Paris-2024
Caio Bonfim conquista a prata, medalha inédita na marcha atlética em Paris
Em sua quarta participação em Jogos, o atleta de 33 anos permitiu se emocionar e relembrou os percalços para alcançar o feito inédito
Por Agência Estado
01 de agosto de 2024, às 06h13 • Última atualização em 01 de agosto de 2024, às 10h47
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Caio Bonfim foi prata da marcha atlética 20km nos Jogos Olímpicos de Paris-2024. Ele completou os 20km de prova no entorno à Torre Eiffel em 1h19min09s, nesta quinta-feira. O ouro ficou com o equatoriano Daniel Pintado. O bronze, com o espanhol Alvaro Martin.
O brasileiro vive uma redenção, após ter ficado em quarto na prova da Rio-2016. Embora tenha sido o melhor resultado da história do Brasil em Olimpíadas até então, o atleta ficou a apenas cinco segundos do medalhista de bronze, o australiano Dane Bird-Smith. Nos Jogos de Tóquio, em 2021, o desempenho de Caio não foi tão bom. Ele terminou os 20km na 13ª colocação.
“Depois de Tóquio, eu sentei comigo mesmo e falei: E aí, cara, é isso mesmo que você pode fazer?. Um cara perguntou: Foi difícil essa prova?. Não, difícil foi o dia que marchei na rua pela primeira vez e fui xingado. Falei para meu pai que estava pronto para ser marchador, foi dia que decidi ser xingado sem ter problema”, emocionou-se Caio após a prova.
Na prova desta quinta-feira, o brasileiro saiu muito à frente do pelotão, mas logo cedeu posições enquanto media o ritmo. Ao fechar 10km, um momento chave da prova, Caio estava novamente na liderança, com os atletas ainda próximos.
O brasileiro voltou a ceder posições 2km depois, chegando a ficar em 19º, mas sem perder distância do pelotão de elite, em um momento em que os atletas passavam a se dispersar mais.
Fechando os 14km, Caio aumentou o ritmo e encostou em Daniel Pintado, do Equador. Eles eram seguidos de perto pelo campeão olímpico em Tóquio, o italiano Massimo Stano. Junto do trio, o espanhol Álvaro Martin também se destacou. Um sobraria além do pódio.
A última volta teve o distanciamento de Pintado na frente. Ele se junta ao compatriota Jefferson Pérez, ouro em Atlanta-1996 e prata em Pequim-2008, nos 20km da marcha atlética.
Esta é a quarta participação de Caio em Olimpíadas. Na primeira, em Londres-2012, ele terminou carregado por uma cadeira de rodas. “Tem que ter muita coragem para viver de marcha atlética. Valeu a pena pagar o preço. Hoje eu pude falar para meu pai e para minha mãe: Nós somos medalhistas olímpicos”, comemorou em meio às lágrimas.
“Essa prova aí, parece que nós estamos brincando de rebolar? Vai rebolar 20km, cara! Tem gente que pergunta: Qual o intuito dessa prova? É uma competição de quem caminha mais rápido e ganha de você correndo”, brincou Caio.
EQUATORIANO FICA A SEGUNDOS DO RECORDE OLÍMPICO
Pintado não bateu o recorde olímpico de 1h18min46s, do chinês Ding Chen, por apenas 9 segundos. Caio terminou 14 segundos atrás do líder e dois na frente do medalhista de bronze. Campeão olímpico em Tóquio, Stano ficou em quarto, apenas um segundo atrás de Álvaro Martin.
O Brasil também foi representado na prova por Matheus Correa e Max Batista, que terminaram em 28º e 39º, respectivamente. Max teve uma vitória simplesmente em conseguir participar da prova. Às vésperas da Olimpíada, ele precisou ir à Corte Arbitral do Esporte (CAS, na sigla em inglês) para conseguir disputar os Jogos de Paris, junto de Hygor Gabriel e Lívia Avancini, também do atletismo.
O trio do atletismo brasileiro havia conquistado o índice olímpico, mas não tinha passado na bateria antidoping. Era necessário que cada atleta tivesse passado por, no mínimo, três testes, com intervalo mínimo de três semanas entre cada um. As testagens são surpresas e deveriam ter acontecido entre setembro de 2023 e julho de 2024.
