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Especial Educação

Nivelar a qualidade do ensino é o principal desafio

Especialistas afirmam que ainda não é possível medir os efeitos da pandemia no ensino brasileiro, mas sugerem alternativas para 2021 visando o nivelamento do ensino

Por Isabella Holouka

13 de dezembro de 2020, às 11h02 • Última atualização em 13 de dezembro de 2020, às 11h22

A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) forçou a Educação a se reinventar em 2020. Para 2021, ainda com poucas definições sobre como será o ensino brasileiro, pesquisadores ouvidos pelo LIBERAL sugerem programas para a recuperação de conteúdos, investimentos no ensino online e a elaboração de um modelo híbrido de ensino, aliando métodos de aprendizado online e presencial, como alternativas para combater o principal prejuízo do período: o agravamento das desigualdades.

“O primeiro ponto observado por nós e que tem aparecido quase todos os dias no congresso, em praticamente todas as palestras, em todas as mesas, diz respeito ao fato de que a desigualdade social e educacional aprofundou-se significativamente”, relata a professora doutora Filomena Elaine Paiva Assolini, pedagoga e linguista, coordenadora do Gepalle (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Alfabetização, Leitura e Letramento) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP (Universidade de São Paulo), em Ribeirão Preto, e organizadora do 1º Congresso Internacional de Educação Escolar.

O evento online discutiu o cenário criado pela pandemia, incluindo seus desafios, perspectivas e possibilidades neste mês de novembro, reunindo representantes da comunidade escolar e pesquisadores de todos os estados do Brasil, e também da Argentina, Uruguai, Espanha, Portugal e Angola.

“Infelizmente há uma realidade muito triste que mostra que milhares de crianças brasileiras não têm acesso pleno à internet. Às vezes a pessoa tem um celular, mas não tem a condição de baixar um aplicativo, há muitas famílias que têm um único celular para toda a família, e estes pais não podem ser condenados ou cobrados”, lembra a docente, sobre o principal meio de comunicação entre estudantes e escolas nos últimos nove meses.

Por outro lado, Elaine afirma que o fácil acesso aos celulares, tablets ou computadores não significa que o aprendizado será efetivo. Especialmente nas séries iniciais, isso acontece porque as crianças precisam de atividades lúdicas para aprender.

“O lúdico envolve jogos, brincadeiras, um discurso pedagógico que convoca o sujeito para falar, dar sua opinião, apresentar seus argumentos. E isso tudo não acontece de forma ampla no universo remoto”, aponta.

Especialistas afirmam que ainda não é possível medir os efeitos da pandemia no ensino brasileiro – Foto: Adobe Stock

Não há dúvidas que a pandemia tenha acentuado as desigualdades, concorda a professora doutora Vera Lucia Messias Fialho Capellini, docente do Departamento de Educação e vice-diretora da Faculdade de Ciências da Unesp (Universidade Estadual Paulista), campus de Bauru.

Ela lembra que muitos alunos estão mais vulneráveis à fome, pois se alimentavam com qualidade, tendo todos os elementos nutricionais, através das escolas. Apesar dos programas que encaminham a merenda escolar aos estudantes, ainda há dificuldades para que este alimento chegue até eles.

“Fica evidente que não conseguimos a curto prazo medir o impacto deste período que estamos remotamente. Mas não foi a pandemia que causou as desigualdades sociais e de aprendizagem. Já havia muito clara em nosso país a desigualdade social, com um impacto na escolarização”, argumenta Vera.

Quanto às medidas para um nivelamento que minimize as desigualdades educacionais, a docente da Unesp cita como possibilidades: a oferta de um ano a mais no ensino médio ou de um programa de cultura geral para a recuperação de conteúdos básicos, a ampliação dos investimentos no ensino online e a elaboração de um modelo híbrido de ensino.

“Temos evidências científicas com experiências positivas de ensino remoto. Podemos usar nossa inteligência e criatividade para pensar num modelo híbrido, com revezamentos entre as turmas online e presencial. Instituições de ensino podem encontrar estratégias para amenizar perdas, que sem dúvida são grandes, mas nenhuma dessas ações pode colocar em risco nossas vidas”, opina a especialista.

