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Alessandra Olivato

Tudo de novo: nada de novo

Entendamos de uma vez por todas: o que move um político, em primeiríssimo lugar, é o poder

Por Alessandra Olivato

22 de dezembro de 2021, às 08h04 • Última atualização em 22 de dezembro de 2021, às 08h07

Em um jantar pago por uma associação de advogados para cerca de 500 convidados em um dos restaurantes mais chiques de São Paulo, os velhos batutas Lula e Geraldo Alckmin encontraram-se para falar de seus planos futuros para o país. “Inimigo” é uma palavra fugaz no universo político. Ela pode dizer respeito a pessoas que têm interesses contrários em uma dada conjuntura – que por natureza é passageira – e que por motivos aleatórios não estão alinhadas naquela ocasião sobre os melhores métodos de obter o poder. Pode-se considerar um ínfimo número de políticos  de fato inimigos pela fantasiosa divisão entre bem e mal existente no imaginário popular, pela ingênua ideia de que alguns têm como interesse apenas o bem do país enquanto outros desejam o mal ou não estão nem aí. Entendamos de uma vez por todas: o que move um político, em primeiríssimo lugar, é o poder. Seja pela possibilidade de enriquecer ou por pura ambição e vaidade mesmo. Em raríssimos casos o poder lhe interessa para poder realizar algo em prol apenas do outro. Esse interesse existe aqui e ali? Sim, claro, mas a questão é que ele não exclui as motivações anteriores.

Esclarecido isso, pode-se dizer que Lula e Alckmin nunca foram inimigos, mas sim adversários ocasionais. Vendo as últimas notícias sobre a aproximação de ambos, anterior inclusive ao jantar, foi automático lembrar-me da resistência com que colegas de esquerda sempre se referiram a Alckmin, aliás, a qualquer político do PSDB. Sobre Alckmin, um político esquivo, falsa, neoliberal, capitalista, reacionário, defensor do moralismo familiar tradicional à que a esquerda, de forma bastante majoritária, guarda certo desprezo. E o que ouvimos agora Lula dizer? “Não importa se no passado fomos adversários. Se trocamos algumas botinadas. Se no calor da hora dissemos o que não deveríamos ter dito. O tamanho do desafio que temos pela frente faz cada um de nós um aliado de primeira hora.” Hahahahahaha!!! Se acredito nas palavras de Lula, sugerindo que existe uma missão de salvar o país do tão falado fascismo bolsonarista e colocar novamente o país “no rumo certo”, missão que estaria acima de qualquer interesse pessoal dele ou de Alckmin? O pior é que em parte acredito. Apesar de ser convicta ex-eleitora de Lula e da maioria dos políticos petistas já há um tempo, quem me conhece de perto sabe que eu nunca disse que Lula é mal intencionado. Nunca achei. Ainda acho que as boas intenções em relação ao país são em boa parte sinceras. O que ocorre é que não acho que essa intenções não são maiores que sua arrogância e vaidade.  

É inevitável não rir do ponto a que as coisas chegaram – o mártir da esquerda comendo do bom e do melhor em um restaurante capitalista e “burguês”, frequentado pela elite do país, em um jantar patrocinado por um grupo representativo dessa elite, com um de seus maiores “inimigos do passado”. Sensação muito parecida tive quando Temer foi convidado para ser vice de Lula – o Temer que também era achincalhado pelo discurso de esquerda.

É claro que defendo a ideia de que deveríamos todos deixar mais as diferenças de lado na busca de melhores soluções seja no âmbito de uma eleição presidencial, seja no trabalho, seja com os vizinhos, na própria família, sempre é sinal de maturidade e sensatez deixar melindres pessoais de lado para buscar o melhor para um grupo.

Isso posto, pode ser que confirmada essa aliança e, dada uma probabilidade ainda desconhecida, talvez vencedora,  possa fazer um governo melhor do que hoje está aí? É uma possibilidade, até porque não seria difícil. Pode ser que não se confirme e que haja reviravoltas? Pode. Pode ser que Bolsonaro vire a mesa e ainda vença? Pode. Guardadas as devidas probabilidades, que são diferentes, tudo pode acontecer. A aliança entre Lula e Alkmin ainda não está formalizada. Vai depender de uma série de coisas, como o entendimento dos respectivos partidos e aliados. Mas, além do declarado “interesse geral da nação”, quais seriam de fato a motivação? O fato nítido e cristalino de que ambos desejam o poder e a compreensão mútua de que não é vantagem para nenhum dos dois concorrerem entre si – ou se aliam ou um desiste. E acreditem: essa desistência unilateral não seria sem prometidas compensações. Dois mestres da retórica política, dois macacos-véios do poder brasileiro. Como os discursos mudam, não? Vai ser interessante. Isso pra quem acredita ainda em alguma novidade, porque eu tenho preguiça.

E o que não entra mesmo na minha cabeça são as discussões e inimizades que serão acirradas pelo jogo eleitoral, mais uma vez. Gente terminando amizade de anos, famílias se dividindo por conta de políticos. Pessoas defendendo seus mitos de lá e de cá a ferro e fogo enquanto eles se esbaldam em jantares caros e em um sem número de almoços dispendiosos em Brasília. Ô gente, acorda, por favor!!

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.