Os três brasileiros foram testados, mas a World Athletics, a federação internacional de atletismo, questionou o intervalo dos exames, argumento derrubado pela CAS nesta sexta-feira passada. Em nota, a Agência Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD) informou, no dia 10 de julho, que realizou os testes em 102 atletas, identificados pela CBAt como uma lista prioritária. Max e Lívia estiveram nesta lista, mas a World Athletics havia recusado os testes da dupla.
Bonfim conta que venceu preconceito para treinar marcha atlética
“Alívio”. Foi assim que Caio Bonfim descreveu a sensação de concluir a prova mais aguardada de sua carreira com a conquista da medalha de prata para o Brasil. Nesta quinta-feira, no Trocadéro, em Paris, o País obteve pela primeira vez um lugar no pódio em Olimpíadas. Em sua quarta participação em Jogos, o atleta de 33 anos permitiu se emocionar e relembrou os percalços para alcançar o feito inédito.
“Para mim, medalha na marcha atlética não tem cor no Brasil. Uni a ousadia do Rio-2016, a experiência de Tóquio-2021 e o primeiro amor de Londres-2012. A gente pode sonhar. Ganhei muitas medalhas olímpicas em Sobradinho (cidade satélite de Brasília) sonhando. Tem de ter muita coragem para viver de marcha atlética. Os primeiros anos ouvi que atleta era vagabundo: Trabalha de quê? Vive de quê?”, contou Bonfim.
As regras da marcha atlética impedem que o competidor tire os dois pés do chão ao mesmo tempo, é necessário fazer um movimento com o quadril. Bonfim afirma que foi alvo de preconceito por isso, mas não abriu mão da modalidade, inspirado pelo pai professor e pela mãe marchadora.
“Quando meu pai me chamou para marchar, fui muito ofendido naquele dia. Não estou me fazendo de vítima. Eu comecei tarde porque era muito difícil ser marchador. Mas decidi ser xingado e não me ofender. A prova de hoje não foi difícil. Difícil foi o primeiro dia que comecei a treinar. Venci o preconceito. Rejeitado, desacreditado e injustiçado. Ouvi muita coisa. Não sei ainda o que significa essa medalha ainda. Na minha cidade, sempre fui xingado por marchar, depois do quarto lugar no Rio, em 2016, o som da buzina e a frase mudou para vamos campeão”, disse Bonfim.
Uma das preocupações recorrentes dos brasileiros é com a soma de punições durante as provas. Essas punições e advertências acontecem quando o atleta não mantém um dos pés no chão. O acúmulo de três punições desse tipo obriga o atleta a fazer uma parada que praticamente anula as chances de vitória. Durante a prova desta quinta, Bonfim recebeu duas punições. Para ele, porém, os critérios da arbitragem variam dependendo do país de origem do atleta, favorecendo os locais que têm mais tradição na modalidade, como a Europa.
“Vocês sabem como é com brasileiros? Duas faltas, enquanto os outros nada… Essa medalha vai ajudar a construir essa bandeira (brasileira junto à modalidade). É duro não ser penalizado. Agora vão ver que o Brasil já ganhou medalha, plantamos uma semente. Nossa bandeira ainda não está no alto do mastro. O Rio mudou a história da minha marcha. Essa medalha pode mudar a história da marcha atlética brasileira. Vou lutar muito por esse legado. Que essa medalha dê oportunidade para novas gerações”, completou.
A medalha de Bonfim só será entregue nesta sexta-feira, às 12h40 (de Brasília) no Stade de France, em Saint-Denis, onde serão realizadas as provas de atletismo. Mas a participação do brasileiro nos Jogos de Paris não acabou. Na próxima quarta-feira, em parceria com Viviane Lyra, participa do revezamento misto da marcha atlética.
Caio Bonfim foi lateral da base do Brasiliense antes de seguir a família no atletismo
A marcha atlética entrou na vida de Caio Bonfim muito cedo, já que seus pais são do atletismo. Hoje com 33 anos, ele não está cansado da vida de atleta, não à toa chegou a Paris para disputar sua quarta Olimpíada e ganhou a medalha de prata nesta quinta-feira. O Brasil nunca havia subido ao pódio na modalidade. Nascido em Sobradinho, no Distrito Federal, ele é filho da octocampeã brasileira de marcha atlética de Gianetti Bonfim e de João Sena, ex-técnico da sua mãe.
