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REPORTAGEM ESPECIAL

Corredor Metropolitano tem trecho ocioso e faixas e estações vazias em Americana e Santa Bárbara

Obra estadual milionária que prometia alavancar o transporte público vive cenário de subutilização nas duas cidades

Por João Colosalle e Gabriel Pitor

07 de abril de 2024, às 08h00 • Última atualização em 07 de abril de 2024, às 15h53

Obra milionária do Governo de São Paulo, concluída há cerca de cinco anos, considerada uma vitrine política e um projeto para mudar o transporte público intermunicipal na região, o trecho do Corredor Metropolitano entre Americana e Santa Bárbara d’Oeste tem hoje grandes estações ociosas e faixas exclusivas para ônibus vazias.

A EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos), órgão do Estado responsável pelo corredor, afirma que discute com a concessionária responsável pelas linhas de ônibus e com as prefeituras “adequações operacionais” no trecho, sem detalhar ou dar prazos.

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Por ora, no entanto, o que se vê é uma obra subutilizada nos dois municípios, um cenário diferente do que ocorre no restante da região – em Nova Odessa, Sumaré, Hortolândia e Campinas –, por onde o corredor se estende e onde se vê uma movimentação maior de ônibus e passageiros.

O projeto do Corredor Metropolitano é antigo e se arrastou até a conclusão. Desde o início dos anos 2000 se discutia uma forma de criar vias exclusivas de ônibus e uma infraestrutura para passageiros que pudessem interligar de maneira mais rápida e eficiente as principais cidades da RMC (Região Metropolitana de Campinas).

Em Americana e Santa Bárbara, o projeto incluiu a construção de dois terminais e diversos pontos de ônibus, chamados de estações, além da criação de faixas exclusivas por avenidas movimentadas de ambos os municípios.

Junto com o trecho de Nova Odessa, o traçado previa 24 quilômetros, com 13 deles de faixas exclusivas para ônibus, e um investimento de R$ 145 milhões em valores de dezembro 2013, quando o então governador Geraldo Alckmin, hoje vice-presidente da República, assinou o início das obras. A expectativa era de que a conclusão se desse em 2014, o que não ocorreu.

Estação de Transferência da Avenida São Paulo: muitos bancos para aguardar o ônibus, mas nenhum passageiro – Foto: Marcelo Rocha/Liberal

O traçado principal inclui um trajeto que liga o Terminal Metropolitano de Americana até o Rodoterminal de Santa Bárbara, ambos construídos no projeto do Corredor, passando por avenidas como a Antônio Lobo, São Jerônimo e Europa, em Americana; e avenidas São Paulo e seu prolongamento até a Monte Castelo e a Rodovia Luís Ometto (SP-306), em Santa Bárbara.

O LIBERAL verificou cada um dos itinerários das linhas metropolitanas que circulam entre Americana e Santa Bárbara d’Oeste, atualmente, ou que tenham como origem ou destino alguma das duas cidades. Atualmente, são 29 linhas de ônibus em funcionamento sendo que 17 delas cortam os dois municípios. Destas, apenas uma única linha percorre o traçado do Corredor, entre o terminal e o rodoterminal.

A maioria mantém percursos por dentro dos bairros, que já existiam antes mesmo da obra viária do governo estadual. Nove linhas têm um trajeto que apenas cruza vias do Corredor Metropolitano, como a Avenida São Paulo. E uma outra chega a percorrer um trecho de cerca de um quilômetro do traçado.

A reportagem do LIBERAL transitou pelo trecho durante uma tarde e, além de praticamente não se deparar com a circulação e ônibus intermunicipais, ouviu de moradores vizinhos das estações relatos semelhantes da ociosidade que é o projeto.

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Entre Americana e Santa Bárbara, são 10 estações, espécies de ponto de ônibus com infraestrutura maior. Todas elas ocupam ambos os sentidos do Corredor Metropolitano, contando com recuos para que os passageiros desembarquem do lado esquerdo dos veículos – o mesmo do motorista.

