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Alessandra Olivato

Um inimigo invisível

Não todos, mas muitos crimes cometidos no mundo estão ligados a transtornos psiquiátricos

Por Alessandra Olivato

14 de setembro de 2022, às 07h24

Três crimes constaram no noticiário policial nos últimos dias: uma jovem de 31 anos no Paraná que matou os dois filhos, além de manter os corpos por quase duas semanas em casa; no Japão, um jovem brasileiro que matou mulher e filha; em Peruíbe, um ex-conselheiro tutelar acusado de violência sexual contra a enteada.

A primeira pergunta que me vem quando vejo esse tipo de notícia é: ninguém percebeu ao longo da vida dessa moça que ela era uma pessoa fria e com traços psicopatas? Familiares, colegas de trabalho? Ninguém reparou algo de estranho no relacionamento do rapaz, a maneira como tratava sua mulher talvez? Ninguém achou suspeito o comportamento do ex-conselheiro tutelar, em algum momento? Uma sociedade que valoriza muito a aparência pode correr grandes riscos. A foto da mãe que matou os dois filhos é a de uma menina bonita, maquiada e sorrindo numa pose repetida por oito em cada dez jovens na rede social. Desde que me lembro por gente, cansei de ver universitários de ótima aparência como protagonistas em páginas policiais. Se fizermos uma pesquisa documental nesses noticiários ficaremos estarrecidos com alguns padrões.

Não todos, mas muitos crimes cometidos no mundo estão ligados a transtornos psiquiátricos – padrões de pensamento e comportamento responsáveis por inúmeros problemas para a própria pessoa e para outros. Ainda que a maioria não acabem em crimes, são causa de sofrimentos que se arrastam por anos ou até por toda uma vida, e parecem cada vez mais comuns. Para se ter uma ideia, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 10% da população brasileira sofra com transtornos de ansiedade, que são um dos tipos dos transtornos existentes.

Nesse exato momento, por exemplo, milhares de jovens deprimidos estão trancados em seus quartos sem que pais e família deem-se conta do que está acontecendo; centenas de meninos e meninas seguem fazendo pequenas maldades sem ninguém perceber, famílias enfrentam grandes dificuldades lidando com um parente com Síndrome de Bordeline, psicopatas camuflados por uma personalidade cativante e uma frieza disfarçada de discrição estão manipulando pessoas para conseguir o que desejam, portadores de transtorno obsessivo-compulsivo estão presos a hábitos que geram grande sofrimento.

Transtornos não são fáceis de identificar e de tratar, até porque o primeiro passo é a aceitação de que há algum problema, que é o mais difícil. Como convencer um narcisista a procurar ajuda se não reage bem a críticas e só busca admiração e aprovação? Como convencer um psicopata que não tem a capacidade de sentir ou se importar com o sofrimento alheio para que ele faça algum tratamento? Como dizer a alguém com transtorno de personalidade histriônico que seu comportamento pode ter consequências ruins se praticamente é legitimado pela nossa sociedade? Como convencer um esquizofrênico paranoico a confiar em um profissional que nem conhece? Tarefas hercúleas.

No entanto, ainda que tentemos tornar a vida o mais agradável possível, isso não muda o fato de que problemas existem. Acredito até que tais transtornos têm mais impacto social do que as doenças físicas uma vez serem “invisíveis” e mais difíceis de aceitar. Das perspectivas governamental e médica também me parece que a saúde mental da população ainda não tem a atenção que merece, não obstante alguns avanços nas últimas décadas.

Importante ressaltar que a maioria de nós não é psicólogo ou psiquiatra para identifica-los a partir de impressões ou informações superficiais. Nesse sentido, a psiquiatria diz algo muito esclarecedor: todos temos manias, medos, fobias, superstições, ansiedade e até criamos pequenas mentirinhas para facilitar a vida em sociedade. Já o transtorno se caracteriza quando a frequência e a intensidade desses traços são acima da média e tornam-se causa de sofrimentos persistentes para a pessoa e para os outros. Encarar que existe algo anormal é fundamental pois mesmo quando não puder ser totalmente curado, um tratamento adequado pode amenizar suas consequências.

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.