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Histórias do Coração

Sobre o amor em Buenos Aires

Peço que os textos das próximas semanas sejam lidos, de preferência, com a companhia de uma taça de vinho ou de uma colherada de doce de leite

Por Carla Moro

09 de janeiro de 2022, às 12h39 • Última atualização em 09 de janeiro de 2022, às 12h40

A coluna deste domingo foi escrita em Buenos Aires. Ficarei aqui durante todo o mês. Então, peço que os textos das próximas semanas sejam lidos, de preferência, com a companhia de uma taça de vinho ou de uma colherada de doce de leite. Assim, vocês que me leem poderão sentir comigo um pouco da alegria que é estar aqui.

Como escritora, o ato de observar tudo ao meu redor é uma ferramenta de trabalho. Em muitas colunas, eu falei sobre a importância de saber ver o amor. Bem, para quem escreve, saber ver também é movimento contínuo: interno e externo. Desde que cheguei em Buenos Aires, tenho mantido meus olhos ainda mais abertos.

San Telmo – Foto: Arquivo Pessoal

Estou morando em um bairro chamado San Telmo, muito antigo e tradicional aqui na Argentina. Suas ruas são de paralelepípedos, há muitas praças e casarões com janelas imensas que dão para a rua. Em San Telmo, caminhamos olhando para o alto: é o único modo de dar conta da altura das janelas, portas e sacadas cheias de vasos de flor.

Aos domingos, acontece a feira de San Telmo, que ocupa boa parte da rua Defensa – uma rua comprida, que termina na Praça de Maio. Eu, como boa turista, também subi a rua olhando as barracas de artesanato e uma infinidade de produtos que é vendida ali. Em uma das esquinas, eu vi um casal sentado no meio-fio.

O casal, no chão de paralelepípedos, se beijava. Mas não era um beijo qualquer. Era aquele beijo cheio de vontade, quando se quer sentir o outro com todas as forças. O homem usava uma jaqueta de couro e botas, tinha o cabelo bem branco e uma barba branca bem aparada. A mulher tinha por volta de quarenta anos e era muito bonita, como todas as argentinas que vi até agora. Seu cabelo era bem preto e ela segurava o rosto do homem com as duas mãos. Era domingo, na feira de San Telmo, e o amor estava ali, sem se importar com todos aqueles turistas.

Passei o dia com aquela imagem na cabeça, pensando em como o amor envolve a gente em uma bolha de alegria e desejo. Qualquer um que passasse naquela esquina seria completamente ignorado, porque o casal só tinha olhos um para o outro.

Na segunda-feira, quando saí na hora do almoço para fazer compras, vi outro casal, mais jovem, parado em outra esquina. Em pé, a moça chorava e gesticulava. O moço, indiferente e de braços cruzados, olhava para qualquer ponto da rua, menos para a mulher de pele bronzeada e vestido coral.

Não é preciso entender espanhol para saber que, se aquela cena ainda não representava um término, ele já deveria estar bem próximo. A distância entre eles, embora estivessem frente a frente, era maior que todos os quilômetros da rua Defensa que eu havia atravessado no domingo.

As esquinas, nessas duas cenas, são mais que pontos no mapa na Cidade Autônoma de Buenos Aires. Para o primeiro casal, a esquina era o encontro de duas ruas e o encontro deles próprios, sentados no chão de paralelepípedos e se desejando como se nada mais no mundo existisse. Para o casal mais jovem, a esquina era o ponto da separação, onde cada um poderia seguir por ruas opostas, dando as costas para o amor que terminava. Para mim, que sou escritora, as duas esquinas eram, além de tudo isso, também história.

Carla Moro 
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colunahistoriasdocoracao@gmail.com

Carla Moro

Formada em Letras pela Unesp, Carla Moro faz neste blog um registro da trajetória dos casais! Quer sugerir sua história para a coluna? Envie um e-mail para colunahistoriasdocoracao@gmail.com