Na Estação Mônaco, na Avenida Europa, o funcionário de uma oficina mecânica em frente disse ao LIBERAL que a estrutura é usada por vans e fretados como ponto informal de embarque. Nos dias de chuva, acaba servindo de abrigo para motoqueiros.

No cruzamento entre a Avenida São Paulo e a Avenida Amizade, limite entre Americana e Santa Bárbara, está uma das maiores estações do traçado. A Estação Amizade poderia abrigar dezenas de passageiros à espera de um ônibus, em ambos os sentidos da Avenida São Paulo.

A estrutura do ponto, em cada um dos sentidos, conta com quatro coberturas metálicas sustentadas por oito colunas de cerca de quatro metros de altura. Debaixo delas, há seis sequências de bancos com seis lugares cada – ou seja, 36 pessoas podem esperar pelo transporte público sentadas.

Estação de Transferência Amizade, no limite entre Americana e Santa Bárbara – Foto: Marcelo Rocha/Liberal

Em frente à estação, entretanto, funcionários de um posto de combustíveis assistem diariamente à ociosidade do projeto estadual. Um deles disse que não vê ônibus circulando pelo trecho ou passageiros embarcando e desembarcando por ali. Por outro lado, moradores de rua acampam na estação, que também costuma ser alvo de vandalismo e furtos.

Mais à frente, na Estação Contatto, no cruzamento entre a Avenida Alfredo Contatto e a Avenida São Paulo, outro trecho de trânsito movimentado, a reclamação é sobre acidentes. O fato de não haver ônibus circulando nas faixas exclusivas faz com que muitos motoristas aproveitem a ampliação como uma terceira faixa da Avenida São Paulo. Nas conversões para a Avenida Alfredo Contatto, em um semáforo, é comum haver fechadas de quem está na faixa correta sobre quem quer seguir reto pela faixa exclusiva, conforme relatou um comerciante de veículos.

Na Estação Algodão, próximo à Rua do Algodão, na zona leste barbarense, o ajudante Valter Corvate, de 49 anos, disse ao LIBERAL que mora há três anos na casa que fica na Avenida São Paulo, em frente ao ponto de ônibus.

Ele fala sobre a baixa circulação de ônibus pelo local e reclama que a estação poderia ser utilizada por linhas urbanas, de responsabilidade da prefeitura. “Tem gente que fica nesse ponto e desiste”, disse. Segundo ele, a estação também é ponto de descarte de entulho e sofre com furtos de corrimão.

O técnico de manutenção Rodrigo Fernandes de Andrade, de 44 anos, vive em frente à Estação de Transferência São Paulo, semelhante à da Avenida da Amizade, na região do bairro Planalto do Sol e Cidade Nova 2. Ele mora no local há 14 anos e disse ter acompanhado a obra do Corredor Metropolitano na expectativa de que o movimento na Avenida São Paulo fosse aumentar, o que teria ocorrido antes da pandemia, mas hoje, minguou.

Na mesma estação, enquanto conversava com Rodrigo, o LIBERAL encontrou o eletricista e garçom Ariel Fiorese, de 38 anos. Ele estava aguardando sentado em um dos bancos do ponto, mas não esperava por um ônibus, e, sim, por uma carona. “Pra mim seria ótimo”, comentou, sobre se o Corredor funcionasse. Ele contou que, no final do ano, chegou a ver um churrasco sendo feito na estação ociosa.

Corredor só tem uma linha em Americana e Santa Bárbara

A linha 750 é a única que percorre o traçado do Corredor Metropolitano entre Americana e Santa Bárbara. Segundo informações da EMTU, nos dias úteis, há três horários em que o ônibus parte do rodoterminal barbarense (5h, 7h e 18h) e dois em que ele sai do Terminal Metropolitano, no Centro de Americana (6h e 17h). Aos sábados e domingos, ela não funciona.

Em março, o LIBERAL viajou na linha 750, em um ônibus que partiu às 17h do terminal americanense.

