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Tecnologia

Da lousa às telas: confira as tendências da educação

Especialistas ouvidos pela Revista L destacam que os recursos tecnológicos vieram para ficar, mas que a consolidação dessa tendência depende diretamente de políticas públicas

Por Marina Zanaki

03 de novembro de 2021, às 10h22 • Última atualização em 03 de novembro de 2021, às 10h23

As telas se tornaram tão presentes quanto as lousas no ensino nos últimos dois anos. A incorporação da tecnologia na aprendizagem foi forçada pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19), mas ao mesmo tempo fez a educação abrir as portas para novas possibilidades.

Especialistas ouvidos pela reportagem destacaram que os recursos tecnológicos vieram para ficar mesmo no contexto pós-pandemia, mas que a consolidação dessa tendência depende diretamente de políticas públicas.

Ampliar o acesso dos estudantes aos recursos e capacitar os professores serão os principais agentes dessa transformação no ensino.

Educação teve que abrir as portas para novas possibilidades – Foto: Adobe Stock

Apesar de serem usados como sinônimo nos últimos meses, ensino à distância, educação remota e aprendizagem híbrida são práticas bastante diferentes. Presidente da Câmara de Educação Básica do CNE (Conselho Nacional de Educação) e relatora da Comissão de Educação Híbrida, Sueli Melo de Castro Menezes ajudou a definir cada um desses termos.

O EAD (Ensino à Distância) é uma modalidade de ensino que precisa seguir legislações e ser reconhecida por algum órgão fiscalizador. Ele está muito ligado ao ensino profissional, seja de nível superior ou técnico. O EAD não é regulamentado para o ensino básico no Brasil.

Já a educação remota se refere à situação de excepcionalidade gerada pela pandemia, que obrigou o distanciamento físico de alunos e professores.

“Está ligada mais a um processo emergencial. Quando a pandemia teve início, ninguém sabia o que fazer e começou uma série de procedimentos remotos. As escolas que tinham plataforma para mediação tecnológica usaram, mas as escolas públicas em sua maioria não têm essa estrutura. Usaram o ensino remoto em uma concepção mais ampla. Por exemplo, mandavam trabalhos para casa, o aluno realizava e devolvia. Mais de 90% do trabalho chamado remoto durante a pandemia foi com base em livros ou materiais didáticos”, explicou a especialista.

A aprendizagem híbrida, por sua vez, mistura o ensino presencial com a potencialidade da tecnologia. Um exemplo seria uma atividade realizada em sala de aula, mas com recursos tecnológicos que amplifiquem a participação dos estudantes.

“O termo hibridismo propõe mistura. Traz metodologias ativas para dar mais significado aos conteúdos, com recursos virtuais e presenciais. É tirar o melhor da presencialidade e da virtualidade para melhorar o processo de ensino e a aprendizagem”, explicou Sueli.

Uma comissão foi formada no CNE para definir as diretrizes do hibridismo no Brasil. Relatora desse trabalho, Sueli adiantou que o ensino híbrido será definido como uma metodologia de trabalho, e não como uma modalidade. Com isso, não haverá, por exemplo, uma definição de carga horária para caracterizar o ensino híbrido, assim como ocorre com o EAD.

Sem volta

As redes pública e privada de ensino têm se esforçado para consolidar o retorno seguro à sala de aula, mas é bem possível que os alunos encontrem uma escola diferente da que deixaram em 2020.

Isso porque a pandemia obrigou os professores a incorporarem recursos digitais no dia a dia do ensino, e essa mudança é um caminho sem volta. A aposta do dirigente regional de ensino de Americana, Haroldo Ramos Teixeira, é que os professores vão usar novas formas de ensinar daqui para a frente, aliando a lousa às telas.

O dirigente regional de ensino de Americana, Haroldo Ramos Teixeira, destaca que os professores vão usar novas formas de ensinar daqui para a frente, aliando a lousa às telas – Foto: Arquivo / O Liberal

“A tecnologia está presente e vai continuar. O aluno quer procurar um tutorial e consegue acessar no YouTube, mas hoje o professor consegue com o aluno produzir conteúdo também. Então além de receber a informação, o professor pode explicar o conteúdo de várias maneiras. Tem o aluno que vai ser atingido quando usa a lousa. Tem aquele que vai absorver melhor com apresentação de Power Point, ou com o vídeo de outro aluno explicando aquele conteúdo, um podcast, um experimento em laboratório de ciência”, exemplificou Haroldo.

Doutor colaborador na Faculdade de Educação da Unicamp, o professor Sergio Amaral lembrou que a escola está inserida em um contexto social em que a tecnologia é uma realidade.

