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Alessandra Olivato

O tiro que sai pela culatra

O radicalismo de parte das minorias tem levado sua defesa a ser cada vez menos compreendida e leva a perder sua legitimidade

Por Alessandra Olivato

03 de novembro de 2021, às 07h43 • Última atualização em 03 de novembro de 2021, às 09h35

Durante as últimas décadas cresceu exponencialmente a defesa de todas as chamadas “minorias” sejam de negros, de pobres, pessoas com deficiência física, pessoas obesas ou acima do peso e, talvez, a de maior destaque, das pessoas com preferências sexuais não heterossexuais sob um leque variado de identidades sociais – os chamados gêneros, que utilizam hoje a sigla LGBTQIA+, ou seja, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, não-binários etc.

Uma primeira coisa que muita gente ainda não entende é o próprio conceito de gênero que, resumindo, é a identidade social com a qual você se identifica e com a qual você quer ser tratado socialmente que, no geral, está ligado à preferência sexual. Assim, há várias identidades sociais entre as pessoas não heterossexuais.

Assim como ocorre com os negros há séculos, há décadas essas pessoas têm sido vítimas de violência física ou de perseguição moral em toda parte do mundo, o que levou a uma defesa cada vez forte do direito de essas pessoas não serem discriminadas e de não sofrem agressões por conta de suas preferências. A sociedade foi chamada a pensar sobre a questão, e não poderia ser de outro jeito. Diferente das estrelas e das plantas, nossos pensamentos, nossa cultura, nossos valores e modos de ser são mutáveis. E, por isso, a compreensão de que a forma como nos expressamos, nos organizamos e vivemos sofrem mudanças é um aprendizado inevitável uma vez que temos um interesse em comum: garantirmos cada vez mais um mundo mais seguro e tranquilo, que é nos permite sobreviver.   

No geral, a percepção de que a vida é feita de adaptações e aprendizados vem acompanhada de um aumento do bom-senso. E o bom senso e a lógica ensinam que o que uma pessoa faz entre quatro paredes, desde que não prejudique ninguém, diz respeito somente a ela.  Como eu sempre gosto de lembrar, menos que uma questão de sentimento, é uma questão de lógica. Para a paz e a segurança coletivas, é melhor aceitar esse fato.

Mas como tudo o que diz respeito à vida em sociedade, há poréns que tornam a questão complexa. Um deles é de que aceitar e não discriminar não significa gostar ou concordar. Volto a enfatizar que a aceitação da diferença é a premissa da paz e segurança coletivas que é melhor pra todos nós. Mas, na prática, a aceitação que permite isso diz respeito a uma atitude e não a um sentimento, dado que esse é íntimo por natureza. Outro porém: o fato de que negros, pobres, pessoas com alguma limitação física ou homossexuais não necessariamente são melhores pessoas do que qualquer outra que não tenham alguma dessas características. Em um mundo verdadeiramente não preconceituoso pararemos de considerar as pessoas melhores ou piores por terem tais características ou por não as terem. De uma vez por todas, ser “bom”, ser virtuoso, ser coerente e digno não tem a ver com ser branco ou preto, pobre ou rico, empregado ou patrão, homo ou heterossexual.

Infelizmente não há como negar que qualquer pessoa que tenha uma ou mais características que identificam as chamadas “minorias” tenha a mesma aprovação social do que uma pessoa que não é nem preta, nem pobre, nem homossexual, nem gorda e não tenha nenhuma limitação física, sobretudo se for homem. Ou seja, ser homem heterossexual, branco e não pobre te dá, em outras palavras, vantagens e facilidades maiores do que à maioria das pessoas. Se for bonito e bem-sucedido então, nem se fale.  

A defesa das identidades de gênero é legítima? É. O direito de serem aceitas e respeitadas é indiscutível.  Mas, como não é garantido que sejam pessoas melhores do que quaisquer outras encontramos aí também equívocos, exageros, arrogâncias. E, por isso, temos assistido não mais apenas à defesa legítima de seus direitos, mas a um ataque a quem quer que sinta e pense diferente. Em ocasiões mais exageradas, quase um preconceito e, não mais raras vezes, esbarrando no mesmo mal da perseguição ideológica ou moral contra o qual luta. Qualquer opinião virou uma ofensa.

Na última semana, o jogador de vôlei Maurício foi demitido porque expressou publicamente seu sentimento e opinião em relação à homo e bissexualidade, em virtude de uma notícia sobre um herói conhecido das telinhas. Boa parte de nós não concorda com sua ideia ou com sua atitude. Mas o que chama a atenção é de que uma opinião que poderia ter sido esquecida no minuto seguinte ganhou uma publicidade que qualquer profissional de marketing sonha em ter. Maurício foi demitido pelo clube porque fez um post e agora é alvo de mais de uma ação jurídica. E se ninguém lhe tivesse dado atenção?

Defendo e antes de defender, entendo a legitimidade de todas as causas de todas as minorias. Mas lamento a radicalidade com que algumas parcelas de alguma das minorias têm agido e se colocado. Porque seu radicalismo tem levado sua defesa a ser cada vez menos compreendida como tal, e tem levado a perder sua legitimidade. Não todos, mas muitos da causa não conseguem se comunicar e passam a alcançar o oposto do que almejavam a princípio – ou seja, a aceitação e a igualdade – pelo mesmo motivo que muitos radicais políticos não o fazem – porque o interesse principal não é o entendimento, e sim não serem contrariadas nem confrontadas. Ao realçarem a todo o momento sua diferença, dividem-se e enfraquecem a conquista da aceitação. Ao fazerem apologia à sua maneira de ser, reforçam o preconceito. Ao se deixarem ofender por tudo, dão publicidade imensa a algo que, pelo desprezado, seria mais rapidamente esquecido.   

Muito já se falou sobre a falsa cordialidade do brasileiro. O branco que frequenta a mesma festa que o preto mas que jamais casaria com um. Por outro lado, tal cordialidade não seria justamente a aceitação prática e possível que nos permite viver juntos a despeito de sentimentos contrários? Me diz aí quem nunca sofreu um preconceito na vida, uma dificuldade, uma contrariedade, uma frustração, uma não aceitação. É lógico que devemos lutar contra esse padrão mas se focarmos só nisso, deixaremos de obter o que de fato almejamos. Até a próxima!

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.