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Renascer das cinzas

“A Força do Querer” traz valorização da teledramaturgia

Com texto inspirado e direção sofisticada, trama de Glória Perez foi exibida originalmente em 2017

Por TV Press

27 de setembro de 2020, às 19h54

Assim como outros autores que integram o seleto grupo que escreve para o horário das nove, Glória Perez passou muitos anos artisticamente estagnada em sua própria fórmula.

A partir de sucessos como “O Clone”, “América” e “Caminho das Índias”, a autora foi resumindo suas obras a viagens internacionais, mistura de diferentes culturas e muita licença poética para fazer tudo ganhar coerência.

A receita começou a dar sinais de desgaste na viagem de Glória para a Turquia com “Salve Jorge”, de 2012. Se fosse exibida alguns anos antes, a novela poderia até ter funcionado.

A Força do Querer – Foto: Divulgação

Mas, ao substituir o sucesso “Avenida Brasil” com uma história simplista, mal dirigida e sem protagonistas carismáticos, Glória amargurou as piores críticas e audiência de sua carreira.

Com prestígio e popularidade abalada, a saída para a autora foi se reinventar. E o símbolo dessa reinvenção é “A Força do Querer”, novela exibida originalmente entre abril e outubro de 2017 e que retornou à faixa das nove por conta da pandemia de coronavírus, que paralisou temporariamente os trabalhos nos Estúdios Globo.

Ciente da força de seu nome e da carreira que construiu, Glória inseriu em “A Força do Querer” todos os superlativos de uma trama com sua assinatura. Só o elenco principal da trama, por exemplo, daria para a Globo reforçar a escalação de quatro produções.

O diferencial deste trabalho, e que aumentou a expectativa tanto da emissora quanto dos atores convidados, foi a presença de Rogério Gomes na direção.

Impressionada com o trabalho de Gomes em “Império”, de 2014 – que também valorizou o texto de Aguinaldo Silva –, Glória desistiu de chamar Amora Mautner para dirigir “A Força do Querer” e apostou suas fichas no diretor.

Operador de VT e editor de vídeo no início dos anos 1990, aos poucos, ele foi ganhando estofo para se lançar por voos mais altos. Depois de integrar equipes de direção dos núcleos de Jorge Fernando, Ricardo Waddington e Roberto Talma, estreou como diretor artístico em “Paraíso”, de 2009.

Sempre a serviço do texto, o diferencial de Gomes está nas cenas captadas por diferentes ângulos e que tiram a imagem do lugar-comum. Além disso, é notório o cuidado com os atores e com a unidade estética da produção.

A verve passional de Glória só ganha com todos esses detalhes, que não a deixam soar “over” ou a autora cafona de outrora, principalmente nas tramas erguidas sob a direção de Marcos Schechtman.

Disposta a não tornar a vida do telespectador tão fácil, Glória criou um verdadeiro mosaico de potenciais e fraquezas femininas, onde consegue cadenciar bem o protagonismo de suas cinco atrizes principais. Depois de muita “enrolação” nos trabalhos anteriores, em “A Força do Querer”, tudo parece ter sentido e função.

Do coração dividido de Ritinha, de Isis Valverde, passando pelo vício em jogo de Silvana, de Lilia Cabral, ao envolvimento com o mundo do crime de Bibi, de Juliana Paes ou o senso de justiça de Jeiza, interpretada por Paolla Oliveira, e o choque de realidade da dondoca Joyce, de Maria Fernanda Cândido.

Conhecida por tocar em temas ainda não abordados pela teledramaturgia, como a maternidade por substituição em “Barriga de Aluguel”, os primórdios da internet em “Explode Coração” e a clonagem em “O Clone”, Glória faz um mergulho profundo na questão da transexualidade ao mostrar em horário nobre a transição de Ivana/Ivan, papel defendido de forma competente pela então desconhecida Carol Duarte.

Naturalista e com os dissabores gerados pelo preconceito, Glória poderia muito bem cair no dramalhão exagerado, mas preferiu ir além e educar sem didatismo.

Antes de qualquer movimento mais polêmico, humanizou e aproximou a personagem, que acabou ganhando o apoio do espectador médio. Forte, bem acabada e com texto em sintonia com o que acontece nas ruas, “A Força do Querer” mostrou e ainda mostra não apenas a relevância de Glória, mas o poder das telenovelas.

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