30 de abril de 2024 Atualizado 16:15

8 de Agosto de 2019 Atualizado 13:56
MENU

Publicidade

Compartilhe

Papo Fermentado

O pai da sommelière de cervejas

Ex-bancária, Fernanda faz uma homenagem a seu pai, João, que teve que lidar com a virada de carreira da filha agora sommelière de cervejas

Por Papo Fermentado

05 de agosto de 2021, às 09h51

Esse será um daqueles textos que a gente pouco se programa para escrever, que a ideia vem à tona e logo em seguida já temos em mente como será o desenrolar da nossa escrita. Eu ia escrever sobre “Pais de sommeliers de cervejas”, mas aí optei por me apropriar e escrever sobre o meu pai, o João, que também é o pai da Flávia, vovô do meu sobrinho Felipe e há pouco mais de um ano tornou-se pai de uma sommelière de cervejas.

João teve que lidar com a virada de carreira da filha, que deixou seu trabalho no banco para ser feliz como sommelière de cervejas – Foto: Arquivo pessoal

Ele era pai da “Fernanda que trabalha no banco” e virou pai da “Fe do Papo”. Aproveito para pedir desculpas por toda a preocupação que causei quando disse que iria deixar uma estrada de 09 anos para ir ser feliz e tentar uma nova profissão. Mas, feito esse parênteses, vamos para o início dessa história que começa lá em 1992, no dia 13 de novembro, data que eu nasci.

Claro que não sei como você me olhou pela primeira vez, mas a mãe conta que você tentava tranquilizá-la ao dizer que eu chorava muito mas estava saudável, que vocês tinham péssimas noites de sono mas logo cedinho estava pronto para ir trabalhar. Quando eu era criança, lembro que a gente pouco se via durante a semana, você ia trabalhar antes das 06:00 e voltava lá pelas 19:00. Lembro de você, sentado na nossa mesa amarela da cozinha, separando o passe do ônibus para toda a semana. Eu nem posso imaginar o quanto teve que trabalhar para pagar colégio e tantas outras atividades que você e a mãe quiseram possibilitar para mim e a Flá.

Quando eu era adolescente, me lembro de não compreender como você poderia gostar de cerveja, um negócio amargo e ruim, não fazia sentido para mim. Mas aí alguns anos se passaram, a faculdade veio e eu comecei a beber cerveja também e foi aí que compartilhamos nossas primeiras cervejas juntos, lá em casa mesmo ou em algum restaurante, alguma festa. Que época boa! A sensação de poder beber com um pai, em segurança, é inesquecível. Aproveito, mais uma vez, para pedir desculpas também pelas vezes que eu bebi demais e você e a mãe tiveram que passar por certas situações.

No segundo ano de faculdade eu comecei a trabalhar no banco. Que baita orgulho você deve ter sentido, me lembro de você contar para as pessoas do meu novo trabalho. Você me ajudou a comprar roupa, a pagar a facul, a comprar meu carro… Nossa, foram tantas ajudas que nem vivendo outra vida inteira seria possível retribuir. Você me ajudou até eu ter maturidade financeira para caminhar sozinha. Obrigada por isso.

Fernanda e João – Foto: Arquivo pessoal

Aos meus 27 anos, você teve que lidar com a minha virada de carreira. Não houve conversa dentro de casa que me fez mudar de ideia. Eu imagino a angústia que você sentiu, o medo do fracasso, o que as pessoas iam dizer, se daria certo, se eu seria feliz, se eu teria dinheiro, se eu não me arrependeria, se, se, se… A única coisa que pude te prometer na época é que se não desse certo esse trabalho com cerveja, eu procuraria qualquer outro emprego e começaria novamente.

Hoje, escrevendo essas linhas, passa um filme pela cabeça. Me vejo criança e você com seus 40 e poucos anos, me vejo adolescente dividindo algumas cervejas e me vejo adulta, você com 66, aposentado e eu trabalhando com uma bebida que você sempre gostou e eu não entendia o porquê. Eu sei que você não entende muito bem esse lance de criar conteúdo cervejeiro para a internet, de organizar palestras, de ensinar as pessoas beberem melhor e de forma mais saudável, de comprar várias cervejas para estudar, de fazer curso, de trabalhar tirando chope, de trocar salto alto por tênis… Enfim, eu sei que é estranho mas olha só, estou tão feliz e já te disse isso pessoalmente. Foi você (e a mãe) que me ensinou a sempre procurar o melhor, a não desistir, a perseverar, ser honesta, dedicada, correta. A sonhar e realizar, sonhar com os pés no chão. Eu estou aqui fazendo o meu trabalho sincero, sem passar por cima de ninguém, como você sempre ensinou.

É uma pena que você não bebe mais, senão eu já teria te apresentado várias cervejas que você amaria.

Feliz dia dos pais, pai. Te amo!

Papo Fermentado

Blog do casal Fernanda Brito e Bruno Martinelli, sommeliers de cerveja pelo Instituto da Cerveja Brasil. Amamos contar nossas experiências gastronômicas, a história que envolve a linha do tempo da cerveja e dicas para quem quer se aventurar nesse universo. Fale com a gente pelo ola@papofermentado.com.br ou WhatsApp (16) 99339-1221. Nas redes sociais, somos o @papofermentado.