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Arte

Parada Poética nas Escolas: o poder das palavras

Com seis anos de existência e nova edição realizada na última semana, projeto alimenta o interesse de jovens estudantes pela poesia

Por Rodrigo Pereira

08 de setembro de 2019, às 07h51 • Última atualização em 27 de abril de 2020, às 11h13

São 8h da manhã de uma quinta-feira e o rapper Renan Inquérito e o fotógrafo Marcio Salata estacionam o carro em frente à Escola Estadual Professora Dorti Zambello Calil, no Bela Vista, em Nova Odessa. Com microfone, megafone, mesa e caixa de som em mãos, entram pela unidade de ensino e ligam tudo no pátio.

Em questão de minutos, o espaço está repleto de estudantes que não desgrudam os olhos de Renan. Mas a protagonista é a poesia. Com seis anos de existência, o projeto Parada Poética Nas Escolas é uma extensão do sarau realizado mensalmente na Estação Ferroviária da cidade e ocorreu durante a última semana em uma série de unidades de ensino de Nova Odessa. O LIBERAL acompanhou a apresentação na Dorti.

Com a palavra, Renan, que também é professor de Geografia, mostra como a poesia está em muitas coisas cotidianas que as pessoas nem imaginavam, seja em uma única palavra, uma imagem ou fala inocente de uma criança.

Em cada apresentação, no entanto, há um momento mais esperado: o da abertura do microfone para declamações dos próprios alunos. Ali, como dizem Renan ou mesmo o diretor da escola, Haroldo Ramos Teixeira, é “plantada a semente”.

Foto: Marcio Salata
Renan Inquérito durante apresentação para alunos de escola estadual de Nova Odessa

“Depois que o Renan veio aqui no ano passado, eles se organizaram para fazer poesia na hora do intervalo. A turma do terceirão pediu a caixa de som, colocaram na hora do intervalo e começaram a declamar poesia”, celebra Haroldo.

Segundo Renan, essa é a “faísca”, que se transforma em “labaredas” quando esses jovens começam a frequentar a Parada Poética na Estação.

“Na época que eu estudava, nunca foi um poeta na escola, por isso eu achava que poeta era alguém que já morreu, ou alguém que era muito velho. E aí, quando eu vou na escola, eu mostro para eles que qualquer um pode fazer poesia. Qualquer um pode ser escritor. Na verdade, todo mundo escreve uma história, que é a sua própria. Alguns colocam no papel e são chamados de escritores. Mas eu falo para eles: seja o escritor, pelo menos, da sua própria história”, conta.

Para facilitar mais a adesão aos saraus mensais na estação, o rapper chamava a todo momento os alunos a participar, principalmente os que declamavam. A próxima edição ocorre nesta segunda-feira, a partir das 19h, com apresentação de Dugueto Shabazzo.

Professor de inglês, Paulo Cezar Lima de Oliveira, que também declamou, destacou que os benefícios também são observados em sala de aula.

“É uma forma de aproximar o aluno de uma cultura que está disponível para eles, com quem eles já têm bastante contato, que é o rap, e acaba despertando para a leitura. Tem muitos alunos que já gostam de rap e eles se sentem representados, se sentem acolhidos”, relata.

Estudantes vencem timidez pela poesia

Quando o rapper Renan Inquérito levou o sarau do Parada Poética à Escola Estadual Professora Dorti Zambello Calil, no Bela Vista, em Nova Odessa, em 2018, o estudante Cayo Pommerining da Silva, de 16 anos, não quis cantar um de seus raps diante dos colegas.

Seu talento, no entanto, era conhecido pelos alunos da unidade, que o incentivaram a vencer a timidez e participar da edição deste ano na escola, realizada na última quinta-feira. O resultado: recebeu os aplausos mais efusivos.

Já a aluna Mariana Araújo Assis, de 14 anos, entregou seu celular a Renan e pediu que ele lesse uma de suas poesias. O rapper sugeriu que lessem juntos, mas foi com o incentivo de uma amiga que ela tomou coragem: leu sozinha versos que bebem da ousada técnica da sinestesia.

Os dois são exemplos do que ocorre de forma recorrente tanto nos saraus que Renan realiza nas escolas quanto na própria Parada Poética, na Estação Ferroviária.

“Às vezes chega uma pessoa na Parada e ela fica três meses só assistindo, no quarto mês ela escreve e no quinto ela toma coragem para declamar. É um processo, então isso aqui é uma faísca. A gente joga a faísca e o fogo, a labareda mesmo, é lá na Estação. Esse fogo vai ficar queimando dentro deles e aí eles vão um dia lá na Estação e o negócio vai explodir, vai aflorar”, conta o rapper.

E quando aflora, o conteúdo é dos mais diversificados e sinceros. No caso de Cayo, a realidade cotidiana, seja a respeito de algo que viu na TV ou uma notícia de jornal. “Eu sempre escutei rap, sempre foi meu estilo musical favorito. Porque meu pai escutava bastante Racionais e, por influência dele, eu comecei a escutar. Eu sempre escrevi poesia desde criança, mas não sabia que tinha uma relação entre os dois, só fui descobrir isso bem depois, que foi quando fui me interessar e falar: ‘talvez eu consiga fazer isso’. Aí eu comecei a tentar e foi acontecendo”, explica.

Já Mariana escreve desde os 12 e tem o desejo de ser romancista e poeta. Diante dos colegas declamou versos nos quais relaciona cores a sentimentos. “Por exemplo, o sentimento triste é azul e o feliz é amarelo, o laranja é como se eu estivesse apaixonada e estivesse bem, o roxo é como se estivesse apaixonada mas ainda estivesse mal”, detalha.

Colocar as palavras no papel também é uma válvula de escape para ela. “Me ajuda a desabafar bastante”, revela.

Dar espaço para as artes de Cayo, Mariana e tantos outros é para Renan como retribuir com Nova Odessa, sua cidade natal e berço de seus primeiros trabalhos.

“Porque no fim das contas a gente roda, roda e volta para cá. Aqui é nosso QG, a nossa base, são nossas raízes”.

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