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Esteiras rolantes levando pedestres sob viadutos: uma proposta para São Paulo em 1974
Por Agência Estado
02 de março de 2024, às 07h41 • Última atualização em 02 de março de 2024, às 09h56
Link da matéria: https://liberal.com.br/brasil-e-mundo/brasil/esteiras-rolantes-levando-pedestres-sob-viadutos-uma-proposta-para-sao-paulo-em-1974-2125858/
Imagine transitar a pé sem grandes esforços por um grande trecho do centro da cidade de São Paulo. Essa era a proposta de um estudo elaborado pelo arquiteto Benno Peralmutter para aproveitar túneis construídos originalmente sob três viadutos para a passagem do Metrô, mas que não foram utilizados. Nesses gigantescos espaços vagos, em vez de linhas férreas, seriam instaladas esteiras rolantes e áreas de lazer e serviços.
O Jornal da Tarde teve acesso ao projeto entregue pela Emurb [Empresa Municipal de Urbanização] à Prefeitura e detalhou tudo na edição de 24 de janeiro de 1974 numa reportagem, não assinada, de Julio Moreno, repórter versátil, mas também um dos maiores especialistas nos temas planejamento urbano e crescimento da metrópole paulistana.
O sistema de galerias subterrâneas foi chamado oficialmente de Via Mecanizada para Pedestres e a intenção era que estivesse implantado até 1978, o que não aconteceu. O arquiteto Benno Peralmutter via no projeto das esteiras muito mais que um meio de transporte:
“A função da esteira não é só transportar. E também integrar o pedestre à cidade, novamente. Para isso, ele terá todo o ambiente ameno da esteira, os bares, os restaurantes, boutiques em volta e painéis com notícias sociais, culturais e esportivas da cidade. Nós queremos que, em 78, o paulistano faça esse trajeto se divertindo, vivendo a cidade.”
SOB O CHÃO DA CIDADE, UM GRANDE TAPETE ROLANTE
Os túneis sob os viadutos 9 de julho, Dona Paulina e Jacareí, serão usados para a ligação entre as praças Dom José Gaspar e João Mendes, por esteira rolante que passará ao lado de bares, lojas e painéis de notícias.
Da praça Dom José Gaspar à praça João Mendes em 10 minutos, sem fazer esforço, sobre uma veloz esteira rolante Subterrânea. Será um percurso agradável – com as cores alegres do túnel , a música ambiente, o ar condicionado, e interessante – com as lojas, bares e livrarias que existirão ao lado da esteira – em 1978.
A esteira dependerá de uma decisão que o prefeito Colasuonno vai tomar hoje, amanhã, ou, no máximo, segunda-feira.
Ele estará recebendo, em seu gabinete, um estudo de viabilidade da construção de sua galeria subterânea para pedestres. Uma galeria que, além de conduzir – de forma inédita – a população de um ponto a outro do centro, integrará o habitante à cidade, servirá como ponto de encontro e resolverá o problema de diversos cruzamentos críticos da área dos viadutos.
O plano nasceu com o Programa de Ação Imediata de Transportes e Tráfego (PAITT), de 1971. Nesse estudo, sugeria-se que as galerias existentes no interior dos viadutos 9 de Julho, Jacareí e Dona Paulina (galerias construídas para uma linha de Metrô planejada na administração Prestes Maia e depois abandonada) fossem aproveitadas para uma ligação eficiente – para pedestres – entre a praça Dom José Gaspar e João Mendes.
A Emurb contratou há dois meses o arquiteto Benno Peralmutter, um grande conhecedor da área dos viadutos, para o projeto. Durante 60 dias, ele e a sua equipe fizeram o trajeto entre as duas praças centenas de vezes, e trabalharam 14 horas por dia para achar uma solução. Anteontem o projeto ficou pronto.
A idéia é revolucionária. Mas, segundo Benno, perfeitamente viável, “pela própria existência de túneis no interior dos viadutos. A idéia é fazer uma galeria subterrânea de um quilômetro e meio de extensão, com quatro estações (inicial, na praça Desembargador Mario Pires; na esquina da rua Santo Antonio com viaduto 9 de Julho; no cruzamento da Brigadeiro com o viaduto Dona Paulina e final, na praça João Mendes) e com uma estreita rolante capaz de transportar 10 mil pessoas por hora de um lado para outro a 16 quilômetros horários, mais ou menos.
