SAÚDE
Prefeitura corta custeio de terapia ABA para autistas em Americana após decisões judiciais
Mães de crianças que faziam terapia pela Apae cobram providências no MP e criticam tratamento pelo SUS; prefeitura diz que núcleo irá atender pacientes
Por Gabriel Pitor
19 de julho de 2024, às 07h33 • Última atualização em 19 de julho de 2024, às 08h25
Link da matéria: https://liberal.com.br/cidades/americana/prefeitura-corta-custeio-de-terapia-aba-para-autistas-em-americana-apos-decisoes-judiciais-2215026/
Após decisões do TJ-SP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), a Prefeitura de Americana cortou o custeio de terapia ABA (Análise do Comportamento Aplicada, traduzido do inglês) para algumas crianças autistas, que eram atendidas pela Apae (Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais), referência no tratamento.
Nesta quinta-feira (18), cerca de 20 mães integrantes do Grumaa (Grupo de Mães Acolhedoras do Autismo) estiveram na sede do MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo) no município para cobrar providências.
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Elas contaram que seus filhos estão sendo encaminhados para o SUS (Sistema Único de Saúde) para receber um tratamento convencional, já que o sistema público não oferece a terapia ABA, o que foi alegado pela administração para pedir na Justiça o corte do custeio.
As famílias de crianças diagnosticadas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) pela rede pública e em situação de vulnerabilidade social precisam entrar com ação para ter acesso à terapia ABA sem precisar pagar.
Quando a decisão é favorável à família, que precisa apresentar à Justiça o laudo médico, o paciente é encaminhado para uma instituição conveniada ao Executivo, que subsidia o tratamento.
No caso de Americana, a prefeitura tem contrato com a Apae, com duração de cinco anos e investimento de R$ 3,2 milhões por ano.
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Entretanto, muitas dessas decisões são liminares e a administração apresentou contestações. O TJ-SP acatou os pedidos. Segundo a prefeitura, sete decisões já foram mudadas, mas a reportagem apurou que este número deve aumentar.
As mães de crianças cujos processos tiveram a liminar derrubada reclamam que o tratamento convencional, oferecido pela rede pública, não tem a mesma eficácia e tempo de atendimento.
Revolta
Uma das fundadoras do Grumaa, Carine Sena, 45, avaliou a decisão como inacreditável e comentou que as mães vão acionar os seus advogados para entrar com mandado judicial.
Jessika Javaroni, 30, é mãe do Otto, 4, que há dois anos passa por terapia. Ela mostrou à reportagem laudos que atestam a evolução da criança em quesitos como interação social e habilidades motoras.
“Nossas crianças já passaram pela terapia convencional e não tem evolução. A ABA vem como um ponto de esperança para a gente, para tranquilidade de uma mãe”, disse.
“Tentei falar para a minha filha que ela não vai mais passar na Apae e ela entrou em pânico. Isso mexe com o nosso emocional”, completou Emerlene Pires de Camargo, 48, mãe da Heloize, 6.
Já Marcia Cantizano, 45, contou que o seu filho, Emerson, 8, faz terapia ABA por 12h na semana e no SUS seria atendido por apenas 1h30.
A diretora da Apae, Ilce Worschech, destacou que cerca de 130 crianças são atendidas na instituição após decisões judiciais. Esses pacientes recebem sessões de psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, integração sensorial e acompanhamento familiar.
“No tratamento convencional tem tudo isso? Com profissionais especializados? A ABA dá resultado, é importante para o comportamento, para o desenvolvimento”, apontou Ilce.
Segundo a promotora de Justiça da Infância e Juventude de Americana, Renata Calazans Nasraui, o TJ-SP garantiu a realização das terapias, mas não no formato ABA, sob a alegação de que não há comprovação da eficácia.
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Ela ressaltou que ainda não dá para cravar que o SUS não é adequado para atender às crianças. “Nós vamos trabalhar em duas frentes: individualmente, por meio dos processos de cada um, e coletivamente para a gente ver o que consegue resolver. Vou acionar a prefeitura para entender essa mudança que eles estão fazendo”, pontuou.
