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146 anos

Antigos moradores ainda resistem em avenidas agitadas de Americana

Há décadas no mesmo endereço, eles contam como é viver em polos comerciais onde as casas são cada vez mais escassas

Por Pedro Heiderich

27 de agosto de 2021, às 08h05

Três pessoas diferentes e todas responderam o mesmo quando foram questionadas sobre se mudar de onde moram. Enquanto viverem, não sairão de onde estão. Afinal, a resistência é de décadas. Em um dos casos, de oito décadas. Não será o avanço da idade e o passar do tempo que os fará sair de onde todos estão.

Eles se mudaram para avenidas que ainda não eram sequer uma rua asfaltada. De dentro de suas casas, acompanharam Americana crescer e se desenvolver e viram suas ruas se transformarem em avenidas.

O fato de morarem em frente a corredores de trânsito intenso e aglomerado de lojas, bares e comércio em geral também não foi suficiente para que estes moradores sequer cogitassem deixar as casas onde fincaram suas raízes.

Em meio a enxurradas de estabelecimentos comerciais, o LIBERAL encontrou moradores que resistem vivendo em uma casa em algumas das principais avenidas de Americana. Conheça a história deles.

Dona Rosa vive feliz em meio ao agito da Cillos

Maria Aparecida de Ribeiro, de 79 anos, não é tão conhecida pelo nome. O apelido, dona Rosa, é mais popular, principalmente nos arredores de sua casa na Avenida Cillos. Ela se mudou para o local em 1970. “Quando cheguei era uma pista, uma rua só, e de terra. Quando chovia era uma enxurrada danada, ficava tudo cheia de terra”.

Dona Rosa mora na Cillos desde o início da década de 1970 e hoje tem bancos como vizinhos – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

A casa de dona Rosa foi uma das primeiras da avenida. “Estava bem devagar, depois que começaram a prolongar a rua e chegou a escola, em 1973, passou a ter mais casas. Depois, foram abrindo os comércios, aumentando as lojas”, lista. Na época, ela conta que a região era chamada de “Larga”, que abrangia da Cillos até a então fazenda da Mathiensen.

“Aqui onde eu moro hoje é São Pedro, mas na documentação da casa ainda é Cidade Jardim”, afirma. Dona Rosa sempre quis morar em cima da padaria que abriu com o marido, no mesmo ano em que se mudaram. “Sempre gostei de morar aqui. Não pensei nunca em mudar. Só vou quando eu morrer”, sorri.

Dona Rosa conta que locais conhecidos, como farmácias e bancos, eram casas. “Era tudo morador. A casa vizinha à minha foi meu pai quem fez e meu sobrado foi meu irmão. E as duas nunca foram vendidas”, diz.

Apesar de perder vizinhos e “ganhar” o barulho da avenida, a senhora prefere ver de outra forma. “Vi a cidade crescer, aumentar os prédios, os negócios. É bonito isso”.

A moradora conta sobre as propostas que recebeu para venda do imóvel. “Eu não vendo, falo que não tem dinheiro que pague. O plano do meu marido tinha era ter uma padaria para os filhos. E eu estou segurando a barra”. O marido já faleceu e todos os filhos do casal são padeiros.

Dona Rosa vive com uma filha e uma neta no sobrado. Nos fundos da casa ainda mora um neto dela com a família. A moradora da Cillos há cinco décadas conta, enfim, a origem do apelido com o qual a reportagem recebeu a indicação de uma moradora sobre um personagem: “vai ali na dona Rosa”.

O pai dela, ao se casar, disse que teria doze filhas, e todas teriam Maria no nome, como a mãe dele. Ele teve catorze filhas e várias Marias, dentre elas dona Rosa, que na verdade é Maria Aparecida. “Eu era bonitinha, pequena e vermelhinha, então me chamavam de Rosa, Rosinha, tem irmã que me chama assim até hoje, e ficou. Então é carinho”, sorri.

Liceu mora há 81 anos no mesmo endereço

“Se eu falar você não vai acreditar”, adianta Liceu Gaiola, de 89 anos, morador da Campos Sales. “Moro aqui há 81 anos, cheguei aos oito”. Ele viu a rua de sua casa virar avenida, e ser tomada por estabelecimentos comerciais. Nestas oito décadas, o crescimento do local e os barulhos com o trânsito pouco incomodaram.

