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Alessandra Olivato

Aos inimigos, a lei

Representante do grupo da tão desejada capa, o Sr. Moraes tem sido um baluarte incansável de uma das ideias mais falaciosas da República

Por Alessandra Olivato

23 de novembro de 2022, às 09h49

Uma das maiores falácias do mundo contemporâneo é a utilização de ideias nobres como base de discursos impecáveis a fim de defender mecanismos não tão nobres, ou até nefastos. De alimentos que fazem bem à saúde a comportamentos sociais que devemos ter, cria-se um sem número de ideias ilusórias sobre coisas que devemos comprar ou fazer em prol de nossa saúde, qualidade de vida, prosperidade, felicidade etc a ponto de, ao final, não importar se o resultado real é o contrário do que se prega. Pelo menos no âmbito do consumo, há que se dizer que temos algum grau de liberdade: apesar do “fetiche da mercadoria”, fato é que ninguém nos obriga a consumir nada.

Não se dá o mesmo, entretanto, com outras narrativas e falácias, como na dimensão da política. Uma vez sociedade, submetemo-nos a ela. Somos obrigados a tirar documentos, alvarás e a pagar os tributos, bem com obrigados a votar. Além disso, há a força de toda uma história por trás dos poderes que instituíram as leis e que mantém essa estrutura, hoje conhecidos como executivo, legislativo e judiciário. A eles direcionamos nossa boa-fé. Como nos opormos, então, às falácias despejadas sobre nós como verdades incontestes quando aqueles que deveriam ser os guardiões dos princípios constitucionais se apropriam da coisa pública? Como convencer alguém do contrário quando mentiras – ou meias verdades – são proferidas com jargão rebuscado e por alguém que usa a “capa do Batman”?

Representante do grupo da tão desejada capa, o Sr. Moraes tem sido um baluarte incansável de uma das ideias mais falaciosas da República: a de que exprimir uma opinião, mesmo que contraditória, mesmo que com tom raivoso, mas, em suas próprias palavras, “suspeita”, é antidemocrático. Dentre tantas ações, ao bloquear a conta de conhecido economista, proferiu que este “utiliza as redes sociais para atacar as instituições democráticas, notadamente o Tribunal Superior Eleitoral, bem como o próprio Estado democrático de Direito, o que pode configurar, em análise preliminar, crimes eleitorais”. Atenção à expressão “análise preliminar.”

Olhando para o passado apenas de minha curta perspectiva, perdi as contas de quantas vezes um governo foi duramente criticado em público ou de quantas vezes se insinuou a existência de corrupção ou crime, ou de quantas vezes declarações públicas e opiniões contrárias derrubaram prefeitos, governadores ou acabaram com a reputação de algum promissor candidato. Quem se esquece da destruição da imagem de Marina Silva pelo marqueteiro João Santana quando aparecia em segundo lugar nas intenções de voto em 2014, na disputa com Dilma Rousseff? São incontáveis os causos dessa espécie no Brasil.

Continuamos ou não sob a égide da liberdade de expressão e da democracia e da vedação à censura? Se não me falha a memória há um grupo em específico que sempre teve como uma de suas principais bandeiras a defesa da liberdade de expressão e o ataque à censura, correto?

É óbvio que existem o que hoje se conceitua como milícias digitais – e, assim como as antigas, devem ser dirimidas. Agora, criminalizar e agir com poder de polícia em relação a declarações de ataques, a contraposições, a falas raivosas é democrático? Sim, eu vou citar porque é necessário, não está em discussão aqui se houve ou não fraude eleitoral, se teremos um governo pior ou melhor e, nem mesmo, se reiteradamente juízes ou ministros agem “a mando” de outros personagens, com os poderes agindo em conluio.

O que está em questão é a prática também “suspeita” de um dos um dos maiores representantes da República em punir utilizando-se do poder de seu entendimento, é o aparente desrespeito a alguns dos principais princípios constitucionais, como os da indisponibilidade do poder, da impessoalidade, da moralidade, sem contar na aparente fragilidade do chamado sistema de freios e contrapesos aos poderes.

Nos últimos anos, assistimos à anulação de uma das mais parcimoniosas condenações da história pela deliberação de um único superior juiz e, em outra canetada, a restrição do direito à expressão – seja intragável ou não, como muitas vezes é a democracia. Semana passada foram bloqueadas das redes sociais nada menos que outras 48 contas de pessoas físicas ou jurídicas, porque “suspeitas” de financiar atitudes criminosas ou porque “atacam o STF”.

Não acho boa a assiduidade com que se desfere ataques a instituições, pessoas, autoridades, celebridades, políticos, governos em nosso país. Como eu disse em outra ocasião, acho um traço de atraso um hábito que chamo de uma “tendência à maledicência”, levando-nos a alimentar o vício da crítica ao invés de trocá-lo pela opinião construtiva.

Mas até quando V. Exa. Moraes e seus pares continuarão a agir ultra legem? Até quando os defensores-mor da liberdade de expressão ficarão em silêncio? A resposta é: até quando o silêncio for conveniente, como já se provou de tantos eventos relegados ao esquecimento, enquanto nós assistimos, da arquibancada do povo, ao velho clássico nacional “Aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei”.

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.