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Economia no dia a dia

A greve dos ‘empreendedores’

Os entregadores de aplicativos são tratados por essas empresas não como funcionários, mas como “parceiros”

Por Marcos Dias

01 de julho de 2020, às 10h14 • Última atualização em 02 de julho de 2020, às 10h11

Nesse dia primeiro de julho foi realizada a primeira paralização de um grupo de trabalhadores que vem crescendo nos últimos anos, principalmente por causa da falta de oferta de trabalho no mercado: os entregadores por aplicativos.

Esses trabalhadores, que geralmente são jovens, prestam serviços de maneira informal (sem contrato de trabalho) para as empresas de alimentação como entregadores, utilizando motos ou bicicletas, e percorrem dezenas e quilômetros durante um dia inteiro.

Tais empresas, que são gigantes e bilionárias que atuam no mundo todo, adotam o que há de mais moderno em termos de Tecnologia da Informação (TI), combinado com a face mais atrasada do capitalismo: a precarização do trabalho e a negação dos direitos sociais aos trabalhadores. Elas utilizam o seu “poder concentrado” para impor um “salve-se quem puder” aos trabalhadores. É o tipo de jogo em que só um lado ganha.

Os entregadores são tratados por essas empresas não como funcionários, mas como “parceiros” ou “empreendedores”. Não possuem nenhum vínculo trabalhista que possa se desdobrar em algum tipo de direito. E também não possuem autonomia para escolher para qual empresa quer prestar seu serviço. Numa situação de desemprego crescente como a atual, a única alternativa que resta aos milhares de jovens pobres das periferias é acatarem as condições de exploração das empresas.

Um levantamento do Instituto Locomotiva mostrou que existia no país, em 2019, cerca de 5,5 milhões desses “empreendedores”, que respondiam por 23% do total dos profissionais autônomos, e com tendência de crescimento, pois dados do mesmo instituto mostram que houve um aumento nos três primeiros meses desse ano de cerca de 30% dos pedidos feitos por aplicativos.

Mas, além desse quadro de precarização do trabalho, outro aspecto que chama a atenção, nesse caso, é o uso do termo “empreendedores” para designar um grupo de trabalhadores que, na verdade, são sub-remunerados e sem direitos trabalhistas. Essa palavra “empreendedor” possui, na sua origem, outro significado.

O economista tcheco Joseph A. Schumpeter (1883-1950), em seu livro “O Fenômeno Fundamental do Desenvolvimento Econômico”, foi o primeiro a fazer uso do termo “empreendedor”. Para ele o empresário “empreendedor” é aquele que, ao se deparar com um desafio no mercado em que atua, inova a ponto de transformar as condições do setor. Ele cria um novo produto, um novo método de produção ou um novo mercado. E depois disso, ele volta a ser um empresário comum, pois outros empresários vão segui-lo e concorrer com ele. Empreendedor é, assim, o empresário que cria algo novo, se destaca por isso, mas depois volta a ser um empresário comum. É uma situação momentânea, e não definitiva!

Portanto, nesse caso dos entregadores por aplicativos, empreendedor é a pessoa (ou grupo de pessoas) que criou o aplicativo e hoje são empresários que ganham fortunas com um novo negócio utilizando mão-de-obra sub-remunerada. Já os trabalhadores, que quase nada ganham, são as pessoas que tornam a inovação viável.  

*O autor agradece a Ricardo Neves de Almeida Filho pela discussão inicial

Marcos Dias

Conteúdo desenvolvido pelo economista e professor de economia da Fatec (Faculdade de Tecnologia) de Americana, Marcos Dias.