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Cultura

Uma história de amor, memória e dor

Por Agência Estado

01 de fevereiro de 2021, às 07h25 • Última atualização em 01 de fevereiro de 2021, às 14h25

Desafiado pelas incongruências do dia a dia, o sonho romântico do “amor eterno” ganha um desafio a mais – biológico e não afetivo -, que passa pelo esquecimento e pela perda da lucidez, em Supernova, uma das apostas para o Oscar 2021: no caso, o desafio da senilidade. É difícil não pensar em tramas sobre a resiliência da paixão como Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças e Como se Fosse a Primeira Vez diante da história narrada pelo cineasta inglês Harry Macqueen, apoiada na química de carismas e talentos entre Colin Firth e Stanley Tucci, no drama romântico que acaba de estrear nos Estados Unidos, de olho em estatuetas.

Exibido na disputa pela Concha de Ouro no Festival de San Sebastián, no norte da Espanha, em setembro, o longa-metragem acompanha a luta de um casal, o músico Sam (Firth) e o escritor best-seller Tusker (Tucci, em estonteante atuação), para sobreviverem ao maior desafio à apaixonada vida a dois que levam. Tusker foi diagnosticado com demência, cujo estágio está em crescente evolução, ameaçando sua memória e sua percepção da realidade. No evento espanhol, a dupla de atores levou plateias às lágrimas.

“Esse filme nasceu de uma longa pesquisa que fiz, por anos a fio, sobre casos de demência, a fim de entender o quanto a perda das lembranças e da razão pode ameaçar e mesmo atomizar um microcosmos amoroso de anos de relação. O que se sabe sobre Tusker e Sam, acerca do glorioso passado profissional de ambos, é apenas salpicado pelo roteiro, pois ambos estão em um momento em que o mais importante não é o que fazem, e, sim, o quanto se querem e o quanto temem se perder”, disse Macqueen ao Estadão em San Sebastián. “O cinema tem pouco espaço para conversas adultas. A vida tem pouco espaço pra isso. Por isso, não tive medo da palavra. Ela é reveladora e pode ser catártica, assim como o fenômeno estelar que dá título ao nosso longa. E trabalhar com palavras, no cinema, significa saber trabalhar também o silêncio, pois é nele que mais se nota a solidariedade e a cumplicidade entre amantes.”

Revelado como ator, em 2008, com Eu e Orson Welles, de Richard Linklater, Macqueen estreou como realizador em 2014, ao dirigir o drama Hinterland, que também falava de dilemas do amor em relação a recordações perdidas. “A metáfora central de um título como ‘Supernova’ é a ideia de que algo vai explodir na imensidão do universo. No caso, o que explode é a mente de Tusker”, disse Macqueen, que hoje celebra a presença de Tucci nas listas de apostas para o Oscar de melhor ator coadjuvante.

No roteiro escrito por Macqueen, é Sam (Firth) quem passa pela mais grave transformação, ao ter que lidar com a certeza de que seu marido vai, em breve, perder a consciência de quem é e de tudo o que viveu. E tem ainda que decidir se aceita ou não tocar em um concerto, tendo que se afastar de seu amado. Para retardar essa escolha, ele planeja uma viagem Inglaterra adentro em um trailer, onde os dois vão visitar amigos e familiares, além de observar a natureza. Mas Tusker tem outros planos para seu futuro.

“Quando terminei de roteirizar essa história, eu não pensava em ter um americano, como Tucci, vivendo Tusker. Na minha cabeça, sempre foram dois ingleses, visitando um país que não tiveram a chance de conhecer juntos. Mas quando Tucci, um gigante, apareceu, eu não tive dúvidas de aceitá-lo e de mudar a figura de Tusker, para fazer dele um estrangeiro. Afinal, é um homem que está ficando estrangeiro a si mesmo”, disse Macqueen, que filma os dois com doçura, sem apelar para closes invasivos, calçado na partitura melancólica do músico Keaton Henson em sua trilha sonora.

Em um dado momento do filme, Tusker fala: “Não se chora o luto de alguém que está vivo”. É a deixa para se entender o quanto um abraço pode ser um abrigo e quão analgésico o efeito de mãos dadas pode ter num momento de desespero. Num trecho de devastar corações, Tusker se propõe a ler um discurso para a família de seu companheiro. Mas prefere que o próprio Sam o leia. Na leitura, segredos de anos vêm à tona, numa sequência que fez o Festival de San Sebastián soluçar. “Para um ator, a experiência de dirigir Tucci e Firth é algo que muda toda a nossa percepção sobre o ofício de interpretar, especialmente quando se nota a generosidade deles”, diz Macqueen. “O que vemos nessa história de amor é o empenho de duas pessoas para eternizar instantes, antes que tudo se apague, e só sobre o vazio. E a ausência.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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