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Memória

Casarões da época áurea do ciclo cafeeiro

Casarões impulsionam o turismo no Vale do Café e transportam os visitantes para o século 19

Por Agência Estado

13 de novembro de 2019, às 18h49

Um cenário de trama de época. Quem visita as fazendas e os casarões das cidades do Vale do Café, no interior do Rio de Janeiro, é imediatamente tragado pela história impregnada em suas paredes. Subir as escadarias e passar pelas grandes portas de madeira, adornadas por pesadas dobradiças de ferro, despertam uma curiosa sensação de deslocamento no tempo, misturada a um envolvente encantamento.

Ignore o estranhamento de achar que seus trajes estão errados, como se para estar ali fosse necessário outro vestuário, outro linguajar. Deixe-se levar. Você acaba de entrar nas residências daqueles que foram os poderosos barões do café no tempo do Brasil Império. Aprecie o som da pianola. Permita-se, também, ouvir o choro, a dor, as canções de lamento que os escravos entoam das senzalas e a esperança que pulsa no batuque de seus tambores em dias de festa no terreiro.

Foto: Divulgação
Quem visita as fazendas e os casarões das cidades do Vale do Café, no interior do Rio de Janeiro, é imediatamente tragado pela história impregnada em suas paredes

Situado na região do Vale do Paraíba, o Vale do Café já foi responsável por 75% de todo o café consumido no mundo. Apesar de carregar o grão no nome, a região não manteve a reputação de grande produtora. Seu apogeu foi no começo do século 19, durante o Segundo Reinado, entre as décadas de 1850 e 1860, tornando-se a mais rica do País. Mas o esgotamento do solo e a produção calcada na mão de obra escrava contribuíram para que tudo começasse a declinar por volta de 1870.

Hoje, porém, esse passado se transformou em matéria-prima turística para os 15 municípios que compõem o Vale do Café. Apoderando-se dele a partir de seus casarões antigos, de suas enormes fazendas preservadas (que hoje funcionam como pousadas, restaurantes e espaços artísticos) e das histórias que sobreviveram geração após geração, as cidades vivenciam um momento de pleno empreendedorismo.

OPÇÕES

A região serrana consegue atender às mais diferentes expectativas. Oferece opções para quem procura arquitetura histórica, museus, música, gastronomia, ecoturismo, praticar esportes ao ar livre ou apenas relaxar em meio a uma paisagem verde e montanhosa, com lagos e rios que cortam trechos de Mata Atlântica. Tudo isso emoldurado por um céu de um azul intenso.

A maneira ideal de explorar a região é de carro. As cidades são próximas e guardam uma distância média de 10 quilômetros entre si – dá para optar por ficar em uma pousada e fazer viagens curtas entre as atrações, ou dividir a estadia em mais de uma. Vai do gosto do viajante. A Rodovia Presidente Dutra é o melhor acesso para quem parte de São Paulo, e a viagem dura cerca de 4 horas.

Foto: Divulgação
Vassouras – Museu Casa da Hera

Vassouras, a joia da coroa

Para os aficionados por história e amantes da arquitetura, Vassouras é a joia da coroa no Vale do Café. A cidade floresceu durante os anos de glória do ciclo cafeeiro: ali, barões, viscondes, fazendeiros, intermediários e outros comerciantes fizeram fortuna e ergueram fabulosos casarões, que guardam até hoje características originais do século 19.

Muitas dessas construções foram tombadas e passam por processos de restauro e preservação. Contemplada pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) das Cidades Históricas, Vassouras hoje assiste a prédios (como o Palacete do Barão do Ribeirão, onde funcionou o antigo Fórum da cidade) passarem por um meticuloso trabalho coordenado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

Comece o city tour pela PRAÇA BARÃO DO CAMPO BELO, coração e cartão-postal da cidade. No alto está a Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, construída em 1828 com toques de barroco e rococó. Antes de o café se transformar na principal fonte impulsionadora da economia local, Vassouras era conhecida por ser ponto de parada para quem transportava ouro de Minas Gerais até o Rio de Janeiro. Todo o centro histórico desperta lembranças de cenários encontrados em Ouro Preto (MG) e Petrópolis (RJ).

