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Patrik Camargo Neves

João, Ronaldo e o Comandante Rolim. Ah, e a advocacia

Já atendi pessoas que têm histórias de vida muito mais interessantes, mais impressionantes que a minha, me chamando de doutor. Doutor em quê?

Por Patrik Camargo Neves

12 de julho de 2021, às 15h18 • Última atualização em 13 de julho de 2021, às 14h45

Nunca gostei de ser chamado de doutor. Na verdade, nunca entendi muito bem o motivo dessa denominação no meio jurídico. Esse termo, essa nomenclatura, só seve para distanciar o cliente do advogado e isso é tudo que tento evitar desde o primeiro dia que comecei a exercer a advocacia, há mais de vinte anos.

Já atendi pessoas que têm histórias de vida muito mais interessantes, mais impressionantes que a minha, me chamando de doutor. Doutor em quê? E ainda que eu tivesse direcionado minha carreira para a área acadêmica, ainda que eu tivesse realmente feito um doutorado, por que raios eu deveria ser chamado de doutor? Sou Patrik, simplesmente. E já nos meus 46 anos, muito perto dos 47, talvez esteja me encaminhando para ser o Sr. Patrik, mas não o dr. Porque por mais que eu estude, por mais conhecimento que eu acumule, eu ainda vou preferir ser apenas o Patrik, mais próximo do meu cliente, mais envolvido com o mundo dele ao invés de impor o meu.

Atender e fazer melhor – Foto: Alexandre Bassora

Nunca me esqueço de um caso contado por um querido amigo, há quase trinta anos. Na época ele estudava biomedicina e estava iniciando seu estágio em um laboratório de análises clínicas. Logo no primeiro dia o colocaram para atender o balcão, para aprender a atender as pessoas. Ele conta que um senhor muito simples se aproximou do balcão, viu o atendente que usava um crachá com o seu nome e seu cargo: João, biomédico. Este senhor se aproximou educadamente e disse:

“Bom dia, João. Me chamo Ronaldo e vim buscar os resultados do meu exame. O senhor poderia pegá-los para mim, por favor?”

Neste momento, o tal do João, demonstrando impaciência, disse:

“Dr. João, por favor”.

Aquele silêncio perturbador. O senhor Ronaldo olhou com uma certa surpresa.

“Pode repetir por favor? Acho que não ouvi direito”.

“Dr. João”, respondeu o biomédico, apontando para o crachá.

O senhor Ronaldo olhou com paciência. “Ah, sim. Dr. João… claro. E onde o senhor concluiu seu doutorado?”.

E o João: “na verdade, eu não fiz doutorado. Eu me formei em biomedicina e por isso eu tenho direito de ser chamado de doutor”.

O senhor Ronaldo com a tranquilidade que só a idade e a serenidade conferem, disse:

“Ah, sim… compreendo. Olhe, eu sou físico, fiz minha graduação na USP, meu mestrado na universidade tal, o doutorado fora do país e o pós-doutorado em outro país. Então, como o doutor aqui sou eu, será que você pode gentilmente pegar os resultados do meu exame, João? E pode me chamar de Ronaldo”.

Sempre que recebo alguém no meu escritório, eu me lembro do saudoso Comandante Rolim, o fundador e eterno presidente da TAM, estendendo um tapete vermelho na entrada do avião para seus clientes. Um super empresário, uma pessoa que gerou milhares de empregos, impactou severamente o mercado em que atuou, que mudou o jogo da aviação no Brasil. E que se colocava humildemente na posição de estender um tapete vermelho para todos os passageiros, da classe executiva ou da econômica. Mais: ele ainda recebia os passageiros com um sorriso, acolhendo e abraçando aqueles que tinham medo de voar de avião, transmitindo confiança e segurança.

Então, meu exemplo não é o João. É o Comandante Rolim, porque é isso que tento buscar todos os dias. Esse acolhimento, conseguir oferecer e transmitir essa segurança, mostrar para o meu cliente que a jornada jurídica pode ter turbulências, pode realmente dar um pouco de medo, mas eu estarei sempre lá. Estendendo o tapete vermelho, acolhendo, servindo, atendendo e fazendo o meu melhor. Sem o Dr. e sem o terno e a gravata.

Patrik Camargo Neves

Advogado de Americana, especialista em direito empresarial, aborda o cotidiano e os desafios de empreender em textos às segundas