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Americana, 147 anos

Construída a muitas mãos e idiomas, Americana é um reflexo da força da imigração

Chegada de povos de vários continentes deixou marcas que sobrevivem até os dias atuais em Americana

Por Luciano Assis

27 de agosto de 2022, às 08h25 • Última atualização em 27 de agosto de 2022, às 08h26

Americana é uma cidade que pode se apresentar como plural e diversificada. E essas características se devem muito à sua história, marcada pela forte imigração que abrigou num mesmo local diversos idiomas, hábitos e culturas, que foram se aportando nessas terras até mesmo antes do território americanense virar oficialmente um município.

A Fazenda do Salto Grande foi morada dos primeiros estrangeiros vindos para Americana; foram os povos escravizados das regiões do Congo, Angola e Moçambique – Foto: Circolo Italiano de Americana – Divulgação

A chegada de povos de vários continentes deixou marcas que sobrevivem até os dias atuais, podendo ser conferidas nas diferentes etnias de sua população, na alimentação, nas festas e até no comércio. E de uns anos para cá, vários descendentes também têm se dedicado a manter viva a memória desses pioneiros que deixaram seus países para construir uma vida nova aqui, muitas vezes começando do zero e contribuindo para o que hoje é uma das cidades mais desenvolvidas do Estado de São Paulo.

DIÁSPORA. Os primeiros estrangeiros a chegarem onde futuramente nasceria Americana são os povos escravizados das regiões do Congo, Angola e Moçambique. Aliás, população até pouco tempo ignorada pela história oficial de Americana, que sempre mais valorizou a imigração advinda da Europa.

“Ao falar das diferentes imigrações que contribuíram para a formação da cidade de Americana, há que se considerar a especificidade da chegada dos africanos nas terras de Salto Grande. É preciso alargar o contexto dessa chegada, pois trata-se de uma diáspora afro-atlântica forçada de povos que foram arrancados de seu continente”, esclarece Cláudia Monteiro da Rocha Ramos, historiadora da Unegro (União de Negras e Negros pela Igualdade), que pesquisa a cultura afro-brasileira na região.

Esse grande número de africanos trazidos para trabalhos forçados às futuras terras americanenses foi descartado após o fim da escravidão, e acabou se instalando em regiões distantes, onde hoje são os bairros Vila Mathiensen e Jardim dos Lírios, segundo pesquisas da própria Unegro.

Mesmo assim, o legado de contribuição da população negra está presente no cotidiano da cidade, apesar do atraso e algumas políticas públicas.

“A cidade precisa sair desse atraso e dessa ignorância histórica e incluir na sua história essa importante contribuição para a formação da riqueza sociocultural e sobretudo econômica que o braço escravizado deixou como legado. Entretanto, o poder público precisa empreender políticas públicas nos diversos segmentos da sociedade para contribuir com a equidade racial e social da população negra”, reforça Claudia Monteiro.

CONFEDERADOS. Em 1865, enquanto movimentos abolicionistas ajudavam a enfraquecer a chaga da escravidão no país, ainda em meados do século 19, uma nova leva de estrangeiros aportava por essas terras, vindos após uma guerra civil que opôs grandes donos de terras do sul dos Estados Unidos a grupos que pregavam o fim do trabalho escravo no mais populoso país da América do Norte.

O cultivo da melancia e do algodão, trazido pelos americanos, impulsionou o desenvolvimento – Foto: Arquivo_Liberal

“Foi uma vinda amplamente incentivada pelo governo imperial brasileiro. Dom Pedro 2º tinha um plano de expansão econômica para o Brasil e queria trazer para o país mão de obra especializada em diversas áreas. Diversos núcleos chegaram a ser formados e ocupados durante alguns anos, mas o que teve sucesso foi o núcleo do Coronel William Hutchinson Norris. Muitos imigrantes que estavam instalados em outras partes do Brasil venderam o que tinham e vieram para essa região”, conta João Leopoldo Padoveze, presidente da Fraternidade Americana, entidade que divulga o legado da imigração norte-americana no Brasil. Não é segredo para ninguém que essas famílias, hoje envoltas em polêmicas em razão de sua origem confederada, são responsáveis pela influência do nome Americana, apesar do Cemitério do Campo, fundado por eles, ficar hoje em terras de Santa Bárbara d´Oeste.

É na agricultura onde mais se sente o legado desses imigrantes, e não só em Americana e região. Muito graças ao Coronel William Hutchinson Norris, uma espécie de líder dos confederados na região.

