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Bem-Estar

Dislexia e a pandemia: como ajudar os filhos nas aulas remotas

Famílias devem procurar ajuda profissional para entender as dificuldades de aprendizagem, evitando pressões e corrida por diagnóstico

Por Isabella Holouka

02 de maio de 2021, às 09h17

Hoje com 11 anos, e aluna do 7º ano, a estudante americanense Laura Margutti demonstrou desde a pré-escola que “havia algo de diferente” com ela. A mãe, Mariany Margutti, 37, conta que a menina não conseguia acompanhar as atividades e acabava dormindo em sala de aula, o que suscitava suspeitas sobre uma possível anemia ou rotina inadequada de sono. “Ela não conseguia acompanhar a turma, e não se sentia incluída naquele ambiente, então se fechava”, contou a mãe.

A família buscou acompanhamento com fonoaudióloga, psicóloga e psicopedagoga, além de aulas de reforço e musicalização. Laura passou por uma avaliação multidisciplinar, teve o laudo concluído, como disléxica (dislexia é um distúrbio genético que dificulta o aprendizado e a realização da leitura e da escrita). Na escola, contava com auxiliar de classe, que atuava como apoio-leitor.

Com a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) e a necessidade de aulas remotas, a menina voltou a sentir dificuldade para se manter focada. “Eu parei de trabalhar, porque conhecemos essa dificuldade dela, a gente precisa estar juntos. Eu pergunto se o microfone está ligado, se a câmera está ligada. Às vezes, quando chegamos perto, ela está cochilando, porque não consegue acompanhar as aulas”, desabafa Mariany.

Mariany e a filha Laura: a importância da música na vida da filha – Foto: Ernesto Rodrigues / O Liberal

Ler junto e explicar quantas vezes for necessário, tentar recordar o que foi dito em aula, pesquisar sobre os temas juntos e tentar manter a autoestima são ações que os familiares prezam para ajudar Laura nos estudos. Mariany ressalta ainda a importância da musicalização para o desenvolvimento da menina, que tem aulas há 4 anos.

“Foram indicadas por vários profissionais. Ela começou com musicalização, que ensinou a lateralidade, a prestar atenção para separar os sons. Isso ajuda muito o disléxico com o foco, a concentração”, afirma.

Para a neuropsicopedagoga clínica americanense Débora Regina Piovezan, 47, e que também tem dislexia, neste período de pandemia os pais atípicos estão presenciando as dificuldades que aconteciam nas escolas, sendo que muitas famílias enfrentam desafios paralelos, como o desemprego ou o luto.

Ela incentiva que as famílias busquem a ajuda de profissionais para entender os déficits da criança, mas que evitem pressões desnecessárias e conclusões enquanto elas vivem um momento de privação do ambiente escolar, mesmo nos casos em que haja alguma defasagem ou perda de autonomia.

“Aos pais eu daria o conselho de não aumentar a dificuldade que eles estão vivendo com a pandemia e, sendo disléxicos, com relação a ter um objetivo e foco, mas diminuir a pressão sobre esses alunos. Senão teremos alunos com demanda na saúde mental futuramente”, avalia a especialista.

Segundo ela, a corrida pelo diagnóstico deve ser cessada. “A corrida deve ser para encontrar profissionais para estimular os filhos e, na ausência de possibilidades financeiras para isso, verificar se há alguma instituição para atendimento de reforço escolar gratuito”, recomenda.

Além disso, a especialista alerta para o risco de desenvolvimento de comorbidades concomitantes à dislexia em crianças e adolescentes, como discalculia (deficiência de aprendizagem específica em matemática), TOD (Transtorno Opositor Desafiador), ansiedade e depressão infantil.

Dislexia afeta até 17% da população

A dislexia é o distúrbio de maior incidência nas salas de aula e atinge entre 5% e 17% da população mundial, segundo a ABD (Associação Brasileira de Dislexia). Trata-se de um transtorno específico de aprendizagem na área da leitura, escrita e soletração.

