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Notícias que inspiram

Aluno autista de escola pública de Americana supera dificuldades e conquista vagas em universidades

Matriculado em fonoaudiologia na Unicamp, Alisson relembra dificuldades e comemora nova fase

Por Isabella Holouka

10 de março de 2024, às 11h01 • Última atualização em 11 de março de 2024, às 16h49

Música, leitura e escrita são grandes paixões; Alisson coleciona revistas, constrói suas próprias opiniões e gosta de trocar ideias - Foto: Claudeci Junior/Liberal

Aos 18 anos, Alisson Henrique Passarella quer evoluir, conviver e realizar sonhos. Com segurança no olhar, o jovem morador de Americana conta ter superado o abandono, a miséria e a fome na primeira infância, lembra o apoio dos pais adotivos em sua descoberta como neuroatípico, desabafa sobre os traumas causados pelo bullying e ressalta a importância de sua professora auxiliar nos últimos anos escolares para a conquista do que considera seu maior feito até agora. 

Aluno de escola pública, ele foi aprovado nos vestibulares da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos) pelo Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e da Belas Artes, na capital paulista. Também conquistou vaga na Fatec (Faculdade de Tecnologia do Estado), por meio do Provão Paulista.

Já matriculado no curso de fonoaudiologia na Unicamp, ele se adapta à nova rotina universitária em Campinas e, com o apoio dos pais, comemora e traça planos para o futuro.

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“É incrível, porque eu simplesmente passei pelo acompanhamento no Hospital das Clínicas [da Unicamp] como um paciente com autismo. Cheguei a ter crises e ir para lá acompanhado na ambulância. Mas vou entrar no mesmo Hospital das Clínicas com jaleco, como estudante da Faculdade de Ciências Médicas, na área de fonoaudiologia. É uma conquista enorme para mim, uma grande reviravolta”, falou ao LIBERAL.

Adoção marca início de nova etapa repleta de desafios

Uma retrospectiva da vida de Alisson pode até dar a impressão de que os obstáculos foram magicamente vencidos, principalmente pela simplicidade com que o jovem narra sua história. Mas Simone e Marcos Passarella, de 51 e 52 anos, que adotaram o garoto aos 6, garantem que a conquista do jovem só foi possível devido a muita luta conjunta e diária.

Simone e Marcos Passarella adotaram o garoto aos 6 anos – Foto: Claudeci Junior/Liberal

Alisson foi abandonado e cresceu na favela Capelinha, em Capão Redondo, na zona sul de São Paulo. Sem pai nem mãe, em pobreza extrema, ele conta ter pedido ajuda de porta em porta, passando por situações de maus-tratos e fome, até ser acolhido por uma bisavó. Depois, Simone e Marcos, que tinham parentesco com a família, conheceram o menino e resolveram adotá-lo.

Para o casal, Alisson foi um presente. Já a criança pôde sentir, pela primeira vez, que estava em família, seria cuidada, e não negligenciada novamente.

Logo no início, os pais perceberam que o pequeno não conversava, tinha dificuldade com as palavras, e Simone se propôs a ensiná-lo, entre cócegas e exercícios. “Posso dizer que a minha mãe foi minha primeira fonoaudióloga. E essa é a minha inspiração principal para estudar fonoaudiologia”, destaca Alisson.

O desafio de desenvolver a fala foi superado em seis meses. E o menino logo passou à leitura, inclusive de conteúdos para séries escolares avançadas. Mas a dificuldade para socializar com outras crianças e sentir-se pertencente à comunidade escolar chamou a atenção dos pais. Ele tinha um comportamento agitado que causava problemas na escola e motivou uma investigação sobre sua saúde mental e neurológica. 

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Os traumas deixaram marcas que dificultaram o diagnóstico, mas a família pôde compreender melhor o cenário quando, na ala de psiquiatria do HC, soube que, além do TEA (Transtorno do Espectro Autista) no nível 1, Alisson também tem sintomas de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo) e TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada). Na época, ele tinha 12 anos e ouvia de professores e colegas que “não iria chegar a lugar algum”.

Trajetória escolar foi marcada pelo bullying, mas teve ajuda de professora auxiliar

As diferenças comportamentais de Alisson, e também a sua inteligência, dificultaram e muito sua vida escolar. Preconceito, distanciamento, falta de acolhimento e até agressões motivaram a família a optar pela educação domiciliar, escolha que impulsionou ainda mais o desenvolvimento e a aprendizagem avançada do garoto. Mesmo assim, a autoestima dele era baixa.

Mas a história teve uma nova virada quando, ao ingressar no ensino médio regular justamente para aprender a lidar melhor com o convívio social, Alisson conheceu Edlaine Silva, de 39 anos, sua professora auxiliar, pedagoga com pós-graduação em TEA (Transtorno do Espectro Autista).

Alisson com a professora Edlaine, que o ajudou a superar as dificuldades no ensino médio – Foto: Arquivo pessoal

“Ela teve um papel muito importante, porque me moldou no ensino médio para eu poder estar onde estou na Unicamp. Se não fosse por ela, com o bullying e as pressões sociais, eu não teria conseguido”, contou ele, que passou pelas escolas estaduais “Risoleta”, no Jardim São Domingos, “Ornella”, no Parque Universitário, e concluiu o ensino médio na Escola Estadual João XXIII, na Vila Santa Catarina.

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“No primeiro dia, ele quase não conversou comigo, mas eu percebi o grau de inteligência na interação com os professores. Não precisou de atividade adaptada, mas sua atenção dispersava muito rapidamente. Eu estava ali para auxiliar, colocar ele para cima, chamar para prestar atenção quando ele estava no mundinho dele”, lembra Edlaine, que pôde conhecer Alisson pouco a pouco e contribuir para a autoconfiança dele diante dos vestibulares.

“Nada é impossível, basta a gente querer. Às vezes é preciso adaptar um pouco o caminho, mas, desde que você tenha foco, também pode chegar lá”, resume a professora.

Segundo Edlaine, é comum que as famílias de neuroatípicos resistam ao acompanhamento de professores auxiliares, temendo mais dificuldades de socialização para os alunos.

Entretanto, ela explica que, em geral, o papel de facilitador contribui para aproximar toda a classe. E o vínculo entre aluno e professora se tornou tão forte, que continua ainda hoje, com contatos diários.

Para Simone, o incentivo à exposição e solução de problemas foi fundamental para o desenvolvimento de Alisson. “Foi bom termos passado por tudo isso sem nos isolarmos. Conhecemos famílias em que os filhos autistas nem saem de casa. Mas às vezes, mesmo com o coração na mão, precisamos fazer como as águias, que jogam os filhotes para que aprendam a voar. O mundo é perigoso, mas é ele quem vai ensinar”, finaliza a mãe.

Outro lado

Identificando-se como mãe biológica de Alisson, a moradora de São Paulo Andreia Patricia dos Santos, de 44 anos, procurou o LIBERAL após a publicação da reportagem e negou ter abandonado o filho.

Ela falou ter sofrido agressões físicas, psicológicas e financeiras no relacionamento que mantinha com o pai da criança, em paralelo com dificuldades financeiras, motivando o pedido de ajuda temporária aos familiares.

Mas depois, segundo ela, não conseguiu mais encontrar a criança. Ela afirma ter contato recente com Alisson por meio das redes sociais.

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