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Alessandra Olivato

A CPI da Covid e a nossa CPI

Além dos erros e falhas dos nossos governantes no enfrentamento da pandemia, a grande maioria de nós está colaborando expressivamente para tornar as coisas piores

Por Alessandra Olivato

23 de junho de 2021, às 07h20 • Última atualização em 23 de junho de 2021, às 07h28

Não bastasse o número de mortos a pesar a alma até dos mais racionais de nós, a angústia no peito pelos que perderam familiares e pessoas amadas e a incerteza sobre o nosso próprio futuro diante da pandemia da Covid, temos ainda que lidar com as persistentes falácias de plantão que nada de bom acrescentam ao momento atual, nem resolvem qualquer problema. Saindo um pouco do meu normal, permito-me hoje um pouco de acidez escancarando minha humilde opinião pessoal: além dos erros e falhas dos nossos governantes no enfrentamento da pandemia, a grande maioria de nós está colaborando expressivamente para tornar as coisas piores. Isso mesmo.

Ao invés de aproveitar a oportunidade para praticar o bom senso e a boa educação que se vangloria de ter e no mais das vezes desqualificando o outro, ao invés de praticar o silêncio respeitoso que o momento pede, ao invés de mostrar aquela espiritualidade e maturidade que tanto se adora propagandear, lota-se os ouvidos dos outros e as redes sociais – principalmente meio de nossa comunicação hoje – com falácias carregadas de ideologia e de ressentimento pela simples necessidade de querer ter razão, de querer se mostrar melhor do que os outros e na grande maioria das vezes ancorados apenas no critério simplista de ter ou não votado nesse ou naquele presidente ou governador, aproveitando-se do momento para atuar em um palco político tal qual o da CPI da Covid do qual, ao fim e ao cabo, ninguém sairá vencedor. Oras!

Para lembrar: falácia é uma conclusão equivocada baseada na construção de uma argumentação falha e frágil. Por exemplo, chegar a uma conclusão a partir de notícias falsas, construir uma ideia com base em conceitos errados por não dominar minimamente o vocabulário, estabelecer uma relação de causa e efeito entre dois eventos que na verdade não existe etc. O problema das falácias sempre permeia meus pensamentos por pensar ser uma necessidade das mais relevantes nesse mundo contemporâneo inundado de informações, opiniões e boatos de todos os tipos. E que relação tem o termo com minha humana contrariedade de hoje? Pois bem, relaciona-se a um cansaço e a uma flagrante irritação de ver e ouvir todos os dias como um grande número de pessoas se aproveitam também do momento atual para nada mais que destilarem ressentimentos pessoais e ódios ideológicos com o intuito primeiro de atacarem o outro, ao invés de fato de querer ajudar alguém. Sim, porque o volume de discussões a que temos assistido em todos os lugares não contribui para nada, só alimenta a desesperança e nos empurra para baixo.

Eu poderia preencher páginas e páginas falando das inúmeras falácias que têm nos levado a cair nesse círculo vicioso: opiniões e conclusões mal construídas sobre a necessidade ou não da vacina e da máscara, sobre a existência ou não de uma conspiração internacional que criou o vírus, sobre o que a Juliana Paes e a Ivete Sangalo legitimamente disseram, inclusive sem ofender ninguém, sobre uma comparação incomparável entre os países no enfrentamento da crise, sobre estarmos vivendo sob uma ditadura e, claro, sobre denúncias até mesmo protocoladas contra o “genocida” do presidente. De uma vez por todas!! Genocida é alguém que intencional e sistematicamente extermina ou manda exterminar pessoas. Ditador é aquele que faz de tudo para se perpetuar no poder e que passa a eliminar e oprimir opositores. Então, vejamos bem. Bolsonaro não é um genocida. É um presidente eleito democraticamente que tem se mostrado na maior parte do tempo incompetente e irresponsável na questão da pandemia, além de demonstrar uma infeliz ignorância sobre ciência. Entretanto, creditar a ele a responsabilidade por todas as mortes é uma falácia logicamente insustentável. Como uma única pessoa é responsável por quem vai viver ou não devido a um vírus sobre o qual não se chega a um consenso nem entre médicos e que ceifaram vidas em todo mundo? Se ele é responsável direto pelas mortes, então todos os outros presidentes são responsáveis por todos aqueles que morreram em seus países antes de comprarem as vacinas. É óbvio que o atual Presidente tem sua responsabilidade como chefe executivo da nação, bem com todos os governadores, prefeitos e autoridades da saúde e, ainda, todos os que vieram antes e não investiram satisfatoriamente em saúde, inclusive Lula, tido como mito tanto quanto Bolsonaro.

Por falar nisso e para refrescar a memória, em campanha para a realização das Olímpiadas no Brasil em 2011, o ex-presidente declarou: “Nós precisamos fazer disso (as olímpiadas) um motivo de orgulho para nosso país. Agora tem gente que acha que não pode fazer olímpiadas porque não tem hospital. Olha, sinceramente eu acho isso um retrocesso”. Mas vamos conceituar direito. Hitler, Mussolini, Pinochet foram genocidas ou ditadores, não Bolsonaro nem Lula. Ambos foram legitimamente eleitos em um país democrático em que os eleitores arcam com as consequências de suas escolhas políticas, um país democrático a ponto de podemos discordar abertamente uns dos outros, mesmo baseados em falácias.

 E ainda tem o circo da CPI da Covid. Que lógica tem uma investigação sobre eventos que ainda estão acontecendo e pessoas que ainda estão envolvidas? Ainda que traga alguma informação a mais, está claro que se trata de um palco de interesses partidários e pessoais e não uma preocupação real com a nação. E nós? Não temos certeza de nada, não temos profundo conhecimento científico ou epidemiológico, desconhecemos o que se passa por baixo dos panos na política internacional, mas continuamos mesmo assim a cultivar a velha e simplista divisão do mundo entre “maus” e “bons”. Sinceramente? Fizéssemos uma CPI de nós mesmos nessa pandemia, pouquíssimos não seriam condenados segundo os preceitos cristãos. Inclusive os “bons” e donos da verdade.

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.