“Tecnologia e século 21 são um binômio associado. As crianças convivem com isso, então a escola não tem que estar fora de contexto. Se trabalha com a necessidade de wifi, banda larga, internet das coisas, indústria 4.0. Mas e a escola, não será 4.0?”, questiona o professor.

Doutor colaborador na Faculdade de Educação da Unicamp, o professor Sergio Amaral lembrou que a escola está inserida em um contexto social onde a tecnologia é uma realidade – Foto: Antoninho Perri / Divulgação

Amaral cobra o investimento em políticas públicas que consigam democratizar o acesso ao mundo digital. “O acesso à tecnologia também é um fator de inclusão. Crianças que tiveram acesso sofreram uma perda de rendimento menor do que aquelas que não tiveram”, considerou o especialista.

À frente da startup Little Maker, escola de criação focada no comportamento, Diego Thuler opinou que as escolas que tiveram acesso às tecnologias ainda precisam explorar o potencial de cada ferramenta on-line, sob o risco de comprometerem o desenvolvimento de competências e a formação de cidadãos críticos.

“Surgiram muitas soluções mágicas, e precisamos desconfiar. Ensinar não é romper com as relações, eu não acredito em sistemas que vão digitalizar todo o conteúdo, que o aluno vá consumir sozinho, sem momentos de vivências e prática. 

Nessas soluções que se baseiam muito na repetição, treino e recompensas indiretas, no fundo fazemos com que o aluno execute uma série de tarefas, mas não porque ele entendeu e quer aprender aquilo, mas sim porque ele quer receber a recompensa”, comentou.

Professores

Especialistas ouvidos pela reportagem apontam o professor como agente principal dessas transformações no ensino pós-pandemia. Foi esse profissional que precisou se desdobrar para dominar ferramentas de contato com os alunos, preparar atividades para serem realizadas em casa, transmitir conhecimento por meio de telas e prosseguir na missão de ensinar mesmo em meio à maior crise sanitária e econômica vivida pelo País nos últimos cem anos.

“Se hoje não estamos piores em escala de educação, é porque temos dezenas de milhares de professores que saíram de sua zona de conforto para enfrentar um problema que não estava previsto, fazer aula em casa, preparar material, usar WhatsApp, fazer contato com os alunos, foi um novo panorama”, considerou Amaral.

Para ele, a tendência da tecnologia como aliada na sala de aula só vai se concretizar com investimento em internet, dispositivos e, claro, capacitação dos professores.

“É preciso modificar a formação continuada dos professores com novas formas de ensinar. Não é mais aquele método tradicional de giz e conteúdo, precisa ter dinamicidade própria. Por isso, precisa ter processo de formação dos professores associado com tecnologia, caminha junto”, finalizou o professor da Unicamp.

Dirigente de ensino de Americana, Haroldo lembrou que, por meio do PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola), está previsto para 2021 um investimento de R$ 100 milhões em laboratórios de ciência e R$ 50 milhões em recursos para os alunos produzirem conteúdo digital nas escolas paulistas.

“Nunca na história da educação paulista foi feito tanto investimento em tecnologias e equipamentos. Mas não adianta só estar com equipamento, o professor tem que ter a formação para lidar com isso”, disse Haroldo.

Ele destacou que o Estado conta com a Escola de Formação dos Profissionais de Educação, uma plataforma com cursos e formações para os professores, incluindo o uso de tecnologia.

“Estamos hoje em um momento difícil que é a pandemia, mas temos um compromisso com a aprendizagem. A gente precisa avançar, e entendo a tecnologia como parceira do professor. Ele não será substituído pela tecnologia, mas é uma ferramenta que vai agregar a pedagogia para atingir mais os alunos”, declarou o dirigente.

Presidente da Câmara de Educação Básica do CNE, Sueli defende que computador e internet devem ser instrumentos básicos de educação, tanto para alunos quanto para professores.

“Mas o Brasil está longe de instrumentalizar. Então, provavelmente, há tendência para o ensino híbrido, mas que exige certa instrumentalização. É preciso garantir que as escolas tenham tempo para se adaptar, não só com equipamentos, mas capacitar professores, alunos e até família. Isso muda completamente a visão que temos de educação hoje”, analisou.

A solução, na avaliação de Sueli, passa por um esforço conjunto de setor público, privado e associações para investir na educação.

“A tendência é caminhar para ampliar a acessibilidade desse aluno através da tecnologia, com metodologias que ampliem o currículo e façam ele olhar para o mundo de forma diferente, trazendo a realidade para dentro da escola e levando a escola para ver a realidade. Então, tem que estar conectado, nem que seja com a telefonia móvel. Mas o ideal seria conseguir criar instrumentalização mínima nas escolas para o aluno se conectar com o mundo lá fora”, finalizou Sueli.

*Colaborou Isabella Holouka 

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