“Logo ao chegar, o Coronel Norris passou a ministrar cursos práticos de agricultura aos fazendeiros da região, interessados no cultivo do algodão e nas novas técnicas agrícolas. O núcleo, pelo seu progresso, passou a atrair famílias que tinham se instalado em outras regiões. Inúmeras propriedades agrícolas foram fundadas pelos norte-americanos que cultivavam o algodão e a melancia e estabeleceram um intenso comércio, notadamente a partir de 1875 com a instalação da Estação de Santa Bárbara pela Companhia Paulista de Estrada de Ferro. No início do século 20, muitos imigrantes europeus buscaram Americana e região justamente por causa das grandes oportunidades de trabalho que esse crescimento econômico proporcionava”, detalha Padoveze.

Outra forte influência dessas famílias está na religião protestante com as Igrejas Batista, Metodista e Presbiteriana, e no desenvolvimento da região em áreas como a saúde, a engenharia. “A economia da cidade de Americana se baseou por décadas na indústria têxtil, um reflexo direto do cultivo e técnicas de beneficiamento de algodão trazido pelos imigrantes norte-americanos”, informa o historiador.

BUONA GENTE. Quando a escravidão teve fim no Brasil, em 1888, teve início a maior e mais diversificada leva de imigração no país. E uma das nacionalidades que mais enviou famílias para o solo brasileiro foi a Itália.

Foto antiga retrata netos de italianos em escola de Americana, na época em a cidade ainda era uma vila – Foto: Circolo Italiano de americana_Divulgação

Historiadores calculam que entre 1880, quando a escravidão já apresentava enfraquecimento, até 1924, cerca de 3,6 milhões de italianos entraram no Brasil, num total de 38% de todos os imigrantes que aportaram no país naqueles mais de 40 anos.

Em Americana, esse grande deslocamento de pessoas da “Velha Bota” também foi sentido. Informações do Circolo Italiano de Americana dão conta que as primeiras famílias chegaram no dia 8 de outubro de 1887, chefiadas por Joaquim Boer. Esses pioneiros passaram a residir na Fazenda do Salto Grande, que então era propriedade de Francisco de Campos Andrade.

“Joaquim Boer era católico fervoroso. E era tesoureiro da Igreja Matriz. O padroeiro da cidade é Santo Antonio, santo italiano de Padova. Logo, Joaquim Boer foi um dos entusiastas do projeto de construção de uma nova igreja, muito maior, que pudesse acomodar todos os católicos da nova cidade que começava a crescer”, informa Roberto Joaquim, presidente do Circolo. O grupo mantém viva a memória dos italianos na cidade, tendo planos até de fundar, no futuro, um museu do imigrante italiano. “O objetivo é preservar objetivos, histórias, contos, arte, fotos, costumes e muito mais, pois nossos nônos estão nos deixando e junto com eles, as memórias italianas da cidade. Gradativamente elas serão perdidas se nada for feito”, constata Joaquim.

Registros dos italianos em Americana podem dar vida no futuro a um museu em memória dos imigrantes – Foto: Circolo Italiano de americana_Divulgação

TERRA DO SOL NASCENTE. Quando o idioma italiano já começava a ser assimilado em Americana, começou a chegar à cidade uma nova nacionalidade, cuja cultura e hábitos passavam longe dos que moravam aqui, sejam eles brasileiros, italianos, africanos ou de outra nacionalidade. Eram os japoneses, que hoje têm no Brasil a maior população de nipônicos fora do Japão.

A imigração japonesa no Brasil teve início oficialmente em 18 de junho de 1908, quando o navio Kasato Maru aportou em Santos, trazendo 781 lavradores para as fazendas do interior paulista. Mas a cidade não recebeu essa primeira leva de imigrantes, segundo levantamento da Associação Nipo-Brasileira de Americana, que cuida da manutenção da história dessas famílias desde 2019. No município, a vinda dos japoneses e seus descendentes se solidifica nos finais dos anos 1960 e começo dos 70, quando se verifica uma nova fase de expansão decorrente do farto crescimento industrial da “Princesa Tecelã”, que começou nesta época a receber intenso fluxo migratório para atender a demanda de grandes empresas que vieram a se instalar no município.

