu um quadro de depressão.

A ex-servidora entende sua transferência ao Centro como uma represália depois de se opor a orientações recebidas, o que a prefeitura nega.

Depoimentos:

Agente de saúde de posto de saúde
“Dá vergonha de fazer visita nas casas porque a primeira pergunta é se tem médico. Sou agente de saúde, vou na residência e a pessoa não está bem, acaba descontando na gente”.

Enfermeira de posto de saúde
“Fica com o enfermeiro a responsabilidade. A gente faz um esforço muito grande, mas não encontra esse amparo. Posso fazer uma primeira consulta, pedir exame, mas quando vem o resultado precisa do médico para dar essa retaguarda, fazer receita, pedir medicamento”.

Técnica em enfermagem na Praia Azul
“Um paciente passou mal duas ruas para cima do posto, veio um rapaz e perguntou: está enfartando, não tem um médico? Não tinha e a enfermeira estava na hora do almoço. É difícil trabalhar assim, num bairro tão grande, com tanta gente, devia ter um posto 24 horas; o mais perto é o Zanaga”

Enfermeira de pronto-socorro
“É uma loucura. Você tem que dar conta daquela quantidade de pessoas que estão ali, é como uma produção. Onde é que fica a qualidade? Essa coisa de produzir acaba sendo induzida ao erro”

Técnica em enfermagem de posto de saúde
“Aceito (vaga) até em Campinas, em qualquer lugar. É uma hora e meia de ônibus todo o dia, me tiraram de uma unidade perto de casa por conta de conflitos. Conflitos dentro das unidades estão gigantescos”

Enfermeiro de pronto-socorro
“O terceirizado não consegue lutar pelo paciente; quem vê se não está sendo feito coisa errada pelo médico é o enfermeiro. Se ele é concursado consegue bater de frente, se for contratado não vai colocar o emprego dele em risco”

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