26 de abril de 2024 Atualizado 16:08

8 de Agosto de 2019 Atualizado 13:56
MENU

Publicidade

Compartilhe

Pelas Páginas da Literatura

Brasil com fome: ‘Quarto de Despejo’, por Maria Carolina de Jesus

Com a pandemia, 59% dos lares brasileiros passaram a viver em insegurança alimentar; leitura de “Quarto de Despejo” é um soco no estômago diante dessa realidade

Por Marina Zanaki

23 de junho de 2021, às 10h31

Começar o dia sem ter o que preparar no café da manhã, sair para a rua com fome e desesperada para levantar algum dinheiro. Ver o pouco recurso que conseguiu ser corroído por preços surreais no supermercado, voltar para a casa e tentar alimentar os filhos com menos comida do que eles precisam.

Esse é o cotidiano descrito de forma exaustiva, repetitiva e desesperadora em “Quarto de despejo – Diário de uma favelada”, de Maria Carolina de Jesus. Mas também é a realidade enfrentada por milhões de brasileiros, fortemente agravada com a crise econômica da pandemia.

“Quarto de Despejo – Diário de uma Favelada”, de Maria Carolina de Jesus – Foto: Divulgação

Mais precisamente, 19 milhões de pessoas vivem em situação de fome no país. O número foi apurado pelo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil e se refere a 2020. Apenas dois anos antes, eram 10,3 milhões de pessoas nessa situação.  

Outra pesquisa apurou que 59,4% dos lares enfrenta algum nível de segurança alimentar durante a pandemia. Essa situação se caracteriza quando a família não conta com alimentos em quantidade ou qualidade adequadas, ou ainda quando a falta de comida é uma preocupação. Esse estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, da Universidade de Brasília e da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha.

Para muitos, o conceito de fome está apenas no nível especulativo. É possível imaginar a situação e se indignar com isso. Contudo, conhecer de fato a fome é algo muito mais profundo.

Ela tem, por exemplo, uma cor. Maria Carolina de Jesus narra que, durante um dia em que estava com o estômago vazio, descobriu que tudo ao seu redor ficava amarelo. Após conseguir se alimentar, o mundo voltou às cores normais. Essa é uma das muitas passagens chocantes do livro e mostra, de maneira literal e também metafórica, que fome muda a forma como uma pessoa vê o mundo.

Adiei a leitura de “Quarto de despejo” por muitos anos. Sabia que era uma obra muito pesada e que mexeria comigo. Mas os livros sempre nos encontram na hora certa. Carolina chegou até mim em um momento em que o Brasil vive um cotidiano tão desesperador quanto o narrado por ela em seus diários.  

Existem muitas iniciativas de entidades públicas, privadas e do terceiro setor se mobilizando para arrecadação de alimentos e roupas. A doação para esses grupos é extremamente importante, pode salvar vidas e garantir condições mais dignas.

Contudo, o problema não vai ser resolvido com boas ações. A fome no Brasil é um problema conjuntural, agravado pela condução desastrosa da maior crise sanitária enfrentada pelo mundo nos últimos 100 anos. As desigualdades se acentuaram e a vulnerabilidade social aumentou.

Sem um governante com o mínimo de humanidade, o brasileiro foi colocado diante da cruel escolha de fazer o isolamento ou passar fome. E não é reduzindo o desperdício nos pratos, sugestão do Ministro da Economia, Paulo Guedes, que a insegurança alimentar vai ser resolvida.

Marina Zanaki

Repórter do LIBERAL, a jornalista Marina Zanaki é aficionada pela literatura e discutirá, neste blog, temas relacionados ao universo literário.