Diretor de Políticas Educacionais na Fundação Lemann, organização brasileira sem fins lucrativos que colabora para a educação pública em todo o País, Daniel de Bonis comenta que o ensino híbrido tem potencial para possibilitar experiências educativas mais individualizadas.

“Um dos grandes potenciais do ensino híbrido é colocar o aluno no centro do processo, com uma experiência mais personalizada, considerando o ritmo individual de cada um. Um dos usos possíveis da tecnologia nesses casos é na recuperação, a partir das lacunas que aparecerem nas avaliações diagnósticas ano que vem”, diz o especialista, segundo o qual será necessário priorizar as habilidades que serão trabalhadas.

“Um exemplo de como fazer isso é o Mapa de Foco das Aprendizagens, desenvolvido pelo Instituto Reúna, que ajuda os profissionais nessa priorização, usando como referência a BNCC (Base Nacional Comum Curricular)”, orienta Bonis.

Quanto ao papel das famílias na retomada gradual das atividades presenciais, ele cita Pesquisa Datafolha encomendada pela Fundação segundo a qual 51% dos pais afirmam que estão participando mais da educação de seus filhos, em comparação com o período de antes da pandemia.

“Essas famílias estão se dando conta do grande desafio que é garantir a aprendizagem das crianças e adolescentes, valorizando ainda mais o trabalho dos professores. Esperamos que esse engajamento continue após a crise e no retorno às aulas presenciais, pois sabemos que esse acompanhamento próximo é extremamente positivo para o processo de aprendizagem dos estudantes”, conclui.

Busca ativa pelos alunos ganha importância

Apesar das dificuldades relatadas por toda a comunidade escolar, experiências educacionais positivas foram registradas em diversos estados brasileiros, nascidas principalmente da união dos profissionais da educação com as famílias, afirma a professora doutora da USP, Filomena Elaine Paiva Assolini.

Em um cenário em que o distanciamento da escola é um dos grandes obstáculos para a aprendizagem e a evasão é consequência tanto em instituições particulares quanto em públicas, a busca ativa pelos alunos ganha importância.

“Muitos estão indo atrás dos alunos, tentando trazê-los de volta, mostrar o quão importante é a escola. Alguns conseguem, outros não, porque o que está por trás disso são os valores relacionados à escola, à educação e à cultura”, explica Elaine.

Segundo a especialista, a própria escola precisa ensinar sua importância aos alunos, enfatizando a relevância da cultura e do conhecimento – o que ainda não é feito no Brasil. Além disso, ela ressalta a importância do apoio familiar.

“Pesquisas científicas seríssimas assinalam que mesmo pais não alfabetizados, se dão valor à escola, entusiasmam os seus filhos e valorizam a escola em primeiro lugar – como um espaço que vai ensinar a criança a ler, escrever, interpretar e raciocinar – conseguem formar filhos alfabetizados, que concluem o ensino médio, cursam o ensino superior, pós graduação e conseguem ótimos lugares no mercado de trabalho”, argumenta.

Desenvolvimento econômico e educação

Embora sejam recorrentes as tentativas de calcular o impacto de um ano escolar atípico como o de 2020 para a economia do país, além de muito difíceis as estimativas carecem de consistência perante a complexidade e profundidade dos aspectos envolvidos.

A análise é do professor doutor Denis Maracci Gimenez, do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), pesquisador das áreas de desenvolvimento econômico e economia social e do trabalho.

Há várias linhas de interpretação estabelecendo uma relação entre desenvolvimento econômico e educação, mas é limitado considerar que a escolaridade se resume à busca de ganhos de produtividade, como sugere a Teoria do Capital Humano, segundo a qual há incremento de expectativa salarial a cada ano escolar completo.

“Para nós não faz muito sentido pensar que cada ano de escolaridade aumenta o salário. Podemos dizer o contrário, quem tem mais recursos vai ter condições de estudar mais. Em uma sociedade como a brasileira, que é muito desigual, um dos aspectos é uma grande heterogeneidade da educação e da escolaridade”, defende.

Na educação, a desigualdade se manifesta em diferentes formas. O pesquisador afirma que no século passado era através de barreiras na entrada da educação formal devido à falta de vagas. “Hoje a desigualdade se revela não pelo acesso, mas pela qualidade da educação oferecida, que é muito desigual”.

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