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Estúdio 52

Mesmo sem querer, ‘Mank’ é o filme mais complexo do Oscar 2021

Com 10 indicações, novo trabalho de David Fincher abre leque de discussões, mas esbarra em suas próprias limitações

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03 de abril de 2021, às 14h33 • Última atualização em 03 de abril de 2021, às 14h34

Entre os oito indicados para melhor filme no Oscar de 2021, nenhum é tão complexo quanto “Mank”. Não sob o ponto de vista intelectual, mas sim pela pluralidade de temas sintetizados em pouco mais de duas horas. O leque de discussões é amplo, mas acaba esbarrando em suas próprias limitações.

Trata-se do projeto mais pessoal do diretor norte-americano David Fincher. O roteiro, assinado por seu pai, Jack Fincher, ficou engavetado por quase 30 anos. Em um mundo ideal, teria sido o primeiro filme dirigido por David, que acabou estreando com “Alien 3” no distante ano de 1992.

Agora, com financiamento da Netflix, “Mank” finalmente nasceu. A premissa é ousada: retratar parte dos bastidores de “Cidadão Kane”, nada mais, nada menos do que um dos principais filme da história.

A trama acompanha o roteirista Herman J. Mankiewicz, mais conhecido como Mank, durante o processo de escrita do roteiro. O período foi conturbado, com pressão política para que a obra não fosse lançada e atritos entre Mank e o diretor do filme, o aclamado Orson Welles.

Muita informação em um único parágrafo, né? Antes de nos aprofundarmos nos aspectos acima, precisamos falar sobre as características técnicas do longa.

Um verdadeiro filme da década de 1940

“Mank” reproduz até mesmo os “defeitos” de reprodução da época – Foto: Divulgação

Fincher é um diretor perfeccionista e extremamente metódico. “Clube da Luta”, “Zodíaco” e a “Rede Social” são exemplos da técnica e do estilo que pautam seu trabalho.

“Mank” destoa completamente do resto de sua filmografia por emular um filme da década de 1940. A decisão artística tem tudo a ver com o período que ele busca retratar e, colocado lado a lado com “Cidadão Kane”, não fica devendo muita coisa quando o assunto é ambientação.

O diretor consegue reproduzir até mesmos os “defeitos” técnicos das projeções da época. No entanto, mesmo com esses limitadores visuais, Fincher usa tecnologia de ponta para rodar as cenas.

O resultado é um filme com toda a vibe daquela época, preto e branco, mas que não soa anacrônico com o cinema de hoje. E isto é um mérito gigantesco.

Cinebiografia, crítica política ou debate sobre autoria?

“Você não pode captar a vida inteira de um homem em duas horas. No máximo pode deixar uma impressão”.

A frase acima é dita por Mank logo no início do filme. E resume muito bem o sentimento amargo que fica para o público na hora de categorizar a obra. Não é uma cinebiografia propriamente dita, já que temos apenas um curto período da vida do roteirista em tela, ainda que decisivo para seu futuro.

Mank era um beberrão notório de Hollywood, tinha problemas com apostas e não sabia a hora de parar. Em contrapartida, era um escritor genial, requisitado por grandes diretores. Tudo isso está no filme, mas em doses homeopáticas, diluído em linhas de diálogos.

Amanda Seyfried e Gary Holdman: dinâmica fluida – Foto: Divulgação

O roteiro filmado por Fincher passou por claras adaptações. A que mais chama a atenção é a evidente crítica ao governo do ex-presidente norte-americano Donald Trump e ao “mercado” de fake news.

Um dos temas, que se torna o centro das atenções na metade do filme, é o modo como um candidato a governador da Califórnia se utiliza da máquina de Hollywood para disseminar filmes falsos sobre seu adversário. Qualquer semelhança com a eleição de Trump não é mera coincidência.

É no aspecto político que “Mank” realmente brilha. A discussão sobre como a opinião pública pode ser influenciada por notícias falsas, o contexto de “medo do comunismo” e capitalistas sendo capitalistas dão o tom sobre como aquele mundo funcionava. Por consequência, pautam as decisões do protagonista.

Porém, é no cerne de sua proposta inicial que o filme acaba escorregando. Fincher vende ao público a tese já ultrapassada de que Orson Welles não teria contribuído em nada para o roteiro de “Cidadão Kane”.

Tom Burke vive Orson Welles em “Mank” – Foto: Divulgação


Mank escreveu a primeira versão do roteiro, mas já é mais do que comprovado que Welles mudou diversos pontos para torná-lo filmável. E, por mais que o texto seja irretocável, “Cidadão Kane” tem outros diversos méritos que o tornam um dos maiores filmes de todos os tempos, como direção e fotografia.

Soa quase revisionista abordar a história desse modo. No fim, por mais que a premissa do filme seja essa, Fincher não parece muito interessado em discutir autoria, de fato. O tema só “estoura” ao final do longa, de forma quase abrupta.

A relação de Mank com o magnata William Randolph Hearst, que inspirou a criação do protagonista de “Cidadão Kane”, é abordada de forma distante, por vezes fria. O momento de maior embate entre eles, num discurso do terceiro ato, não aconteceu de verdade, o que tira todo o peso da cena.

A influência de Hearst nos bastidores para que o filme não fosse lançado é pouquíssimo abordada. A pressão foi tão grande que “Cidadão Kane” quase não saiu. E o boicote sofrido no Oscar de 1942 é evidente. Foram nove indicações, mas só um prêmio: justamente o de roteiro original.

Como dito no início deste artigo, são tantos detalhes, discussões e meias verdades que “Mank” se torna uma obra muito difícil de analisar. Talvez, a forma correta de apreciá-la seja como uma peça de ficção, que não tem medo de lançar sob Hollywood um olhar quase jocoso.

“Mank” concorre em 10 categorias no Oscar de 2021 e tem boas chances de sair de mãos abanando, vide que seus concorrentes estão arrebatando quase tudo nas demais premiações.

O Estúdio 52 começou a publicar nesta semana as críticas dos oito concorrentes a melhor filme. Os textos serão postados sempre às terças e sábados, por quatro semanas. O primeiro foi “Judas e o Messias Negro”, que você pode conferir clicando aqui.

Nota: 3 de 5

Estúdio 52

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