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Alessandra Olivato

Sobre pesquisas

No artigo desta semana, a socióloga Alessandra Olivato explica brevemente o que são as pesquisas de opinião para quebrar boatos sem fundamentos

Por Alessandra Olivato

14 de julho de 2021, às 07h29

Daqui até as eleições de 2022 cada vez mais seremos informados sobre a disputa eleitoral por várias pesquisas, tema que tem sido há tempo alvo de dúvidas e boatos sem fundamento. Quiçá eu possa esclarecer um pouco sobre o assunto hoje.

O argumento mais utilizado não só pelos que ignoram o que sejam as pesquisas como desconfiam totalmente delas é o famoso “nunca fui entrevistado e não conheço ninguém que foi.” Bem, isso é bem provável dado o reduzido número de pessoas que são entrevistadas em relação à população e os motivos que explicam isso são muito simples: primeiro, de ordem logística e financeira, já que tanto seria um trabalho hercúleo entrevistar toda a população além do que custaria uma fortuna e, segundo, porque não é necessário, e não é necessário porque duas áreas de conhecimento aqui se complementam lindamente para permitir ter uma ótima noção do que pensa toda uma população ouvindo uma pequena parcela dela.   

A primeira área e a que viabiliza isso é a estatística. Para explicar vou utilizar uma analogia banal mas muito clara. Pense que você fez uma sopa e quer provar antes de servir. O que você faz? Dá uma mexida na sopa para misturar bem todos os ingredientes e experimenta uma colher. Pronto, você sabe o sabor da sopa inteira. Concorda? A estatística funciona exatamente do mesmo jeito: coleta-se uma “colher” de toda a população, desde que essa colher – chamada de amostra – contenha também todos os “ingredientes” populacionais bem misturados. No caso de uma pesquisa eleitoral eles são, basicamente, a proporção de eleitores do país e sua distribuição por sexo, idade, escolaridade e região de moradia. Assim, a amostra, ou seja, o número de entrevistas a serem realizadas e onde elas serão realizadas deve conter o mais próximo possível essas características do eleitorado brasileiro. Se este for composto por 53% de mulheres e 47% de homens, a mesma proporção tem que estar na amostra, e assim por diante. Os “ingredientes” selecionados bem como suas proporções variam, claro, de acordo com cada tipo de pesquisa e respectivos objetivos.  

Definir muito claramente essa amostra não é simples mas é um procedimento básico de qualquer instituto de pesquisa sério como o são grandes institutos com Datafolha, Ibope e Ipsus, entre outros. Afinal, como quaisquer outras empresas, eles não existiram há décadas se seu produto não fosse genuíno e idôneo. Não faz sentido, certo?

Enquanto a estatística responde como as pesquisas são feitas, o que explica o porquê de o percentual de intenção de voto de 2.500 a 3.000 pessoas em uma pesquisa eleitoral chegar tão próximo ou até no percentual exato de toda a população? Quem explica isso, por sua vez, são as ciências sociais, com base em um de seus principais conceitos, o de cultura, que é a tendência de grupos de pessoas pensarem e se comportarem de forma semelhante conforme características como faixa etária ou escolaridade, ou contextos como região ou estado de moradia, entre tantos outros. É claro que isso não é assim exato e comporta exceções até porque a sociedade muda o tempo todo, mas as ferramentas teóricas das ciências humanas também conseguem explicar as exceções e as mudanças, na maior parte das vezes. Resumindo, a lógica é de que um único indivíduo entrevistado representa a opinião de centenas de outros que pensam como ele, enquanto que outra pessoa reflete a opinião diferente de outras centenas, e assim por diante. Cabe aqui uma importantíssima ressalva: é muito mais difícil fazer esse tipo de projeção em um país com a dimensão continental e a diversidade cultural do Brasil do que em países com culturas mais homogêneas, por assim dizer, o que representa uma dificuldade só possível de ser enfrentada porque os profissionais sérios de pesquisa têm ótima formação técnica, um fator bastante desconhecido da maioria das pessoas.

Mas, chegamos à derradeira colocação: ah, mas os institutos erram. Sim, claro, como em todos os campos profissionais erros acontecem devido a fatores técnicos e racionais. No caso de pesquisas pode ser, entre outros, alguma falha na definição da amostra, ou seja, na distribuição dos “ingredientes na colher” ou a eventos não previstos. Se feito um levantamento de intenção de voto hoje e ele for publicado daqui a quatro dias e nesse meio tempo vier a público um escândalo sobre corrupção sobre algum dos candidatos, pronto: os dados coletados sofrerão provavelmente já alguma alteração. Esse é um dos motivos porque se fala em margem de erro, por exemplo.

Essa breve explicação nem de longe retrata essa apaixonante área de atuação que conta com muito planejamento, treinamento de equipes, elaboração de mecanismos de controle de vieses e de fraudes, cálculos estatísticos, monitoramento de campo e, finalmente, análises cuidadosas de planilhas de dados quantitativos ou horas de entrevistas gravadas. Para terminar, não confunda os dados das pesquisas com a forma como elas são divulgadas, essa sim mais vulnerável a interesses parciais. Finalmente, se ainda resta dúvida de que existem pesquisas sérias, pesquise! Há notícias e informações disponibilizadas nos próprios sites oficiais que mostram uma história de acertos e precisão dignos de nota. Até a próxima!

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.