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Teatro

Gardiner e a magia do barroco vocal

Por Agência Estado

11 de novembro de 2019, às 08h00 • Última atualização em 27 de abril de 2020, às 11h32

Desde a curta Jehova, quam multi sunt hostes mei, de Purcell, peça de abertura do concerto de John Eliot Gardiner sábado, 9, na Sala São Paulo, soou cristalino o credo artístico deste que é um dos maiores músicos do nosso tempo: “Injetar paixão e expressividade na interpretação da música barroca vocal”. As vozes incrivelmente homogêneas dos 19 integrantes do Coro Monteverdi pareciam integrar-se numa só e riquíssima voz. Resultado de ensaios diários e da escolha meticulosa dos coralistas, disse-me entusiasmado no intervalo Marco Antonio da Silva Ramos, titular de regência coral no Departamento de Música da ECA-USP.

Ainda estudante, Gardiner se insurgia contra o anêmico “Bach sem humor” de Karl Richter. E dedicou sua vida a demonstrar – como o fez miraculosamente sábado, na Sala São Paulo – “a alegria e o espírito desta música tão impregnada de ritmos dançantes”, mesmo sacra. O Coro Monteverdi dá atenção especial às palavras, evidenciando a retórica e o drama – pode-se dizer que ele assume uma interpretação romântica, mas ao mesmo tempo atenta ao texto musical e às práticas vocais dos séculos 16 a 18. Em seu belo livro sobre Bach, diz que o compositor não precisou fazer ópera. Já o fazia em suas cantatas, motetos e paixões.

Aos 76 anos, está em plena forma. Sua regência é precisa. Não se trata de sinalizar as entradas de obras com até 10 partes diferentes, como no fabuloso Stabat Mater de Domenico Scarlatti. Cada frase tem começo, meio e fim, ou seja, respira organicamente – e Gardiner conduz tudo isso, estabelecendo uma alquimia delicada de sustentação entre as vozes, característica claríssima e incrivelmente presente na Messa a quatro voce da cappella (aqui Gardiner opta por só um instrumento acompanhando as vozes, a delicada viola da gamba).

Não só Bach não precisou compor ópera. Giovanni Carissimi também. Seu oratório mais famoso, Jephte, é praticamente uma ópera, tamanha a dramaticidade da trama, retirada do Velho Testamento: Jehpte, juiz de Israel, promete sacrificar a primeira pessoa que saia pela porta de sua casa, caso vença os amonitas. É sua filha que o faz, instalando-se o drama. Três solistas – Jephte, tenor, coro e o narrador – alternam-se. Gardiner e seu maravilhoso Coro mesmerizaram a plateia. Uma obra-prima que se reinventou naquele momento.

Os English Baroque Soloists, grupo instrumental modular, foram fundado por Gardiner na década de 1970, período em que também criou o Coro Monteverdi. No sábado, eram cinco músicos impecáveis, com ligeiro destaque para a teorba visual e sonoramente empolgante de Thomas Dunford. De novo, na mesma semana, sou gostosamente obrigado a me repetir: um dos melhores, senão o melhor concerto do ano. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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