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Cultura

Radcliffe e a grande fuga

Por Agência Estado

20 de outubro de 2020, às 08h00 • Última atualização em 20 de outubro de 2020, às 10h11

Desde pequeno, o diretor Francis Annan ouvia falar de política – seu avô foi um dos juízes da Suprema Corte e presidente do Parlamento de Gana, e viajava o mundo representando seu país. Ele ia à África do Sul e voltava contando essas histórias absurdas sobre os sul-africanos negros. “Imagino que era como os países da Europa Ocidental olhavam para a então Checoslováquia, por exemplo. É um país tão próximo e, ao mesmo tempo, tão distante”, disse Annan em entrevista ao Estadão. Então, quando ele ouviu a história de Tim Jenkin e Stephen Lee, dois sul-africanos brancos que fugiram do presídio depois de condenados por ajudar na luta contra o apartheid, o regime de segregação racial na África do Sul, em 1979, a identificação foi imediata. “Era um ângulo novo na história, porque normalmente em filmes sobre o apartheid vemos pessoas africanas com Kalashnikov, boinas. Não pensamos em brancos de classe média”, contou Annan.

Assim nasceu o longa-metragem Fuga de Pretória, que está em cartaz em algumas cidades onde os cinemas reabriram e que será exibido na TNT na sexta, 23, às 22h30. Baseado nas memórias de Jenkin, conta com Daniel Radcliffe no papel principal e Daniel Webber como Stephen Lee. Ele tinha duas rotas possíveis: fazer um filme de prisão ou um longa sobre a fuga. Ele optou pelo segundo, destacando a estratégia utilizada para escapar, tão trabalhosa quanto brilhante. O cineasta assistiu a quase 60 filmes para inspiração, mas ficou mais encantado com dois: Um Condenado à Morte Escapou (1956), de Robert Bresson, e A Um Passo da Liberdade (1960), de Jacques Becker. “Eu gostei da simplicidade e da intensidade dos dois”, disse Annan. “Claro que Fuga de Pretória é uma produção mais Hollywood, mais comercial, mas ainda assim há essas influências europeias.”

Annan se encontrou algumas vezes com Jenkin e Lee para captar outros detalhes da história. Uns dias antes da filmagem, que acabou tendo de ser na Austrália e não na África do Sul por questões de financiamento, o diretor e os atores se reuniram num cinema em Londres para fazer uma videoconferência com Jenkin.

“Eles conversaram por uma hora e meia”, contou Annan. Algumas das informações foram parar no roteiro, por exemplo, quando Jenkin precisa esconder objetos numa cavidade corporal. “Daniel Radcliffe e eu íamos interpretar a dor e o desconforto, mas Jenkin disse que, na verdade, era bem fácil, nem dava para notar.

Então, essa informação foi muito preciosa”, disse o cineasta, com ar divertido. Jenkin também visitou o set. Um terceiro personagem, que fugiu da prisão de Pretória com Jenkin e Lee, preferiu não participar do filme e por isso seu nome foi trocado para Leonard Fontaine (Mark Leonard Winter). “Basicamente tudo o que acontece ao personagem Fontaine aconteceu de verdade. Ele é um cara muito bacana, cheio de energia, como aparece no filme. Mas disse que não queria remexer o passado, e que tudo bem se trocássemos seu nome, da sua mulher e do filho. Claro que em cinco segundos de pesquisa dá para saber quem é.”

Annan tentou ser fiel ao livro e focar mais na fuga. Mas há trechos aqui e ali que explicam um pouco o pensamento político de Jenkin e sua luta pela igualdade de direitos. “Por exemplo, ele observa como até a prisão é segregada”, contou ele, referindo-se ao fato de os prisioneiros políticos negros iam para Robben Island, enquanto os brancos ficavam em Pretória – o único negro no filme é um empregado da penitenciária. Em uma cena, diversos personagens debatem sobre a melhor forma de lutar contra o apartheid. Ainda assim, Annan, que sempre quis fazer um casamento de cinema e política, acredita que o filme tem capacidade de despertar discussões, especialmente num momento de movimentação mundial. “Dá para ver um espectro étnico maior nos protestos em relação aos movimentos pelos direitos civis da década de 1960”, disse. “E apesar de o ‘Black Lives Matter’ ser uma luta específica sobre a brutalidade policial contra negros nos Estados Unidos, abriu espaço para falar de injustiças ao redor do mundo.

A história de Jenkin e Lee mostra como é preciso superar a divisão e haver uma solidariedade de brancos ou de outro grupo majoritário na luta das minorias. Fuga de Pretória também deixa claro que muita coisa continua igual 40 anos depois. Há muitas conexões entre este filme sobre o apartheid e hoje.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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