Segundo a associação, podem ser citados como possíveis sinais de dislexia, na pré-escola e na idade escolar, desatenção e dispersão, dificuldade de aprender rimas e canções, dificuldade em copiar textos da lousa e falta de interesse por livros impressos. Em geral os estudantes demonstram dificuldade na coordenação motora fina ou grossa, além de desorganização geral, constantes atrasos em entregas de trabalho escolares e perda de seus pertences.

 A neuropsicopedagoga Débora Regina e seu filho Matheus Felipe: a importância de ter feito acompanhamento multidisciplinar desde a sua infância – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

A neuropsicopedagoga clínica Débora Regina Piovezan conta que as dificuldades são encontradas mais facilmente na escola e a fase mais difícil da dislexia é durante a alfabetização, com desafios acadêmicos e emocionais. Contudo, é muito comum que o distúrbio somente seja descoberto na vida adulta, até porque o diagnóstico depende de consultas particulares e pouco acessíveis.

O problema é que, devido às suas particularidades, é comum que o disléxico sofra discriminação, ou seja desacreditado em ambientes de estudo ou profissionais. “As pessoas não sabem como nós funcionamos, e passamos a ser chamados de burros ou de pessoas de muitos detalhes, porque não conseguimos nos colocar organizadamente. Então é muito importante respeitar e saber lidar com eles”, explica a especialista, que conta casos em que os profissionais com dislexia desempenham com maestria as mais variadas profissões e carreiras acadêmicas.

Aos 19 anos, Matheus Felipe, filho de Débora, é aluno do terceiro semestre da graduação em Direito na FAM (Faculdade de Americana). Com diagnóstico de dislexia, ele conta que tem bom rendimento nas aulas remotas, especialmente com as facilidades proporcionadas pelo computador, e graças ao acompanhamento multidisciplinar a que teve acesso desde a infância.

“É totalmente possível levar uma vida normal, mas é muito importante o tratamento. O disléxico sabe o que precisa fazer, mas a dificuldade dele é em colocar no papel. O adulto tem responsabilidades, estudar, trabalhar, sustentar a família, e sem acompanhamento desde a infância, ele pode ter uma série de problemas que ficam cada vez mais incompreendidos”, finaliza a neuropsicopedagoga Débora.

Dicas aos pais

A neuropsicopedagoga clínica Débora Regina Piovezan lista itens para auxiliar os alunos disléxicos enquanto têm aulas remotas.

ORGANIZAR O ESPAÇO: Preparar um local tranquilo para o estudo, com tudo o que o estudante possa precisar durante as tarefas, ao alcance das mãos, inclusive garrafinha com água

ORGANIZAR A ROTINA: Prevendo aulas pelas plataformas, tempo para descanso, refeições e brincadeiras, de forma que os pais possam auxiliar nas tarefas escolares. Um cartaz ajuda a deixar a programação sempre à vista

ATENÇÃO DIFERENCIADA DOS PROFESSORES: Crianças com dislexia devem participar das aulas remotas normalmente para não perderem o vínculo com os colegas, mas têm mais avanços quando podem consultar separadamente e receber atenção diferenciada dos professores

AVALIAÇÕES ORAIS E COM TEMPO DIFERENCIADO: Alunos têm melhor desempenho quando as avaliações são adaptadas a eles

FILTRAR ACESSO A NOTÍCIAS: As crianças não precisam ter consciência dos problemas políticos ou relacionados à pandemia, que também podem causar estresse e atrapalhar seu envolvimento com as atividades escolares

BUSCAR HABILITAÇÃO OU REABILITAÇÃO: Independentemente de um diagnóstico ou laudo, buscar ajuda profissional para compreender déficits e evitar defasagens

DIMINUIR AS PRESSÕES: Cobranças podem fazer com que as crianças se sintam incapazes, e desconfortáveis em decepcionar os pais. Por isso, a recomendação é não gerar mais estresse.

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