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Arte

Vida de Van Gogh é contada por ilustrador ‘luso-iraniano’

Por Agência Estado

27 de julho de 2020, às 07h06 • Última atualização em 27 de julho de 2020, às 11h31

Nascido no Irã, em 1975, e hoje morando em Portugal, o cartunista Alireza Karimi Moghaddam traduziu em imagens e cores a sua profunda admiração pelo pintor holandês Vincent Van Gogh (1853-1890). Em uma passada por suas redes sociais, o que se vê é um álbum com muitas figurinhas contando a vida do artista. Mas ele não se prende a algo linear – prefere se dar o direito de fazer a imaginação voar e, com ela, colocar seu ídolo em meio a suas obras, seus campos de girassóis, seu quarto, ou uma noite estrelada. Consequentemente, nos transporta para esse mundo colorido, onde encontramos Van Gogh pintando em meio a flores, andando de bicicleta pelos campos ou pensativo em seu quarto.

É possível entender tal ligação, pois é difícil encontrar quem não se encante com os quadros de Van Gogh, ou mesmo seja tragado para viagens oníricas dentro deles. “Além de ser um grande pintor no mundo da arte, Van Gogh é um amante, alguém que ama os seres humanos e ama a vida. Isto é algo que me fascina muito”, revela Moghaddam, que respondeu a algumas perguntas do Estadão, via redes sociais.

Com uma história envolta em mistérios, Van Gogh teve uma vida com passagens traumáticas, relações dramáticas, e momentos de transtornos psicológicos, sofrendo alucinações. Morreu jovem, aos 37 anos, mas a imensidão de sua obra segue perene, conquistando sempre público novo. Para Moghaddam, a atração pelo gênio incompreendido nasceu ainda na adolescência, quando deparou com essa arte cheia de cor, pinceladas fortes, carregada de significados, e diz que cresceu com ele. “Os livros de pintura de Van Gogh e as histórias em quadrinhos (Tintin e Branca de Neve) foram meus únicos amigos na adolescência. Quando criei minha página no Instagram, há cinco anos, pensava em publicar meus próprios cartoons ali. Mais tarde, Van Gogh acidentalmente entrou na minha atividade em praticamente tudo o que faço e estou muito feliz com isso”, confessa o artista iraniano.

Tudo na história de Van Gogh cativa – as pinturas, claro, a vida distante das pessoas, a relação amorosa com o irmão, Theo, com sua troca de cartas, inúmeras delas, que revelam o pensamento do artista. “Van Gogh era um homem muito sensível. Vemos esses sentimentos puros claramente em suas pinturas. E ele escreveu cartas para seu irmão. Acho que todo aquele que ama Van Gogh é apaixonado. Amante dos seres humanos e amante da paz”, pensa Moghaddam.

Com uma obra dessas, que trespassou o tempo, conquistou gerações, não foi muito simples para Alireza Karimi Moghaddam recontar essa história, ainda mais usando o próprio Van Gogh como personagem, que é colocado nas telas, dentro de suas pinturas. “Foi um pouco difícil no início, mas, à medida que avancei, foi ficando mais fácil. A familiaridade com o estilo de vida de Van Gogh, sua história de vida, o estudo de seus desenhos e pinturas, tudo isso me ajudou a chegar mais perto do mundo real dele”, explica o cartunista, que admite conviver com Van Gogh diariamente. “Falo com ele, faço perguntas. Ele faz parte da minha vida neste momento e para mim é algo inacreditável me separar dele.”

Apesar do momento estranho, com a pandemia obrigando todos a manter distanciamento, é também um momento que acabou ajudando o quadrinista em suas criações, que ajudaram a “superar facilmente esta epidemia”. Ele conta que se sentiu dessa forma porque, antes de se familiarizar com a técnica de um artista, tem de conhecer a alma dele. “Só então meu trabalho será algo digno de crédito. Preciso ler mais e assistir a mais filmes e assim conseguirei trazer um outro artista para o mundo dos meus cartoons”, diz.

Agora é aguardar para ver esse material em formato de livro, um sonho de Moghaddam. “Venho buscando uma editora reputada para publicar esses trabalhos em livro, mas ainda não encontrei. Será uma realização publicar minha obra.”

Luta interna

Na polêmica biografia da dupla Steven Naifeh e Gregory White Smith (Van Gogh, Companhia das Letras, 2012), Van Gogh surge como um homem desesperado, de vida desregrada, sempre à beira de um colapso – o que ajudou a criar o mito do inadaptado social, do suicida. No entanto, a dupla de biógrafos, amparada em pesquisas que remontam à visita feita na década de 1930 pelo historiador John Rewald a Auvers, cidade francesa onde o pintor holandês morreu, afirma categoricamente que Van Gogh não se matou. Ele teria sido vítima de um adolescente agressivo, René Secrétan, fã de Bufallo Bill, que costumava infernizar a vida do pintor quando ele se retirava para o campo com suas tintas e telas.

Foi a arma de Secrétan que atingiu Van Gogh, intencionalmente ou não. Van Gogh, filho primogênito de um pastor protestante, sempre dizia que o suicídio era uma “covardia moral”, o que não impede que, no auge do desespero, possa ter pensando nele. Porém, argumentam seus biógrafos, o gesto de Secrétan foi recebido por Van Gogh como sua libertação, ainda que de forma violenta. Difícil comprovar. Os diretores do Museu Van Gogh, na época do lançamento da biografia, consideraram pouco provável a tese de Naifeh e White Smith.

Uma coisa, porém, é certa: Van Gogh cortou a orelha numa de suas crises. Poderia ter avançado, mas parou por aí. Covardia moral? Pode ser. Seus biógrafos aventam a hipótese de que o comportamento um tanto excêntrico de Van Gogh tinha como origem sua epilepsia. Havia algo de estranhamente sagrado em sua doença. Era quase como um passaporte do pintor para estados alterados, em que desenvolvia por osmose um aprendizado autodidata da natureza e da arte dos pintores que amava (Millet, em particular).

Os biógrafos recorrem às cartas trocadas entre Van Gogh e seu irmão Theo em busca de uma resposta para seu comportamento maníaco – e também para mostrar que o talento pictórico de Van Gogh tinha uma estreita ligação com criação literária, sendo o pintor um leitor de escritores como Zola, um autor amigo de pintores e igualmente defensor desse diálogo. O uso um tanto brutal e primitivo das cores tinha algo da rudeza de Zola: o amarelo tanto podia refletir a vida luminosa em Arles como uma xantopsia patológica; o azul não era uma cor tranquilizadora, mas anunciadora de tempestades e tradutora da natureza hostil. Elas refletem as contradições e a luta interna de Van Gogh para superar suas carências. Rejeitado pela família, dominado pelas mulheres, renegado pelo melhor amigo, Gauguin, só a pintura o salvou das perdas emocionais. E ela sobreviveu.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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