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Resenha: ‘A Vida Invisível de Eurídice Gusmão’, de Martha Batalha
Por Marina Zanaki
20 de agosto de 2022, às 09h10 • Última atualização em 22 de agosto de 2022, às 07h33
Link da matéria: https://liberal.com.br/colunas-e-blogs/resenha-a-vida-invisivel-de-euridice-gusmao-de-martha-batalha/
No clássico “A Mística Feminina”, Betty Friedan descreve um problema sem nome que aflige as mulheres da classe média americana do pós-guerra, obrigadas pelos papéis sociais a viverem exclusivamente para o lar. É dessa angústia que padece a personagem principal de “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”. A recifense Martha Batalha apresenta no livro uma mulher brilhante, mas que não realiza nada.
O livro se passa no Rio de Janeiro de 1940, e retrata uma sociedade onde as mulheres são criadas para se tornarem boas esposas. Eurídice Gusmão é a personagem principal dessa história, uma mulher inteligente e que se destaca em todas as áreas que se dedica, mas acaba enclausurada no papel de mãe e esposa.
Ela tenta se adaptar ao que esperam dela e cria até um nome para essa personalidade – “Parte De Eurídice Que Não Queria Ser Eurídice”. Mas acaba sempre encontrando novos projetos para preencher seus dias, como escrever um livro de culinária e montar um ateliê de costura, que acabam enterrados assim que passam pelo olhos do marido.
A história de Eurídice é de uma mulher de classe média, e a autora tem bastante clareza que está fazendo um recorte parcial da condição da mulher. Outras personagens passam pela história, muitas com vidas mais trágicas do que a de Eurídice – como sua irmã, uma empregada doméstica e uma ex-prostituta. Com essas múltiplas tramas, Martha pincela limitações que as mulheres enfrentam.
Amarrando tudo isso, há um narrador irônico e uma história cheia de reviravoltas, que fazem essa leitura mais leve do que o tema faz parecer possível. Foi um dos melhores livros que li este ano.
No ensaio “Um teto todo seu”, Virginia Woolf questiona o que aconteceria se o talento de William Shakespeare tivesse nascido em uma mulher. Após imaginar várias hipóteses, a autora conclui que provavelmente ela não poderia dar vazão à sua genialidade e teria sucumbido às opressões de gênero. Eurídice Gusmão parece ser a personificação desse potencial perdido.
“Esta é a história de Eurídice Gusmão, a mulher que poderia ter sido”, Martha Batalha.
Repórter do LIBERAL, a jornalista Marina Zanaki é aficionada pela literatura e discutirá, neste blog, temas relacionados ao universo literário.