Prefeitura diz que terapia não é oferecida no SUS e atenderá pacientes no Núcleo de Especialidades
A Prefeitura de Americana justificou, após questionamento do LIBERAL, que o Ministério da Saúde ainda não aprovou a inclusão da terapia ABA no SUS, por isso contestou as liminares concedidas às famílias de crianças com TEA.
Ainda de acordo com a administração, o tratamento desses pacientes será realizado no Núcleo de Especialidades, inaugurado no mês passado.
A determinação do TJ-SP é oferecer uma terapia alternativa com equipe multidisciplinar composta de terapeuta ocupacional, psicólogo e fonoaudiólogo. “No Núcleo de Especialidades, os pacientes já estão sendo acolhidos, pois o local possui estrutura compatível e profissionais qualificados”, disse o Executivo.
À reportagem, o secretário-adjunto de Saúde, Fábio Joner, reforçou que o atendimento não deixará de ser feito. “Estado e União devem reconhecer com a maior brevidade possível a necessidade de implementar o tratamento no SUS”, apontou.
Por fim, segundo a prefeitura, tem sido estudada a construção de uma clínica-escola voltada para crianças com TEA.
📝 Sinais do autismo
Veja comportamentos que possam indicar TEA e como a condição pode ser diagnosticada e tratada
- Aparente desinteresse por outras pessoas
- Inabilidade para fazer amizades
- Não gostar de ser tocado
- Não participar de brincadeiras em grupo
- Dificuldade de entender e expressar sentimentos
- Parecer não ouvir quando falam com ele ou ela
- Falar em um tom ou ritmo diferente
- Repetir as mesmas palavras ou frase sem objetivo comunicativo
- Repetir a uma pergunta sem respondê-la
- Dificuldade em comunicar necessidades e desejos
- Evitar contato visual
- Postura atípica
- Seguir rotina rígida, com dificuldade de se adaptar a qualquer mudança na programação ou ambiente
- Interesses restritos ou hiperfoco em relação a números, símbolos ou temas específicos
- Passar longos períodos observando objetos em movimento como ventilador ou focar em uma parte específica do objeto, como as rodas de um carrinho
- Repetir as mesmas ações e movimentos, como agitar as mãos, balançar ou girar o corpo
- Seletividade alimentar
🩺 Como se dá o diagnóstico do TEA
É clínico, realizado por meio de observação, entrevistas e instrumentos validados para mensurar sinais de autismo. Não existem exames laboratoriais para o diagnóstico, porém, uma avaliação neurológica é relevante para descartar a manifestação de uma outra síndrome ou presença de doenças.
👪 Como ocorre o tratamento
Considerando que normalmente várias áreas do desenvolvimento se encontram afetadas, tanto o diagnóstico como o tratamento deve ser multidisciplinar. O plano de tratamento deve ser individualizado, com envolvimento participativo e integrado da família, escola e da equipe de profissionais. O diagnóstico e intervenção precoce ajudam muito no desenvolvimento e evolução da condição.
🌻 Recomendações para lidar com o autismo
➡️ Levar em consideração as dificuldades e procurar atender as necessidades oferecendo um ambiente calmo e acolhedor, sem muitos estímulos, com tempo maior para realização das atividades;
➡️ Falar de maneira objetiva, considerar os sentimentos e, muitas vezes, a dificuldade de expressar as emoções;
➡️ Conseguir compreender que existe uma diferença entre uma crise de birra e uma crise em função de um excesso de estímulos ou de uma dificuldade de expressar as emoções;
➡️ As crises podem se manifestar por meio de agitação e comportamentos estereotipados como uma tentativa de autorregulação emocional. Manter a calma e procurar identificar quais estímulos ambientais e/ou emocionais que podem estar causando um desconforto podem ajudar neste momento;
➡️ Buscar um suporte emocional para a família e para os cuidadores também é muito importante para ter um espaço de acolhimento, assim como para esclarecer dúvidas e ter orientações;
➡️ A aceitação e a inclusão social também são fatores fundamentais que contribuem para amenizar as dificuldades encontradas e para o acolhimento dos autistas e de suas famílias.
Fonte: Marly Fernandes, professora do curso de psicologia da PUC-Campinas