Cultura
Reabertura do Teatro Cultura Artística é regada a emoção, lágrimas e reencontros
Por Agência Estado
04 de agosto de 2024, às 15h07
Link da matéria: https://liberal.com.br/cultura/reabertura-do-teatro-cultura-artistica-e-regada-a-emocao-lagrimas-e-reencontros-2226034/
Primeiro veio o silêncio. Depois, o barulho de demolição. Então se seguiram infindáveis ruídos de martelos, furadeiras, serras e lixas. Mas acabou. Passados 16 anos desde que um trágico incêndio impôs uma sonata de reconstrução, o Teatro Cultura Artística, na Rua Nestor Pestana, voltou, enfim, a ouvir o som de violinos, violoncelos, trompetes e oboés.
No sábado, 3, aconteceu o primeiro dos dois concertos de pré-abertura do espaço, agora totalmente renovado, localizado próximo à praça Roosevelt, no centro da capital paulista. O programa contou com a mesma Orquestra Sinfônica Municipal (OSM) presente na inauguração, em 1950, em uma homenagem a Esther Mesquita (1885-1963), diretora da Cultura Artística responsável por mobilizar os esforços para levantar a sede.
Foi uma tarde regada a espumante, sorrisos e lágrimas – algumas delas de tristeza. Horas antes, chegara a notícia da morte do violoncelista pernambucano Antonio Meneses, que tocaria ali em outubro, com a Orquestra de Câmara de Basel. Seu nome foi saudado publicamente por Gioconda Bordon, vice-diretora da Cultura Artística. À frente da OSM, o maestro Roberto Minczuk embargou a voz ao dedicar a apresentação ao colega.
As lágrimas de alegria, por sua vez, foram maioria diante dos muitos reencontros. Quando as portas de vidro se abriram para a rua, após uma animada contagem regressiva, integrantes da diretoria e do conselho da casa saudavam um público formado, em parte, por quem teve sua vida atravessada pelo teatro – a começar pela primeira pessoa da fila.
Odete Lopes dos Santos foi secretária dali de 1982 a 2018. Ao entrar no prédio, rumou direto à bilheteria para cumprimentar as amigas que lá deixou. A familiaridade com o hall, restaurado tal como ela lembrava, contrastou com a surpresa provocada pela nova sala de espetáculos, refeita do zero e adornada com as curvas sinuosas da instalação concebida pela artista Sandra Cinto. “Está muito diferente, bem mais moderna. Estava com saudades de tudo isso. Foi uma volta no tempo.”
Para além dos funcionários de longa data, nomes referenciais do cenário da música paulista circularam por ali, como o compositor e pianista André Mehmari, a soprano Camila Provenzale, o produtor João Marcello Bôscoli e o diretor-executivo da Osesp, Marcelo Lopes.
Esse grupo de amigos se juntou à plateia para a qual a apresentação foi especialmente dedicada: os mais de 300 trabalhadores envolvidos na reestruturação do edifício projetado originalmente por Rino Levi (1901-1965).
Um deles era Vinicius Barioni Estre, que atuou nas instalações elétricas e hidráulicas. No saguão do primeiro andar, ele explicava à mulher e à filha os desafios do restauro do piso devido ao tombamento do imóvel nas esferas municipal, estadual e federal. “Trazer minha família para cá e mostrar aquilo sobre o que falo tanto em casa é bem emocionante”, disse.
O sentimento era partilhado pelo coordenador de produção Adriano Kmita. “Em 95% das obras, a gente executa, entrega e vai embora. Ficamos muito felizes porque todo mundo foi convidado, dos ajudantes de obra aos engenheiros, afinal todo mundo deu seu suor e participou igual”, celebrou.
Diante da euforia de um hall lotado, parecia inevitável um atraso na programação. O espetáculo, marcado para as 17h, teve início uma hora depois, com a ministra da Cultura, Margareth Menezes. Em sua fala, ela exaltou a Lei Federal de Incentivo à Cultura, por meio da qual o Teatro Cultura Artística viabilizou boa parte dos quase R$ 150 milhões empenhados em todas as etapas de sua reconstrução. Também esteve presente à festa a secretária da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo, Marília Marton.
Com o palco tomado de músicos, os primeiros acordes colocaram à prova a performance acústica da sala, cujo foco, nesta nova fase, será exclusivo na música de câmara. O repertório foi 100% brasileiro, retomando peças executadas na estreia de 1950. A sequência contou com Dança Brasileira, Encantamento e Serra do Rola Moça, de Camargo Guarnieri (1907-1993), e Tarde Azul e Bachianas Brasileiras n. 8, de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), que inspirou um bis com seu O trenzinho do caipira. A noite teve ainda participação da mezzosoprano Carolina Faria.
Findo o concerto, Roberto Minczuk aprovou o resultado sonoro. O maestro já antevê novas possibilidades. “Essa acústica ainda vai se desenvolver, com aparatos que podem deixar a sala mais viva, com mais ou menos reverberação, mas ela já começa com nota dez. O teatro é, de fato, superior ao antigo”, pontuou.
Nos bastidores, Edivaldo José da Silva comemorava. Em 1998, aos 16 anos, ele começou a trabalhar na Cultura Artística como office boy. Em 2002, migrou para a área técnica e permaneceu na instituição até 2014, quando passou a fazer parte da equipe da Sala São Paulo. Ao ser convidado para retornar como coordenador técnico, não pensou duas vezes. “É uma honra estar hoje aqui. Venho do extremo leste de São Paulo. Este teatro me educou e educou meus filhos. Acompanhei todo o episódio do incêndio, foi muito chocante. Este é o momento de ele voltar ao topo, que é o seu lugar”, disse.
Após a dispersão dos convidados, um dos últimos a deixar o local foi Frederico Lohmann, superintendente da Cultura Artística. Seu expediente do dia anterior havia encerrado já no próprio sábado, às 2 horas da madrugada, acompanhando a instalação da marcenaria do bar e da sinalização. Ainda falta chegar parte do mobiliário – produzido de acordo com os desenhos de Rino Levi -, assim como os livros da nova unidade da livraria Megafauna, a ser aberta no local.
O cansaço da reta final, no entanto, não o impediu de aproveitar o momento pelo qual trabalhou por 13 anos. A apresentação foi uma oportunidade para testar o funcionamento do espaço e afinar tudo para a reinauguração propriamente dita, que acontece dia 25 com a Filarmônica de Câmara Alemã de Bremen e o pianista canadense Jan Lisiecki. “Ainda tem coisas a fazer, mas já trouxe meu lenço hoje porque sabia que precisaria. Estou muito feliz e realizado. O mais emocionante, para mim, é o carinho de todas as pessoas envolvidas com o projeto. Isso é muito gratificante.”
Neste domingo, às 17h, haverá uma segunda sessão do concerto de pré-abertura, também restrita aos trabalhadores da obra. O público geral terá a oportunidade de conferir o espetáculo em uma transmissão online, no canal da Cultura Artística no YouTube, e na Praça Alexandre de Gusmão, na região da avenida Paulista, onde ele também será exibido gratuitamente.