Apenas o estudo de viabilidade técnica está pronto. E ele mostra que não há grandes dificuldades para a construção da galeria. As únicas obras de porte serão as estações e a escavação de um túnel na rua Maria Paula (que não atrapalhará o tráfego porque será no canteiro central).
A Emurb está fazendo o estudo de viabilidade econômica. Mas já se calcula que os custos deverão girar em torno de Cr$ 50 mil o metro linear; Cr$ 50 milhões a obra completa. Benno diz que isso inclui lojas, restaurantes, sistemas de ar condicionado e painéis com notícias:
– A função da esteira não é só transportar. E também integrar o pedestre à cidade, novamente. Para isso, ele terá todo o ambiente ameno da esteira, os bares, os restaurantes, boutiques em volta e painéis com notícias sociais, culturais e esportivas da cidade. Nós queremos que, em 78, o paulistano faça esse trajeto se divertindo, vivendo a cidade.
Sob o viaduto Dona Paulina, a 16km/h
Depois da passagem pelo enorme interior do Viaduto Jacareí, o pedestre que estiver utilizando a pista mecanizada da Galeria Subterrânea, entrará novamente em um viaduto com o interior dividido em vários compartimentos: o viaduto Dona Paulina.
Como o viaduto 9 de Julho, o Dona Paulina tem quatro túneis paralelos no seu interior. Os dois centrais (bem mais altos que os laterais) serão usados para a via mecanizada (à direita) e para a via não mecanizada de socorro, à esquerda. Nesse trecho, como no viaduto 9 de Julho, os painéis com informações serão simplificados, já que a velocidade de passagem é alta – 16 quilômetros horários.
Nos dois compartimentos laterais- mais baixos, mais largos – ficarão as lojas, os bares e, provavelmente, áreas para exposições permanentes de arte. Além disso, serão melhor aproveitados os vitrôs que já existem na parede do viaduto, para que se tenha uma visão de toda a av. 23 de Maio.
A ligação do viaduto Dona Paulina com a rua Maria Paula será feita pela estação da rua Asdrúbal do Nascimento. Além disso, há um projeto para a construção de uma garagem no triângulo entre os viadutos Dona Paulina e Brigadeiro Luis Antonio. E o interior da garagem terá ligação direta com a Galeria.
Espaço até para exposições: viaduto Jacareí.
Se o projeto da Galeria Subterrânea para Pedestres for aprovado nos lugares onde atualmente se faz o alistamento militar, haverá exposições permanentes de arte, barbearias, lanchonetes, salas de jogos e diversões, dentro de quatro anos.
O mezzanino do viaduto Jacareí, com 35 metros de largura, 126 de extensão e 4 de altura, terá a maior área para aproveitamento comercial de toda a Galeria: 3.780 metros quadrados.
A área livre do viaduto Jacareí é tão grande, que inclusive no piso inferior – o da via mecanizada – poderão ser construidas lojas e galerias. E ainda sobrará muito espaço, para uma via não mecanizada de passeio e emergência.
A disposição das esteiras rolantes dentro do viaduto Jacareí segundo Benno Perelmutter, será a mais bonita e racional de toda a extensão da galeria. A via mecanizada será elevada, e o campo de visão dos que a utilizarem, enorme.
Os principais geradores de pedestres do Viaduto Jacareí serão os escritórios que existem nas áreas próximas, o Paço Municipal, o Edifício do INPS (que tem um escoamento diário – e fixo- de 1.440 pessoas) e o terminal de ônibus da praça das Bandeiras, que, através de um túnel de ligação sob o teatro e Viaduto das Bandeiras despejará diariamente, 20 mil pessoas na esteira rolante.
A parte mais pobre: o viaduto 9 de julho
Na futura Galeria Subterrânea para Pedestres, o viaduto 9 de Julho será um trecho fraco em atrativos. A divisão do espaço livre do seu interior em quatro túneis paralelos (de 4,60m de largura cada) não criará condições para a construção de lojas, bares e restaurantes.
Os 165 metros do viaduto serão usados exclusivamente para transporte de pedestres. As esteiras rolantes ocuparão os dois compartimentos centrais do viaduto. Cada esteira (incluindo-se as defensas laterais) ocupa pouco mais da metade da largura do compartimento.
