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146 anos

A luta pela terra em Americana

Relembre os principais acontecimentos da região do Pós-Represa, onde terras são alvo de reforma agrária há 17 anos

Por Natália Velosa

29 de agosto de 2021, às 08h19

As terras da região do Pós-Represa, em Americana, carregam muitas histórias. Escolhida por movimentos para ser alvo de reforma agrária, por aquela região se passaram lutas, sonhos, frustrações e indignações. E o final dessa história ainda está longe de ter fim.

O início da luta naquelas terras começou em 2004, quando o grupo Terras Sem Males, ligado ao MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) se instalou no local, mas saiu um mês depois. Foi somente em 2005 que o primeiro assentamento se instalou, o Milton Santos.

Hoje, permanecem na luta o grupo MLT (Movimento de Luta pela Terra) e a Associação Autônoma da Comunidade Milton Santos. Compartilha ainda o local do Pós-Represa, a ocupação Monte Verde e o acampamento Roseli Nunes.

A ocupação Roseli Nunes reúne 80 famílias vivendo em barracos – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

O arquiteto e urbanista Victor Chinaglia ressalta a importância de diferenciar as vivências e lutas de cada área. Em uma escala, o acampamento é a primeira etapa da luta, enquanto o assentamento é o objetivo final.

Chinaglia explica que no acampamento as famílias vivem em comunidade. No Roseli Nunes, por exemplo, que reúne 80 famílias, é necessário passar por uma entrevista para poder integrar o movimento e a pessoa não poderá ter uma vida egoísta. Existem regras. “Como é barraco, as relações são muito próximas. A pessoa não pode usar drogas, brigar ou tratar mal a família”, diz.

Já na ocupação, o movimento é mais consolidado e o objetivo é regularizar a situação, em uma ação mais politizada, como no Monte Verde, onde cerca de 1700 famílias estão consolidadas.

Por fim, o assentamento são as famílias que já estão organizadas e regularizadas. No Milton Santos o movimento é mais administrativo, com o objetivo de organizar um centro comunitário ou a venda dos produtos orgânicos produzidos. No espaço regularizado pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), se encontram 74 famílias.

Chinaglia era Secretário de Meio Ambiente de Americana em 2005, quando o primeiro assentamento se instalou. Foi ele quem fez o primeiro projeto de agrovila industrial para o Milton Santos e contribui para o movimento até hoje, como diretor de duas cooperativas atuantes, a Braço Forte e a Camponesa, além de ser diretor do Instituto Pós-Represa, o Iacia (Instituto Assistencial Imperatriz Americanense).

Ele analisa o movimento desde o início e vê os ocupantes daquela região como “guardiões” da área. O MLT busca, junto com o auxílio das duas cooperativas, dar função social à terra e usufruir dela na plantação de produtos orgânicos livres de agrotóxicos. A feira realizada em Cosmópolis da venda dos produtos, no entanto, encontra-se fechada por conta da pandemia do novo coronavírus (Covid-19).

“O movimento foi uma crescente. Ele começou como uma necessidade das pessoas de vir a morar e produzir alimentos, e hoje é um movimento consciente da importância estratégica daquela região”.

Um dos líderes do movimento no Pós-Represa, Jânio Carneiro diz que não pretende parar a luta tão cedo. Com 60 anos, ele já ajudava o movimento aos 8 anos, quando carregava água para o pessoal. Aos 14, atuou na linha de frente da luta pela terra na Bahia. Em Americana, está há 17 anos.

“Quanto mais eles [Justiça] afligem, mais a gente tem que mostrar o poder humano e mandar a luta para frente. Temos fé que a gente vai conseguir essa área para o pessoal ter sua moradia”, conclui.

Entender a disputa pela propriedade das terras na região do Pós-Represa exige um contexto histórico e resgate documental. O início da disputa se deu quando o Grupo Terras Sem Males, ligado ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), em 29 de fevereiro de 2004 ocupou uma área rural de 70 hectares próxima à colônia Sobrado Velho.

Dezembro de 2009 – Confronto entre a PM e militantes deixou quatro feridos, uma criança hospitalizada com crise nervosa e uma pessoa presa – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

Na época, a assessoria de imprensa do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), em São Paulo, confirmou que a área ocupada pertencia ao órgão federal e estava ocupada pela Usina Esther Açucareira S/A, com sede em Cosmópolis. No cadastro da Prefeitura de Americana, porém, constava que o espaço pertencia à família Abdala.

Um mês depois, no dia 29 de março do mesmo ano, foi constatado pela União que a Usina Esther utilizava irregularmente as terras da prefeitura para plantio de cana de açúcar. A ocupação existe desde 1976, quando foi publicado no DOU (Diário Oficial da União) o confisco do sítio Jacutinga, com 36,3 hectares em favor do município. O decreto é o mesmo que expropriou outros 72,6 hectares do Sítio Boa Vista em benefício do INSS.

As duas áreas eram da antiga Fábrica de Tecidos Carioba, que com a terra pagou dívidas trabalhistas e impostos municipais. O plantio ilegal de cana pela usina só foi descoberto no mês anterior, quando o Grupo Terras Sem Males ocupou a área.

O Secretário de desenvolvimento Econômico da época, Antônio Mancini, justificou que antigamente o registro das terras era feito em Campinas, por isso o desconhecimento. Na época, a Usina alegou desconhecimento que as terras pertenciam a prefeitura e se prontificou a cumprir o que fosse determinado.

Em dezembro de 2005, o Incra conseguiu adquirir 76 hectares, que pertenciam ao INSS na região Pós-Represa, para abrigar o primeiro assentamento de Americana, que posteriormente seria nomeado como Milton Santos.

De acordo com a Prefeitura de Americana, hoje o Milton Santos é o único assentamento regularizado. O restante da área ocupada não teve ainda a propriedade reconhecida pelo Incra.

O diretor do Iacia, Victor Chinaglia, confirmou que a Usina Esther possui hoje um contrato de posse da área com a família Abdala, proprietária das terras do local, que representa cerca de 85% da área do Pós-Represa.

*Estagiária sob supervisão de Valéria Barreira

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