Alessandra Olivato
Dividir para conquistar
Parece que vivemos há tempos num looping sobre a política nacional, nos repetindo nos argumentos, comentários, notícias
Por Alessandra Olivato
02 de novembro de 2022, às 08h26 • Última atualização em 02 de novembro de 2022, às 10h37
Link da matéria: https://liberal.com.br/colunas-e-blogs/dividir-para-conquistar/
Parece que vivemos num looping sobre a política nacional, nos repetindo nos argumentos, comentários, notícias. Queremos fugir mas é difícil não comentar. Será possível ter outras perspectivas para explicar tanta coisa envolvida no cenário nacional? Dando-me novamente o direito de divagar, há tempos encontro-me às voltas com observações e questionamentos que nada têm a ver com a grande maioria das análises.
Com a sociologia, aprendi a importância do processo de aprendizado nos meios em que nascemos e vivemos ao longo da vida – o chamado processo de socialização – como fundamental para entender o que, como e por que pensamos como pensamos, e nos comportamos. Talvez a partir de minhas idiossincrasias, a vida me fez desenvolver também algumas impressões diferentes, chegando a supor que a divisão que vivemos hoje, no país, parece resultar de padrões de sentimentos quase “natos”. Duas características dessa divisão profunda me fizeram pensar isso: porque quase sempre há uma linha de pensamento que é comum a esses dois grupos em relação a quase tudo, e devido à convicção que ambos têm de estarem certos e estarem do lado do bem – e, consequentemente, de os outros estarem errados e serem “do mal”.
Sem jamais me desfazer do pensamento sociológico para observar as coisas mas a partir de uma hipótese bem particular, tenho observado sentimentos recorrentes à esquerda e à direita dessa divisão social. Há muito tempo percebo que boa parte do grupo que se identifica como direita tem um sentimento que perpassa sua visão do mundo e de como as coisas deveriam funcionar. Esse sentimento seria o medo. Ele está presente no receio da perda das coisas privadas (como o medo de que o governo lhes tomem a casa ou algo assim), medo da criminalidade e de grupos que consideram perigosos, medo de que a expansão da homossexualidade influencie o comportamento de seus filhos e netos, medo sobretudo de perder a liberdade – expresso no grande receio em relação a um governo comunista.
Haveria também um sentimento comum entre os que se identificam de esquerda? Parece que sim, e nesse caso o sentimento recorrente que observo é a raiva. Tem-se raiva do governo, do mercado e dos empresários, da religião ou de quem a toma como diretriz de vida, de quem defende da família nuclear, dos que defendem a meritocracia, assim como sempre houve raiva do FMI e por aí vai. Infelizmente essa raiva parece ter levado a uma contradição indisfarçável, gerando a alguns uma intolerância enorme, até mesmo autoritária, em relação aos que pensam diferente. Justamente entre os que sempre defenderam a tolerância à diferença e à diversidade.
Bem, usando de uma alegoria, dois pontos diferentes afastando-se em um mundo redondo acabam se encontrando em um algum momento. E esse momento é o de uma hostilidade recíproca muito parecida. Afinal, pelo medo corre-se o risco de segregar e estigmatizar, pela raiva pode-se proibir e oprimir.
Por mais ingênuo que pareça, acredito veementemente que, às vezes, perceber subjetividades e entender o ser humano traz mais luz do que ler e ouvir centenas de opiniões de pessoas que estão mais preocupadas em fazer parte de panelas ideológicas, terem razão e angariarem “seguidores” do que verem e ouvirem com seus próprios olhos e ouvidos. Digo isso pela ideia já repetida em outros momentos: há-se que se considerar, sempre, entre os que almejam o poder máximo de qualquer instância a vaidade, a despeito de outras intenções, boas ou não.
O suposto representante de um desses grupos foi eleito o próximo presidente do país. Desejo que possa ter discernimento e até mesmo sorte para tomar as melhores decisões possíveis. Mas, para isso, será fundamental desenvolver uma qualidade, o que não é fácil pois ela é o contrário da raiva: a humildade. A humildade faz com que olhemos pra nós mesmos para buscar as causas para determinadas situações e pararmos de responsabilizar sempre a outrem, a humildade faz-nos lembrar que também já cometemos muitos erros e, especialmente, é essencial para não se sentir superior a ninguém. Não será tarefa fácil a uma das figuras que mais instigou a divisão entre seu povo nos últimos anos. Mas se eu pudesse dar um conselho, daria esse: muita humildade, por favor. Só dessa forma poderá se tomar decisões mais assertivas.
Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.