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146 anos

As histórias do prédio que abriga a Câmara Municipal

De colégio de freiras a clínica psiquiátrica, prédio funciona em endereço tradicional e reúne histórias de Americana

Por Ana Carolina Leal

28 de agosto de 2021, às 08h33

Atualmente sede da Câmara de Vereadores de Americana, o prédio em frente à Praça Divino Salvador, na Rua Fortunato Faraone, no Jardim Girassol, é um dos endereços mais tradicionais do município. Rico em histórias, ele já foi usado para diferentes fins ao longo dos anos. De clínica psiquiátrica a colégio de freiras. E em breve deve ganhar novo destino com a já anunciada mudança do Legislativo para um outro local.

O terreno onde foi erguido foi doado pela família Faraone à Congregação das Irmãs Salvatorianas. A vinda delas para Americana foi intermediada pelo padre da Paróquia de Santo Antônio, Monsenhor Nazareno Maggi. As freiras chegaram no dia 28 de janeiro de 1949.

Alunas do Educandário Divino Salvador no pátio com materiais de construção do prédio em obras – Foto: Arquivo da Câmara de Americana

“Elas foram a primeira congregação religiosa a chegar no município. Teve início uma pequena escola com jardim de infância, berço do futuro Educandário Divino Salvador”, afirmou José Eduardo Angelini Milani, produtor audiovisual e fundador do Instituto Cultural Monsenhor
Nazareno Maggi.

De acordo com ele, a primeira sede do colégio Divino Salvador foi chamado “palacete dos Faraone”, uma mansão da família, que ficava onde hoje é o ponto de táxi da Basílica de Santo Antônio de Pádua. Depois desse endereço e enquanto o prédio da Rua Fortunato Faraone era construído, o colégio mudou-se para uma casa pertencente à família Najar, hoje já demolida.

Em 3 de março de 1954 foi assentada a primeira laje do prédio hoje ocupado pela Câmara Municipal, com a colaboração de toda comunidade. Em seguida, antes mesmo de ser concluído, o colégio já recebia alunos de ambos os sexos até o curso primário e somente feminino para os cursos ginasial e normal.

O Educandário Divino Salvador funcionou ininterruptamente até 1974, quando cerrou suas portas em virtude de fatores econômicos e internos, que impediram a continuação de suas atividades religiosas e educacionais. O prédio ficou fechado até 1975, quando foi aberta a Clínica de Repouso Americana, voltada para atendimentos psiquiátricos.

O local funcionou até 1988. Depois disso, o imóvel foi usado pela prefeitura para abrigar uma escola de música, na sequência foi alugado pela Unisal (Centro Universitário Salesiano de São Paulo) para ministrar um curso de Direito e, por último, ocupado pela câmara, em 2007.

E, se os planos do Legislativo não mudarem, entre dezembro deste ano e janeiro de 2022, o prédio será desocupado. Por conta dos problemas estruturais do imóvel, a câmara pretende alugar um novo espaço, na Avenida Monsenhor Bruno Nardini, ao lado das Indústrias Nardini.

Psicóloga relembra pacientes da antiga clínica

Funcionária pública há mais de três décadas, Maria Elizabeth Capucini, 67 anos, trabalhou na clínica psiquiátrica que funcionou no prédio hoje ocupado pelo Poder Legislativo. Ela entrou como estagiária, se formou em psicologia e ficou até as atividades serem encerradas, em 1988.

A clínica, de acordo com ela, recebia pacientes de um hospital psiquiátrico de Franco da Rocha. “Busquei muitos junto com as enfermeiras. A maioria já estava internada há anos e nem todos tinham famílias”, disse.

Maria Elisabeth lembra das histórias envolvendo pacientes da clínica – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

Uma paciente, em especial, ficou para sempre na memória de Elizabeth. “Uma senhora do Paraná, que era esquizofrênica, e dizia que o pai era rico, que tinha um prédio muito grande com lojas em baixo. Ela dizia que era tudo deles e a gente não acreditava. Porém, depois que a clínica fechou, esses pacientes foram distribuídos em São Paulo. Anos mais tarde, por volta de 2014, uma pessoa da Câmara de Americana entrou em contato comigo dizendo que o sobrinho dessa senhora do Paraná estava procurando pela tia, que ela tinha heranças”.

Segundo Elizabeth, o pai dessa senhora, no leito de morte, contou ao filho que quando descobriu que a irmã dele estava namorando um negro, a internou em um hospital psiquiátrico. “Descobrimos depois que ela foi enterrada como indigente em São Paulo”.