O espaço restante será utilizado para uma passagem não mecanizada de emergência. Nos dois compartimentos do lado externo, haverá uma larga passagem não mecanizada para os pedestres que queiram apenas percorrer o interior do viaduto com mais calma.
Os motivos de interesse principais para utilização dessa passagem não mecânica serão os painéis com informações esportivas, sociais, culturais, a música ambiente.
No alto, à esquerda, o detalhe mostra o aproveitamento de um lado do viaduto, com a pista mecanizada no compartimento central e a não mecanizada à esquerda. À direita, outro detalhe, com o esquema atual de divisões de compartimentos do viaduto: e em baixo um corte longitudinal com extensão dos túneis paralelos no interior do 9 de julho.
O caminho sob as ruas do centro
O percurso total da Via Mecânica para Pedestres: um quilômetro e meio; indo da praça Desembargador Mario Pires à Praça João Mendes. E as estações, a inicial, na praça Des. Mario Pires, a da esquina da rua Santo Antonio com viaduto 9 de julho, e da esquina das ruas Asdrúbal do Nascimento e Brigadeiro Luís Antonio com o viaduto Dona Paulina e a estação final, na praça João Mendes.
Nos espaços pontilhados, estão as previsões de galerias subterrâneas (sem via mecanizada) que se estenderão da praça Des. Mario Pires à praça Dom José Gaspar, e daí, até a rua Basílio da Gama (2 e 3).
– do viaduto Jacareí ao terminal e ônibus da praça das Bandeiras, passando pelos baixos do teatro e da garagem das Bandeiras, já construídos (6).
– da praça João Mendes à praça da Liberdade, para atender aos passageiros que desembarcarão ou embarcarão na estação Liberdade do Metrô (11).
– da praça João Mendes à praça Clóvis Bevilacqua, para atender a longo prazo os passageiros da estação Bevilacqua do Metrô e a curto prazo, os passageiros do terminal de ônibus do Parque D. Pedro, já que há também um estudo para uma ligação subterrânea entre o Pátio do Colégio e a Praça Clóvis Bevilacqua (12 e 13).
As estações para a esteira
As quatro estações da Galeria para Pedestres terão, basicamente, o mesmo tipo de construção. Segundo Benno Perelmutter, o autor do projeto, a entrada será ampla, integrada o máximo possível com a calçada, para que o pedestre desça naturalmente.
Da calçada, a escadaria leva o pedestre a um mezzanino, de dupla utilidade: como passagem subterrânea sob a rua ou avenida, e como galeria, com serviços de utilidade pública (postos de Polícia, Telefônicos e Serviços de Informações), lojas, farmácias, boutiques e restaurantes. No piso inferior, fica a esteira rolante, no centro da estação. Nas laterais as vias mecanizadas de acesso, e as passagens não mecanizadas de emergência.
No alto, à direita, o detalhe mostra o sistema de funcionamento das vias mecanizadas de acesso à via principal. Longe da mecanizada principal, a auxiliar rola a 2,5 km/h (a velocidade que o homem se locomove).
Por um sistema de placas metálicas superpostas, ela faz uma trajetória parabólica, em direção à via mecanizada principal, aumentando de velocidade. Quando atinge a mesma velocidade da via principal (de 12 a 16 km/h), a pista auxiliar esta correndo ao seu lado, a uma distância mínima. O pedestre só precisa dar um passo lateral, para atingi-la. A saída da esteira faz-se da mesma forma.
Uma cidade agradável
Uma nova São Paulo, onde os pedestres tenham a sensação de que estão numa cidade agradável: sem o conflito diário com o trânsito, sem a falta de táxis, sem a fumaça e o barulho. Esse é o plano do arqüiteto Benno Peralmutter.
Há dois anos, ele apresentou à Prefeitura um projeto revolucionário para uma garagem no pequeno terreno triangular entre os viadutos Dona Paulina e Brigadeiro Luís Antônio.
E Peralmutter, 38 anos, arquiteto há 13, começou a ser considerado um dos maiores especialistas em “áreas dos viadutos” da cidade. Agora, depois de 60 dias de trabalho e centenas de caminhadas pelos viadutos 9 de Julho, Jacareí e Dona Paulina, ele entregou à Emurb o projeto da Galeria Subterrânea para pedestres, que considera seu melhor trabalho.
Jornal da Tarde
Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira. Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo. Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.