Durante o trajeto de 15 quilômetros, que durou cerca de 40 minutos, apenas 10 passageiros entraram no ônibus — que tem lotação máxima de 85 pessoas, sendo 45 em pé e 40 sentadas. Dos 14 pontos contados pela reportagem, o coletivo parou em apenas um para embarque de passageiro.

Linha 750 é a única que percorre o traçado do Corredor Metropolitano entre Americana e Santa Bárbara – Foto: Claudeci Junior/Liberal

Para quem usa a linha, o fato de o ônibus transitar praticamente vazio é algo positivo devido ao conforto. O bancário Adailto Cruz Miranda, de 60 anos, disse que gosta de pegar esse ônibus das 17h para descer no Cidade Nova, em Santa Bárbara, porque “vai rápido”. Porém, ele pediu para que mais linhas fossem implantadas.

O mesmo pedido foi feito pela doméstica Maria Eloísa Tezotto, de 58 anos. Ela contou que sai do trabalho às 15h e tem de esperar até 17h para pegar o ônibus no Terminal Metropolitano de Americana. “Eu demoro mais esperando o ônibus sair daqui do que dentro do ônibus. Chega a ser cansativo. Dá para pegar outros ônibus, fora do Corredor, mas esse vai mais rápido para o Cidade Nova. Só poderia ter mais horários”, disse.

Demora e falta de atratividade são problemas no Corredor

Ex-prefeito de Santa Bárbara entre 2013 e 2020 e atual secretário nacional de Mobilidade Urbana, Denis Andia citou o tempo que a obra levou para ficar pronta como uma das questões que frustraram a operação plena do Corredor.

Em meio à conclusão do trecho entre Santa Bárbara e Americana, a maneira como se dava o deslocamento – especialmente entre pequenas distâncias – mudou. O transporte por aplicativo se popularizou, por exemplo, pelo conforto e agilidade, ao mesmo tempo em que outros fatores tiraram passageiros do transporte público, como a alta na venda de motocicletas. Em seguida, a pandemia da Covid-19 fez com que as viagens despencassem e deixassem as empresas de ônibus no prejuízo.

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Denis pontuou a necessidade de integração entre os sistemas municipais e intermunicipais de transporte público. Ele defende que haja uma reorganização de linhas para atender as demandas dos municípios da região, que viram, por exemplo, o comércio e a oferta de serviços migrarem de regiões centrais para os bairros nos últimos anos – bem como o surgimento de novos loteamentos.

O ex-prefeito vê necessidade de um diálogo entre prefeituras e Estado para integrar o Corredor aos itinerários dos ônibus municipais.

“Acho que tem que haver uma reprogramação, uma reconstrução dos sistemas de transporte público em cada um desses municípios. Eles precisam funcionar de uma forma que os sistemas municipais se integram com o sistema metropolitano”, comentou Denis, em entrevista ao LIBERAL.

Obras do Corredor Metropolitano em Americana e Santa Bárbara tiveram paralisações – Foto: Marcelo Rocha/Liberal – 22/03/2016

O secretário ressaltou ainda que o Marco Legal do Transporte Público Coletivo, em discussão no Congresso, pode ser importante para dar segurança jurídica para mudar os modelos de prestação do serviço por parte de prefeituras, que, comumente, deixam na mão de empresas terceirizadas a gestão do transporte, por meio das concessões.

O arquiteto-urbanista e professor da PUC Campinas (Pontifícia Universidade Católica), Leandro Rodolfo Schenk, opinou em linha parecida com a de Andia, de que o Corredor Metropolitano pode interagir com outros modos de transporte público e também atender, com sucesso, às demandas intermunicipal, municipal e entre bairros.

Ele acredita que a diversificação do transporte público, como é feita em vários países, pode ser benéfica no futuro. Entretanto, Leandro disse que é preciso investir em ideias como a do Corredor sem pretensão de ter de imediato uma contrapartida financeira. Ou seja, é necessário colocar mais linhas para consolidar essa modalidade de transporte e assim atrair mais pessoas.

