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Alessandra Olivato

Patrimonialismo, populismo e fisiologismo

Lula não difere em nada da esmagadora maioria dos políticos nacionais que acham que o cargo público é uma conquista pessoal

Por Alessandra Olivato

21 de dezembro de 2022, às 08h53 • Última atualização em 21 de dezembro de 2022, às 08h54

Eleito e mesmo antes de assumir, Lula segue de vento em popa dando a entender que continuará com as práticas obsoletas e execráveis da política brasileira, a saber, o fisiologismo, o patrimonialismo e o populismo, provando que referidas tradições não tem dono nem ideologia.

Ao agradecer a população brasileira por ter-lhe dado um presente, colocando-o novamente no mais alto cargo executivo, não difere em nada da esmagadora maioria dos políticos nacionais que acham que o cargo público é uma conquista pessoal, e não uma função temporária e, como o próprio nome diz, “pública”, voltada para a sociedade e sem outra razão de ser que não o bem-estar social. A gama de prerrogativas e privilégios pitorescos dos políticos brasileiros é tão grande que lhes permitem esquecer que os cargos públicos são antes definidos por um rol de obrigações e vedações  – sendo uma das principais e senão a primeira, a de não tomar a coisa pública para si ou segundo seus interesses particulares. Já disse em outra ocasião como acho vergonhoso, como tenho nojo mesmo – desculpe o termo – quando vejo político festejando (literalmente) em festas, almoços, jantares, farras até – a eleição para um cargo público. Fosse sério, não festejaria, ao contrário, ganharia rugas do dia pra noite, haja vista o tanto de problemas pra resolver. Ao escancarar sua “vitória pessoal”, Lula confere portanto o tom patrimonialista de sempre de qualquer outro político.

É na mesma seara da cultura patrimonialista que faço o entendimento de sua intenção de aumentar o número de ministérios. Não estou dizendo que este ou aquele não fosse necessário, mas de 23 para 37? Uma das maiores necessidades do Estado, inclusive para que ele possa existir, é o equilíbrio financeiro e atuarial e, para isso, repete-se várias vezes na Constituição Federal a obrigação de que nenhuma despesa pode existir – e muito menos ser criada – sem claríssima indicação da receita que a sustentará. Por que patrimonialista? Por que é o “eu quero e é assim que vai ser”. Além disso, Lula reforça o fisiologismo nosso de cada dia, ou o famoso “toma lá dá cá.” Afinal, como devolver o apoio de tanto gente, não é mesmo?

Por falar em encaixar gente, vamos ao novo populismo de esquerda, com um único exemplo: a escolha de Margareth Menezes para o Ministério da Cultura. Que lindo: artista, mulher, negra e nordestina. Não vou entrar nas minúcias sobre as possíveis qualidades de Margareth, embora não pareça haver nenhuma capacidade exorbitante em sua trajetória, a despeito de seus feitos na área da arte e da cultura. E antes que os chatos e desavisados de plantão venham me acusar de algo, saibam que uma das maiores influências que tive foram de meus padrinhos de batismo (in memoriam), ambos negros, e dos meus “irmãos” negros, com os quais cresci e passei dos melhores momentos de minha vida.

É óbvio que sei da importância simbólica que a escolha de Margareth representa, assim como de mais mulheres, ou mais homens não brancos, ou de PCD, ou de LGBTQIAP+ para cargos estratégicos etc. Mas acredito que estamos a chegar na hora que deveremos novamente refletir se as características fenotípicas ou a circunstância social devem continuar sendo um fator transgressor para decisões políticas, por exemplo. Arrisco-me a dizer sem medo de errar: deve haver, no mínimo, duas dezenas de pessoas mais capacitadas no país para assumir a pasta da cultura. Pessoas envolvidas com a área, que entendam de política cultural e também de gestão pública, que conheçam os meandros da política brasileira, que saibam citar ao menos meia dúzia de estudos estatísticos e qualitativos sobre as maiores necessidades no âmbito da cultura no país. A prova de que a escolha é demagoga e não orientada por competência é que Emicida e Marieta Severo foram convidados antes para a pasta, e recusaram. Aplausos para eles.

É certo, repito, a enorme importância de alguns setores da sociedade terem maior representação política, desde sempre. Digo propositalmente setores, e não minorias, pois começo também a discordar do termo, ou pelo menos, do seu uso corrente. Só para exemplificar, o informativo “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça” do IBGE, publicado em 2019, apontou que pela primeira vez na história brasileira – e graças a políticas de cotas, pardos e negros tornaram-se a maioria de estudantes do ensino superior (sem entrar no debate sobre o assunto, que é mais profundo que isso).

Isso posto, uma coisa é a busca de maior representação política de setores sociais que ainda precisam ter um pouco mais de voz, outra coisa é o uso populista – e, permitam-me dizer, “para a imprensa internacional ver” – de conceitos como esses como norte de decisões como da escolha de um ministro. Afinal, a ideia original não é a de as pessoas poderem ser escolhidas nesse mundo, seja para um ministério ou para fazer um bolo, pela sua capacidade e aptidão, independente de cor, origem social ou gênero, como era no início?  

Arrisco-me a dizer que esse seja o meu artigo mais impopular até hoje. Mas acredito que as boas almas, brancas ou pretas, artistas ou não, ou seja o que for, me entenderão. É que sabe, gente, além de estar envelhecendo e não ter mais humor para tolerar certas coisas, eu não consigo me ver no papel de dizer coisas apenas para agradar, na mesma medida em que posso desdizer se chegar à conclusão de que estava equivocada. Até a próxima!

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.