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Bem-Estar

Excesso de reuniões virtuais provoca ‘fadiga de zoom’

A sensação de monitoramento a longo prazo traz reações cerebrais que tendem a nos afastar do conforto de uma situação presencial

Por Bruna Arimathea - Agência Estado

10 de abril de 2021, às 12h15 • Última atualização em 10 de abril de 2021, às 12h17

Pesquisa mostrou que a exposição excessiva às videochamadas são prejudiciais a curto e longo prazo - Foto: Adobe Stock

Ao longo do último ano, a sensação de exaustão causada por videochamadas foi sentida por muita gente que teve de trabalhar ou estudar em casa – o fenômeno ganhou até nome: “zoom fatigue” (ou “fadiga de zoom”). Agora, cientistas começam a entender melhor as causas do problema.

No final de fevereiro, uma pesquisa da Universidade Stanford mostrou que a exposição excessiva às videochamadas são prejudiciais a curto e longo prazo. Jeremy Bailenson, professor que liderou o estudo, detectou que, entre as causas do cansaço estão: a relação com os olhares de terceiros, a exposição à própria imagem na tela, a falta de exercício e a frustração em não conseguir se expressar por meio da câmera.

O primeiro fator descrito por Bailenson é uma espécie de estresse por ser o “centro das atenções”. Ele acontece porque cada um dos participantes da conversa recebe o tempo todo os olhares do grupo.

Para a neurocientista doutora pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Thaís Gameiros, a sensação de monitoramento a longo prazo traz reações cerebrais que tendem a nos afastar do conforto de uma situação presencial. “Com a câmera ligada você é o centro das atenções mesmo quando não fala. Somos muito sensíveis à avaliação social”, diz.

A nossa própria imagem transmitida na tela também joga contra. Dar aquela olhadinha na própria imagem antes ou durante uma reunião com vídeo é tentador. Mas ficar a maior parte do tempo se olhando pode entrar na conta do estresse.

“Diante da tela ficamos olhando o tempo todo para o nosso rosto e corremos o risco de nos desconectarmos do que está acontecendo”, explica Sylvia van Enck, especialista em dependência de Tecnologia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.

A pesquisa de Stanford recomenda: desligue a própria imagem. Isso pode diminuir a exposição e ser um fator a menos de estresse e autojulgamento. “No mundo real, se alguém estivesse te seguindo com um espelho constantemente – de forma que, enquanto você estivesse falando com as pessoas, você estivesse se vendo em um espelho -, seria loucura”, diz Bailenson.

Falta de expressão
Por um lado, as videochamadas turbinam a exposição da imagem. Por outro, eliminam tudo o que compõe uma conversa presencial: falar, gesticular, fazer caretas. Elisa Brietzke, psiquiatra e professora da Escola Paulista de Medicina, explica que nosso cérebro é programado para reconhecer sinais corporais. A falta deles é significativa para a frustração com a conversa. “O cérebro fica o tempo todo procurando por pistas visuais”, diz.

Como são essenciais para a compreensão, é necessário esforço para que eles ocorram na videochamada. O planejamento é um dos fatores de estresse encontrados por Bailenson.

As longas horas em aulas e reuniões colocaram as pessoas em um novo grau de sedentarismo – mesmo aquelas que já não eram ativas agora sofrem com a falta de pausas para se alongar, beber água e até ir ao banheiro. “Mesmo em uma reunião prolongada as pessoas levantam e saem. É uma coisa que na etiqueta da videoconferência pega um pouco mal”, explica Elisa.

E se os intervalos para o cafezinho são escassos, muitas vezes o tempo para praticar algum exercício é quase nulo. Por isso, Bailenson indica que é necessário fazer pausas periódicas para o corpo e a mente.

Adaptação
Segundo Thaís, todos os hábitos adquiridos na vida à distância podem ser resolvidos depois da pandemia. Mas, enquanto plataformas como Zoom, Google Meet e Microsoft Teams estiverem a todo vapor, notificações de exaustão provavelmente vão continuar sendo enviadas para o seu cérebro – todas as empresas foram procuradas pela reportagem, e só o Google não respondeu.

O Zoom compartilhou práticas de uso da plataforma, como recomendações de descanso.

Já a Microsoft diz que trabalha desde o ano passado com pesquisas sobre os impactos da videoconferência em seus usuários Segundo a empresa, algumas ferramentas, como o “Juntos”, que permitem que todos os participantes tenham o mesmo plano de fundo na chamada, ajudaram a diminuir a discrepância de imagens na tela e a incluir os membros da chamada.

Algumas medidas são recomendadas. Pausas para caminhar, ir ao banheiro e beber água devem ser feitas periodicamente, além de, sempre que possível, tirar alguns momentos para desligar a câmera.

Reservar um local de trabalho especialmente para as chamadas também pode ajudar o corpo a entender quando é hora do trabalho. A regra, como para muitas coisas da pandemia, é uma só: é preciso se adaptar sem perder a qualidade de vida. “O ser humano consegue se adaptar. Então, podemos nos adaptar à nova rotina, mas ela precisa ser ajustada”, afirma Thaís.

Comportamento ‘narcisista’ é comum em videoconferências

A era das plataformas de vídeo veio para reforçar a recorrente plaquinha “sorria, você está sendo filmado”: o problema é sorrir demais – Foto: Adobe Stock

Não adianta negar: dez em cada dez pessoas tendem a olhar para a própria imagem quando entram em uma sala de conferência com a câmera ligada. Uma ajeitadinha no cabelo, um olhar pelo quarto para ver se tem alguma bagunça e, quando você percebe, não sabe mais o que o professor ou o palestrante está falando. Seria você um narcisista? A ciência explica que sim e que não.

Uma das causas mais primitivas que nos levam a ficar quase obcecados pela própria imagem é a nossa programação social de convivência. Somos dependentes do olhar e da aprovação do outro – por isso é tão difícil ignorar o fato de que podemos arrumar detalhes quando é possível, principalmente em frente às câmeras.

“É natural manter auto-observação quando você está se expondo a uma situação social”, explica Elisa Brietzke, médica psiquiatra, professora e pesquisadora da Escola Paulista de Medicina. As videochamadas, porém, levam esse tipo de situação a um status longe da naturalidade. “A gente não tem o mecanismo da auto-observação o tempo inteiro. Isso demanda um esforço extra. Você começa a somar coisas para prestar atenção”, explica.

Ainda assim, a opção de desligar a sua própria imagem em uma chamada parece ser absurda. O comportamento já foi apontado como um fator de estresse entre os usuários de plataformas de videoconferência. Mesmo não sendo o mais relatado, pode se somar a outros efeitos das chamadas e colaborar para a “fadiga de Zoom” – coleção de sintomas comuns nessa rotina.

Então, por que continuar se olhando? Para Sylvia van Enke, especialista em dependência de Tecnologia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, além da aprovação alheia, é também um momento de autocrítica. “Todos querem se apresentar de uma maneira que seja aceita. Pode ter um componente narcísico, sim, você espera que as outras pessoas te vejam com bons olhos”.

O melhor é saber dosar entre momentos de necessidade e de conforto com a tela. Entre as chamadas, experimente desligar a sua imagem ou mesmo, quando perceber que está olhando demais para si mesmo, focar em observar os outros personagens da chamada.

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