“Com a vinda da Toyobo vieram os japoneses e seus descendentes para trabalhar na indústria e posteriormente acompanhando este crescimento veio o setor terciário, onde a colônia participou ativamente do comércio varejista com quitandas, mercados, lojas, restaurantes”, conta Rose Emi Matsui, diretora da Associação Nipo-Brasileira de Americana e cujo pai, Fumio Matsui, foi um dos primeiros a chegar por aqui.

Já Creusa Saito Assato, diretora social da mesma associação, conta que seu pai Yoshiro Saito era sitiante e veio com sua família morar em Americana em 1965, para proporcionar uma vida melhor para seus filhos. Ele trabalhou no Mercado Municipal como proprietário de três bancas de secos e molhados por 25 anos.

“Meus pais contavam da dificuldade de alimentarem e manterem seus 15 filhos, apesar de os maiores conseguirem se empregar na empresa Toyobo como operários por não terem qualificação. Recebiam salários de pouco valor. Mas, eles falavam que na cidade era bom, porque tinham água encanada e luz elétrica e isso facilitava o cotidiano da família”, relata Assato.

Do que ela não tem saudade é do preconceito contra os orientais, que ainda era forte quando era criança. “Os adultos e crianças brasileiras de Americana ficavam fazendo bullyng quando nos encontravam na rua ou nas escolas, dizendo que nossos olhos eram rasgados”, lembra.

O pai de Creusa chegou a tentar montar uma associação nipônica na cidade, já que ele era uma espécie de líder da comunidade japonesa de Americana, até por ser mestre da Seicho-no-ie. “No entanto, ele faleceu cedo, com 65 anos, com câncer no fígado devido ao uso prolongado de agrotóxicos no seu sítio”.

Hoje, os diversos membros da Associação Nipo-Brasileira de Americana promovem festas, passeios e encontros, lutando para manter e recuperar essa história que ainda não foi contada em sua totalidade.

“Outras cidades da região já têm associações mais antigas. Começamos através de um grupo de WhatsApp que foi crescendo e percebemos o grande número de descendentes que temos aqui. Aí entendemos que temos uma força que passava despercebida e que precisava ser organizada em prol de nossa cultura”, conta Rogério Nascimento Takiuchi, um dos membros fundadores da associação.

Em 18 de junho de 1908, o navio Kasato Maru aportou em Santos, trazendo 781 lavradores para as fazendas do interior paulista; em Americana, a vinda dos imigrantes japoneses e seus descendentes se solidifica nos finais dos anos 1960 e começo da década de 1970 – Foto: Arquivo Pessoal

OUTRAS BANDEIRAS. A virada do século 19 para o 20 foi muito intensa na então chamada Vila Americana. Afinal, imigrantes dos mais diversos iam se aportando por aqui vindos dos mais variados países. O poderoso Comendador Franz Muller, por exemplo, apaixonado pela beleza da região de Carioba, traz todos os seus filhos para morar no tradicional bairro de Americana. Nas décadas seguintes, outros alemães também viriam, assim como espanhóis, portugueses e até alguns poucos árabes. Turcos, espanhóis e portugueses também ajudaram no desenvolvimento da cidade, apesar de hoje poucos historiadores se debruçarem sobre esses legados. Mas todos, de alguma maneira, temperaram o que hoje é uma cidade de aproximadamente 200 mil habitantes. 

E a história continua em pleno século 21

Engana-se quem pensa que as imigrações são coisas do início do século passado. Americana nunca deixou de receber imigrantes de outras partes do mundo, incluindo agora, no século 21.

O chef italiano Babbo Marco está aqui para não nos deixar mentir. Vivendo há sete anos na cidade, ele veio a convite de um amigo, mas acabou se estabelecendo.

“Fui muito bem recebido aqui, o povo americanense me trata maravilhosamente bem. Mas é claro que sinto saudade da minha Itália”, confessa ele.

Apesar de bem adaptado às pessoas e cultura do Brasil, ele não se acostuma com uma coisa: o clima da região. “O calor aqui é terrível”, reclama.

E, assim como no passado, algumas histórias de imigração são bem tristes. Em 2015, a ACIA (Associação Comercial e Industrial de Americana) iniciou, junto ao FDCA (Fórum de Desenvolvimento e Cidadania de Americana), um mapeamento de haitianos residentes na cidade.

Na época, cerca de 100 pessoas estavam tentando se estabelecer no município em razão dos diversos problemas humanitários que aconteciam no Haiti, provocando grande deslocamento de pessoas daquele país para o Brasil e a Argentina.

É a história de Americana e do Brasil, que nunca param de ser escritas.

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