“Algumas coisas para que ‘peguem’ junto à população precisam de um investimento quase como se fosse cedido. É interessante soltar vários horários, ainda que não tenha uma quantidade grande de população usufruindo, porque isso vai permitir um aumento da oferta e uma popularização dessa oferta”, disse Leandro.

“Vai custar mais em um primeiro momento? Vai, mas é uma política pública. Uma política pública que precisa ter divulgação, precisa passar a entrar na cultura local, precisa mostrar vantagem e que pode trazer, no futuro, um ganho enorme na mobilidade urbana, porque você imagina quantos automóveis a menos vão deixar de congestionar as ruas e as avenidas”, completou.

O Terminal Metropolitano, no Centro de Americana, em obras no ano de 2016 – Foto: Marcelo Rocha/Liberal – 29/04/2016

Por sua vez, o ex-secretário-adjunto de Obras e que trabalhou, por anos, como autoridade de trânsito de Americana, Eraldo Camargo, acredita que a obra do Corredor Metropolitano, no papel, parecia ser ótima, já que passava por avenidas e prometia um transporte mais rápido. Porém, a ideia não vingou e ele não acredita que há solução.

“O transporte público no Brasil não atende ao que a pessoa quer. Usa o transporte público quem não tem condições de comprar um transporte particular. Por questão de conforto e de precisão para onde você quer ir. Sem contar que, no caso de Americana, há uma concorrência entre ônibus municipais e a EMTU”, disse Eraldo.

“Não vejo como incentivar o Corredor Metropolitano. A EMTU teria de pagar para ter o transporte público, para colocar mais linhas, o que não acredito que irá acontecer. A visão hoje é de que não dá para colocar mais linhas, porque não tem demanda”, completou.

Ainda de acordo com Eraldo, os projetos do terminal metropolitano e do rodoterminal não foram bons. No caso do terminal metropolitano, que foi motivo de reclamações de comerciantes na época da obra, ele apontou o estreitamento das calçadas ao redor, o trânsito confuso e os pontos de táxi, bem como a parte superior do local destinada a comércios, que permanece com boxes fechados. O LIBERAL visitou o piso superior do terminal e, de fato, não havia qualquer estabelecimento funcionando.

Já quanto ao rodoterminal, em Santa Bárbara, para Eraldo, só vai se tornar um projeto bom se houver um crescimento dos bairros que ficam em volta do local e se houver uma popularização do transporte público, o que pode levar anos para se tornar realidade.

O que diz a EMTU, responsável pelo Corredor

Sobre o trecho do Corredor entre Americana e Santa Bárbara, a EMTU afirmou que “o planejamento para circulação das linhas municipais e intermunicipais depende de adequações operacionais que estão em tratativas com a concessionária e com as prefeituras locais”.

Uma das adequações, por exemplo, seria a necessidade de ônibus do transporte municipal contarem com portas de entrada e saída do lado esquerdo – hoje, a maioria usa o lado direito para o embarque e desembarque de passageiros.

Ao LIBERAL, a Prefeitura de Americana afirmou que não foi procurada pelo Estado para discutir o uso do Corredor, e afirmou que o traçado não tem influenciado negativamente na malha viária do município. A Prefeitura de Santa Bárbara também foi questionada, mas não se manifestou sobre o assunto.

Quanto ao piso superior do terminal de Americana, a EMTU informou que os espaços comerciais já foram licitados e a empresa responsável irá alugar os boxes para a instalação de comércios. Não foi dado prazo para que isso ocorresse.

Em relação ao vandalismo, a EMTU informou que o Consórcio BUS+, responsável pela operação dos ônibus e conservação do corredor, “realiza vistoria rotineiramente nas infraestruturas instaladas e quando necessário, registra boletim de ocorrência e aciona os órgãos de segurança competentes, além de tomar as providências quanto à manutenção dos locais danificados”.

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