Antes de se dedicar ao mesmo ofício que os pais, teve de superar problemas de saúde na infância. Com apenas sete meses de vida, teve meningite, da qual se recuperou sem sequelas. Pouco tempo depois, aos dois anos, sofreu com carência de cálcio porque não podia ingerir leite, devido à sua intolerância a lactose. A fragilidade óssea começou a entortar as pernas do menino, que foram realinhadas por meio de cirurgia.
A operação foi tão bem-sucedida que Caio flertou com o futebol no início de sua trajetória esportiva. Com as pernas realinhadas, ele jogou nas categorias de base do Brasiliense, time que já jogou a Série A do Campeonato Brasileiro e foi vice-campeão da Copa do Brasil em 2002. Era lateral-esquerdo.
Mas o atletismo se tornou forte concorrência ao futebol aos 13 anos, quando fez seus primeiros testes na modalidade, a pedido do pai. Caio acabou decidindo pelo esporte da família. E, aos 16 anos, em 2007, entrou de vez na marcha atlética.
Sem a sombra dos problemas de saúde, Caio pôde construir uma carreira vitoriosa na categoria, que exige muito por seus movimentos específicos e longa distância das provas. Ao longo do caminho, também teve de lidar com preconceito, já que era comum fazerem troça da movimentação feita com os quadris para competir na marcha. “Para de rebolar e vai trabalhar”, chegou a ouvir durante treinamentos.
“Essa prova aí, parece que nós estamos brincando de rebolar? Vai rebolar 20km, cara! Tem gente que pergunta: ‘Qual o intuito dessa prova?’ É uma competição de quem caminha mais rápido e ganha de você correndo”, brincou Caio, após a medalha de prata em Paris-2024.
Ao longo dos anos, o envolvimento com o esporte só aumentou. Praticamente a família toda está envolvida com a marcha. Eles coordenam o Centro de Atletismo de Sobradinho (CASO), na cidade do Distrito Federal. O projeto social atende 200 crianças e jovens, mas também dá atenção ao alto rendimento. Entre os talentos revelados estão Gabriela Muniz e Max Batista, que competiu ao lado de Caio na marcha atlética na capital francesa – ficou em 39º.
MOTIVAÇÃO PARA IR ALÉM DOS RESULTADOS JÁ OBTIDOS
Mesmo depois de tantos anos competindo, Caio continua motivado. “Às vezes o atleta não quer mais, aí vai desanimando, vai fazendo outras coisas. A idade mudou, mas a vontade de querer treinar e trabalhar, essa paixão pelo processo, aumentou. Você mentalmente vai conseguindo manter uma rotina sólida e um trabalho consistente para continuar evoluindo”, disse em entrevista ao site oficial da Olimpíada.
Boa parte da motivação do atleta de 33 anos vem dos filhos Miguel, 5, e Théo, 2, e da mulher, Juliana Bonfim. “O Miguel fez eu me alimentar bem, porque ele tem alergia à proteína do leite, então precisa comer certinho”, explicou. “O Théo me ensinou a dormir melhor, porque ele dorme muito cedo. E, se eu não dormisse junto, perigava não dormir. O atleta é fogo, relaciona tudo à performance. Meus filhos me ajudaram e minha esposa, Juliana, que me dá todo apoio”, completou.
O que faltava para Caio Bonfim era justamente uma medalha olímpica. Bronze nos Mundiais de 2017 e 2023, também é dono de duas pratas e dois bronzes em Jogos Pan-Americanos. Chegou aos Jogos Olímpicos de Paris como detentor do recorde sul-americano (1h19min52s) e ocupando a terceira colocação do ranking mundial.
Nos Jogos Olímpicos, estreou com o 39º lugar em Londres-2012, antes de fazer história ao ser quarto colocado no Rio-2016, até então, a melhor posição do País na história da marcha atlética, a cinco segundos do medalhista de bronze Dane Bird-Smith, da Austrália. Nos Jogos de Tóquio, ficou em 13º.