Foto: Divulgação
Fazenda Aliança

A influência mineira é também deliciosamente sentida à mesa. Tutu de feijão, farofa, couve refogada na manteiga, banana frita, torresmo crocante e linguiças das mais variadas são clássicos dos cardápios locais. O restaurante Relíquia, que fica na praça, é um bom local para desfrutar dessa culinária.

Pelo centro de Vassoura

Seguindo a rua que desce a partir da Igreja encontra-se o Centro Cultural Cazuza. O casarão de 1845 pertenceu à família da avó (materna) do artista, e a mãe dele, Lucinha Araújo, nasceu na residência.

A instituição passou por uma restauração completa financiada pela Sociedade Viva Cazuza e hoje funciona como um polo cultural da cidade, oferecendo aulas de música gratuitas e apresentações de música, teatro e ópera. No segundo andar fica uma exposição permanente em homenagem ao cantor.
Outro lugar que merece destaque é o Museu Casa da Hera, que fica na chácara que pertenceu a Eufrásia Teixeira Leite (1850-1930).

Benfeitora da cidade de Vassouras e figura feminina emblemática, Eufrásia tem uma biografia fascinante. Foi namorada do político e abolicionista Joaquim Nabuco durante anos, mas nunca se casou. Independente, após receber uma gorda herança deixada pelos pais, foi viver em Paris. Fora do Brasil, investiu dinheiro na bolsa e fez sua fortuna crescer.

No casarão construído em 1830 estão expostos alguns dos pertences deixados por Eufrásia. Toda a parede da fachada é coberta por uma hera verde cuidadosamente aparada para não tampar as incontáveis janelas responsáveis por iluminar cada um dos 22 cômodos.

HERÓIS NEGROS

Também nos jardins é possível observar uma exposição que remonta um quilombo. No centro da montagem estão duas esculturas que representam heróis negros, Mariana Crioula e o marido, Manuel Congo, líderes do maior levante de negros escravizados registrado no Rio de Janeiro no século 19.

A história conta que 300 negros escravizados participaram da rebelião em 1838. A obra reflete a lembrança de que a riqueza ostentada pelos barões do café está estreitamente ligada ao sistema escravocrata que existiu no Brasil até a assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888. Os historiadores calculam que, no Vale do Café, a posse de escravos chegava a representar até 70% do patrimônio das famílias mais ricas.

Outra maneira de conhecer melhor a história dos negros escravizados é participar das apresentações conduzidas pela guia e turismóloga Andréa Pit – Pit de “pit stop de informação”, tamanho é seu conhecimento sobre Vassouras. Vestida com roupas brancas, turbante e colares de contas, Andréa interpreta Mariana Crioula e interage com os turistas, dividindo preciosos conhecimentos da história local.

Barra do Piraí, comida de fazenda (orgânica)

Acordar na Fazenda Aliança e observar o sol começando a iluminar o dia é perceber um quadro de rara beleza se revelar diante dos olhos. O cheiro de terra molhada invade a linda varanda do casarão, de onde é possível ver a névoa baixa que se levanta da grama do pasto depois do terreiro. Magníficos búfalos movem-se pelo cercado, a passos lentos.

Da sala, o aroma de café quente convida à primeira refeição. Na mesa, queijo fresco de búfala, geleias orgânicas, pães artesanais, ovos e leite produzidos no local, e sucos feitos com frutas colhidas na hora abrem o dia no campo.

A proprietária, Josefina Durini, que adquiriu a Aliança em 2007, conta aos visitantes como retomou o cultivo do café na fazenda e diz ter planos de expandir sua produção. Enquanto guia os convidados na degustação da bebida, ela explica que seu café carrega um sabor fresco e frutado graças ao preciosismo que acompanha seu processo de cultura, colheita, secagem e torra.

Com particular orgulho, a fazendeira mostra que manteve preservadas estruturas originais da propriedade, que data de meados do século 19 e pertenceu ao 3 º Barão do Rio Bonito. Uma raridade mantida na fazenda histórica é o sistema original de transporte e separação dos grãos utilizando água, a tulha de beneficiamento e o terreiro da secagem, construídos por volta de 1863.

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