Liceu Gaiola viu de perto a mudança no perfil da Campos Salles – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

A casa está no nome dos filhos e é uma das únicas que ainda não se transformaram em comércio. “Quando eu morrer, vão vender com certeza. Aqui é só comércio. Casa mesmo é só a minha e mais umas duas lá para cima”, diz. Quando o pai de Liceu comprou a casa, em 1940, a Campos Salles era a rodovia que levava os americanenses rumo Piracicaba e Santa Bárbara d’Oeste.

“Não tinha nada aqui, nem asfalto, nem casa, nem energia”, se recorda. “Naquele tempo aqui era tudo fazenda. De um lado era a fazenda da famíla Jones. Do outro, tinha a fazenda dos Faraone e mais para cima dos Cechino e dos Frezzarin. Depois virou Vila Paraíso e mudaram para os nomes de hoje, Jardim Girassol e Vila Jones”, diz.

Seu Liceu trabalhou em fábrica por mais de 40 anos. Segundo ele, lá para 1970, 1980, aumentou o número de casas na avenida. Anos depois o comércio começou a crescer e dominar. “Teve um tempo em que era só tecelagem por aqui”. Mudaram os setores, mas permaneceram os prestadores de serviços, comércios e afins.

Décadas se passaram e a casa de seu Liceu, cada vez mais cercada, resistiu. “Já estou acostumado a dormir com o barulho, nem ligo mais. Vou deixar de dormir? O horário com mais barulho é a partir das quatro da manhã. E ainda tem o ponto de ônibus que colocaram aqui em frente, mas a gente já se acostumou”, garante o morador.

Há mais de 80 anos na mesma casa, onde mora com a esposa, Liceu não tem dúvidas ao ser questionado se já pensou em mudar dali. “Mudar daqui? Só mudo pro Saudade”, brinca, se referindo ao Cemitério da Saudade.

Quatro décadas em uma casa na Avenida Brasil

Aos 87 anos, seu Hermínio Sacilotto e a esposa Rosa Maria seguem como um dos poucos moradores de uma das avenidas mais famosas de Americana, a Avenida Brasil. Há 44 anos, Hermínio e Rosa construíram a casa, onde criaram os filhos. E já tinham morado na avenida antes.

Hermínio e Rosa Maria vivem na casa da Brasil onde criaram os filhos – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

“Moramos um tempo no começo da Brasil, perto do Parque Ideal, quando ainda tinha a piscina represada”, lembra Hermínio. Em 1977, eles se mudaram para o atual endereço. “Não tinha nada aqui quando nos mudamos. Barulho nunca incomodou, porque os quartos ficam na parte de cima, e a parte da frente abafa o som”, comenta Rosa.

O casal se lembra apenas de uma época, dentre estes 44 anos, em que foram incomodados. “Estacionavam uns carros aqui na frente e faziam barulho”, diz Hermínio. “Era reunião de jovens e atrapalhava um pouco, mas depois acabou. Fora isso, mais nada”, completa Rosa.

Ele ainda “cobra” uma praça que estava nos planos da prefeitura, mas teve área permutada e virou um prédio. “Naquele cantinho, depois da bica, no fim da avenida, era para termos uma praça. Jamais poderiam ter feito isso”.

Aficionado pela vida no campo, o idoso fez de sua casa uma espécie de chácara dentro da cidade. “Plantei coqueiros, tinha cocheira, eu criava cavalos aqui no fundo. Eu terminava de trabalhar umas oito horas, pegava o cavalo e ia até a Cillos, toda a noite. Então aqui é meu lugar, sempre foi, e me sinto bem”, diz. Os filhos cresceram e foram deixando a casa. Hoje, só Hermínio e Rosa Maria vivem ali.

“Dá muito trabalho. É muito grande para só nós dois, mas eu adoro esse lugar”, relata Rosa. O passeio diário, que já foi a cavalo, agora é outro. Hermínio aproveita uma das vantagens de morar na Brasil e estar próximo ao Jardim Botânico. Os 87 anos de idade não o impedem de uma caminhada diária pela avenida considerada a mais bonita de Americana.

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