Americana, 147 anos
A vida de quem reside no Sobrado Velho, colônia que resiste ao tempo
Colônia preserva marcas e faz parte de proposta para ser uma área de interesse histórico
Por Marina Zanaki
27 de agosto de 2022, às 08h31 • Última atualização em 27 de agosto de 2022, às 08h49
Link da matéria: https://liberal.com.br/especiais/a-vida-de-quem-reside-no-sobrado-velho-colonia-que-resiste-ao-tempo-1821760/
Às margens da Estrada Ivo Macris resiste a última colônia de Americana. Os tijolos à vista, portas e janelas de madeira pintadas de azul, além de árvores com grandes raízes compõem a paisagem da região onde a cidade nasceu. O Sobrado Velho guarda a história de Americana, mas também serve de abrigo para famílias.
A recifense Marili Amaral da Silva, 60 anos, passou quase metade da vida no Sobrado Velho. Foi ali que ela criou os nove filhos, casou muitos deles e construiu a vida. Ela se mudou para a colônia em 1995 enão saiu mais de lá. Tanto o falecido marido quanto os filhos trabalharam na Usina Ester, que fica nas imediações. A moradora conta que sente gratidão por morar na colônia, que é uma propriedade privada.
“Não troco por lugar nenhum, mas sei que não é meu. Não tenho para onde ir, não posso comprar uma casa lá fora. E gosto de morar aqui, é um pedacinho de mim”, disse Marili.
Quem também criou a família no Sobrado Velho foi Durvalina de Oliveira, de 62 anos. Depois de educar os filhos, ela hoje cuida de netos e filhos de conhecidos na casa da colônia. Durvalina saiu de São José do Divino (MG) com a família e passou por vários municípios, até encontrar abrigo e ocupação em Americana. Ela trabalhou em usina por seis anos, período em que arrancava e carregava nas costas a cana. “Nunca pensei em sair daqui, se puder, fico até o dia que Deus me levar”, declarou a moradora.
Durvalina recorda a época que precisava se deslocar a pé até o bairro mais próximo, o Antonio Zanaga. A caminhada de uma hora foi substituída pelos ônibus, que passam de hora em hora na frente da colônia, indo e voltando da cidade. O deslocamento para o bairro hoje leva cerca de 20 minutos, segundo os moradores, que destacam que desde então a vida ficou mais fácil.
No passado, o local chegou a contar com uma unidade escolar e visitas médicas em domicílio, mas hoje os moradores buscam o Zanaga para esses serviços, assim como para comércio, igrejas e correio. O recapeamento da Estrada Ivo Macris, recuperada pelo governo estadual a partir de dezembro de 2021, foi apontada pelos moradores como uma importante melhoria para o deslocamento da população do Sobrado Velho.
PRESERVAÇÃO. No começo dos anos 2000, a colônia correu o risco de ser derrubada pelos proprietários. Na mesma época, o Condepham (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico e Cultural de Americana) pediu o tombamento da fachada, alegando o valor histórico da colônia. A partir do início desse processo, qualquer intervenção ficou suspensa. O tombamento aconteceu em 2018, assinado pelo ex-prefeito Omar Najar.
A Colônia Sobrado Velho faz parte da zona rural de Americana, que inclui ainda o Assentamento Milton Santos e os loteamentos Monte Verde, São Joaquim e Recanto das Águas. Segundo o Informativo Socioeconômico, produzido pela prefeitura com dados de 2021, 1.138 pessoas compõem a zona rural da cidade.
O Sobrado Velho está inserido na região do Pós-Represa, cuja regularização fundiária está em discussão há mais de uma década. Chamado de Apama (Área de Proteção Ambiental de Americana), o projeto inclui a colônia em uma área de interesse histórico, chamada UPH (Unidades de Preservação Histórica), da qual também fazem parte locais como o Casarão de Salto Grande.
Se aprovado esse zoneamento, o Condepham precisará ser consultado sobre a implantação de qualquer atividade econômica ou cultural. Na prática, a preservação deixará de ser apenas sobre a fachada do Sobrado Velho e passará a valer para todo o entorno onde ele está inserido.
A Apama foi aprovada em primeira discussão na Câmara em 2020, mas a pedido da Promotoria de Justiça, deve passar por nova audiência pública – as discussões à época foram feitas em formato virtual, por conta da pandemia da Covid-19.
HISTÓRIA. A Colônia Sobrado Velho foi construída em 1940 por José João Abdalla, com o objetivo de abrigar famílias que trabalhavam em usinas. Ela foi batizada em homenagem ao esforço dos imigrantes italianos da antiga Fazenda Salto Grande, que atuaram na fundação do município. A partir de 1887, esses imigrantes construíram cinco colônias – Sobrado Velho, Tapera, Quebra Popa, Boa Vista e Botafogo. As informações constam no processo e no decreto de tombamento da colônia.