A psicóloga afirmou que poucos pacientes eram de Americana. “No início, só recebíamos pessoas de fora, mas depois tivemos alguns da cidade. Fazíamos festas, comemorávamos aniversários. Todos eram bem tratados, com a dignidade e o carinho merecidos”.

A experiência na clínica rendeu à Elizabeth um convite para trabalhar no Fórum de Americana. “Por cinco anos trabalhei como voluntária na área criminal. Fui para a prefeitura, depois fiz concurso e estou há 32 anos no serviço público”.

‘Era um prédio sempre com cheirinho de cera’

Hoje com 66 anos, a dona de casa Sandra Maria Rando Novo, guarda boas recordações da época em que era estudante no Educandário Divino Salvador. “Entrei no pré-primário com 6 anos e fiz até a quarta série ginasial. A partir desse ano, não existia mais o curso normal, então tínhamos que mudar para outras escolas. A maioria ia para o Kennedy e fazia ali o colegial”, contou.

Sandra guarda boas recordações daquela época – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

Segundo Sandra, dos primeiros anos do jardim da infância até o quarto ano primário, as salas eram mistas. A partir do ginásio, era uma escola só para meninas. “Foi um tempo muito bom da minha vida. Adorava estudar lá, éramos todas amigas, e nos divertíamos muito”.

A dona de casa lembra do prédio como se fosse nos dias de hoje. “Era um prédio maravilhoso, limpíssimo, sempre com cheirinho de cera, que as irmãs passavam no chão e nos corrimãos das escadas, que invariavelmente usávamos como escorregadores, isso quando não tinha nenhuma freira por perto, obviamente”, recordou.

A única coisa que Sandra não gostava era de ter que dormir após o almoço. “Realmente detestava, uma vez fugi da escola e fui para casa, não queria dormir. Chegando em casa levei a maior bronca e tive que voltar com a minha irmã que estudava no período da tarde”.

Desde que saiu da escola, em 1969, Sandra só voltou a entrar no prédio quando já era a Câmara Municipal. “Fiquei tão emocionada que comecei a chorar. Foi uma sensação indescritível, um filme passou pela minha cabeça em segundos, e até o cheirinho da escola eu senti”.

Convite em 1968 foi um marco na vida de professor

O ano 1968 foi marcante na vida do professor Claudio Giordano, 75 anos. “Foi quando fui convidado para lecionar num colégio tradicional de Americana. Foi nele que aprendi toda a técnica para ser professor. Vários fatos bons aconteceram. O Educandário Divino Salvador era um colégio onde havia respeito e disciplina por parte de todos”, lembrou saudoso.

Para Claudio Giordano, período como professor no colégio foi de aprendizagem – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

Claudio também guarda boas recordações das festas juninas. “Havia integração de todas as alunas e seus familiares. É uma lembrança boa que trago comigo até hoje”. Ele lecionou no colégio por cinco anos.

A aposentada Ione Maria Zoppi Lama, 67 anos, estudou no colégio entre os anos de 1965 e 1969. “Foram anos maravilhosos. O colégio era muito grande e a gente circulava por tudo. Tinha uma capela linda e no pátio uma grutinha com uma santinha. Muitas lembranças boas. E sempre que passo em frente ao que agora é a câmara, me vem à mente aquelas lembranças que nunca serão esquecidas”.

Irani Macias Rodrigues da Silva, 67 anos, foi aluna do Educandário Divino Salvador por nove anos. “Minha turma concluiu o ginásio em 1968 e fomos transferidas para outros colégios da cidade e região. Temos um grupo de WhastApp, com frequência diária e muito dinâmico, denominado ‘Divinas’. Trocamos ótimas recordações daquele tempo, que nos fazem rir muito”, declarou em entrevista ao LIBERAL.

Segundo Irani, as instalações do colégio eram ótimas, com muitas salas de aulas, uma biblioteca, laboratório de ciências, sala de geografia com mapas e maquetes, sala de música, refeitório, quadras de esportes e capela, entre outros espaços.

“Na parte educacional tínhamos professores excelentes, na figura de algumas das irmãs que além de administrarem o colégio, ministravam aulas. Nossa regente durante os quatro anos de ginásio foi a irmã Magda Fonseca, pela qual temos um carinho muito. Anualmente nos reunimos com ela”, disse.

A fanfarra, exclusivamente feminina, era motivo de orgulho no Desfile de 7 de Setembro. “Só ficava acanhada quando surgia a gloriosa do Colégio Dom Pedro 2”. Todo mês de junho acontecia a festa junina com o tradicional correio elegante. “Muitos namoros e até casamentos surgiram daí. Foram os melhores anos da minha vida”.

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