Temporal
‘Foi vida contra morte’, afirma vigia que teve carro arrastado em enxurrada
Hermes do Brasil Santana quebrou vidro para sair de carro, encarou correnteza do Rio Piracicaba e se agarrou a galho até ser resgatado pelos Bombeiros
Por George Aravanis
15 de janeiro de 2020, às 08h15 • Última atualização em 15 de janeiro de 2020, às 08h53
Link da matéria: https://liberal.com.br/cidades/americana/foi-vida-contra-morte-afirma-vigia-que-teve-carro-arrastado-em-enxurrada-1134594/
Arrastado com seu carro para dentro do Rio Piracicaba durante a enchente que castigou Americana no último domingo, o vigilante Hermes do Brasil Santana, de 51 anos, travou uma batalha contra a morte. Está vivo, acredita, por milagre e muita luta.
Ele dirigia para o trabalho pela Avenida Nicolau João Abdalla, perto do CDP (Centro de Detenção Provisória), quando foi pego de surpresa e “engolido” pela enxurrada. O C3 que pilotava rodou e, quando percebeu, carro e motorista já estavam dentro do rio.
Com a frente do veículo mergulhada no leito, a água até os joelhos e sem conseguir abrir as portas, Santana fez um apelo: “Eu falei ‘Senhor, eu não quero morrer. Eu sei que eu vou morrer mas eu não quero morrer”, contou o vigilante ao LIBERAL.
Mesmo diante do fim que parecia certo, decidiu não desistir. “[Pensei] Não sei se eu vou, mas eu vou lutar até o fim.”
Santana tentou quebrar o vidro da frente e não conseguiu. Arremeteu então contra o vidro traseiro com socos e chutes. “[Pensei] Vou tentar até a última hora, que eu sei que se esse vidro não abrir eu vou morrer.”
Quando rompeu o vidro, a certeza da morte deu lugar a uma ligeira esperança. “Falei ‘eu tenho 1% de chance de vida’, lutando contra a morte, lutando para viver”, lembra Santana, que atropela e engole as palavras ao rememorar o episódio que não sai da sua mente.
Ciente de que precisava de calma para se salvar, pediu sabedoria a Deus. Sentou na traseira do carro e passou a observar galhos de árvores arrastados pela correnteza, orando para que um deles se aproximasse. Enquanto isso, o veículo rodava e afundava.
Santana viu um galho grande se destacar entre os demais, perto do carro. “Falei: esse galho vai ser a minha salvação. Aí quando o carro desceu de uma vez eu pulei e nadei, nadei, fui contra a correnteza até esse galho.”
Ouça o “Além da Capa”, um podcast do LIBERAL
A distância entre o C3 e o pedaço de árvore não era maior que seis ou sete metros, mas com a correnteza contra e a chuva forte, o vigilante estava exausto. Reuniu forças que não tinha. “Eu estava cansando já, mas falei ‘não vou desistir, vou até o último’”.
O vigilante alcançou o galho e o abraçou. Então, surgiu uma nova preocupação. Ele percebeu que seu “colete salva-vidas” era arrastado pela enxurrada em direção à comporta da Represa do Salto Grande. Se chegasse até lá, seria jogado rio abaixo e acabaria a esperança.
“Falei ‘Não posso chegar nessa comporta. Se eu chegar não vai ter mais jeito”, completa.
Santana então ouviu um grito. Gritou de volta. Eram os bombeiros, que o procuravam com um bote. Resgatado com ajuda de uma corda após a batalha de quase meia hora, diz ter tido uma “sensação maravilhosa” pela “vida nova” que ganhou.
Encarou a morte que considerava certa e saiu apenas com escoriações leves nos braços e pernas por causa dos golpes contra o vidro. “Foi a vida contra a morte. Eu querendo viver e sabendo que ia [morrer].”
Agora, pretende cumprir a promessa que fez a Deus ainda quando tentava sair de dentro do carro. “Se Ele me tirasse dessa situação, eu ia fazer algo para Ele, ia ser uma pessoa melhor”.