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Cultura

No Dia dos Solteiros, psiquiatra fala sobre os impactos de estar sozinho

Por Agência Estado

15 de agosto de 2020, às 09h00 • Última atualização em 15 de agosto de 2020, às 10h15

Estar solteiro é sinônimo de solidão? O Dia dos Solteiros 2020, celebrado neste sábado, 15, será diferente por causa da pandemia de covid-19. É justamente o isolamento social que está trazendo uma reflexão sobre o assunto.

Durante anos, o tema foi tratado com deboche e julgamento, com termos como “solteirona” e “solteirão”. Mas as coisas estão mudando, na avaliação do psicoterapeuta e psiquiatra Luiz Cuschnir, que trabalha há 40 anos com casais e estuda as relações de gênero. “Apesar dessas ‘derrapadas’ da empatia das pessoas, percebo como um todo que os valores dessa questão do ‘estar solteiro’ também sofreram a influência de uma liberdade maior para cada um ser o que quiser, como e quando quiser.”

Claudio Donizeti Ferreira Júnior está há um ano e cinco meses solteiro. Ele conta que sentiu a diferença das investidas amorosas no período de isolamento social. “No começo da pandemia, eu estava em ritmo de vida de solteiro, bem animado, pós-carnaval ainda. Então, foi um baque. Agora estou mais tranquilo, me mantendo seguro. Tem dias que a carência bate, mas isso acontece. Vem e vai”, confessa.

Sobre a crença de que pessoas solteiras são solitárias, ele discorda. “Muitas vezes, quando estamos namorando, esquecemos da vida social, dos amigos, enfim, e priorizamos uma pessoa que não pode suprir todas as nossas necessidades.”

Adriana Fátima Pelege tem uma opinião parecida com a de Claudio. “Solteira da Silva”, como ela mesma brinca, há cinco anos, se considera feliz assim, com ou sem pandemia. “Não penso que ser solteira seja sinônimo de solidão. É claro que você sente falta de uma pessoa bacana ao seu lado, alguém que seja companheiro de verdade. Mas, se até hoje não apareceu, é porque ainda não é o momento. Existem casais que se dizem felizes em um casamento, mas, no fundo, se sentem sozinhos.”

Perfis

Luiz Cuschnir explica que existem diversos “tipos de solteiros”. Os intitulados “convictos” são os que menos sentiram os efeitos da quarentena. “Há os que optaram, seja pela fase ou pelas contingências da vida, a viver sem a dependência de uma relação amorosa estável. Podem estar se sentindo supridos com outros tipos de relação ou com o sentido da vida que os conforta bem”, diz. Segundo ele, essas pessoas podem ter tido relacionamentos prévios, mas decidiram ter outras prioridades.

Dessa forma, explica ele, esse grupo já tinha criado atributos para sua rotina e podia abdicar de uma vida social intensa. “Em casa, já tinham muito prazer em ficar e fazer o que lhes aprouvesse. Podiam estar convivendo com filhos, pais, irmãos e amigos que o ‘ser solteiro’ na pandemia nem mudava de status a ser questionado”, diz.

Já para quem estava em busca de um relacionamento, o isolamento pode ter obrigado a uma transformação significativa de interesses. “Quem buscava ativamente, frequentava lugares possíveis de conhecer está realmente desassistido de ambientes.
Pode ser alguém que use os aplicativos de busca de parceiros, mas esse que estou descrevendo precisa do ambiente para expor seus dons de atração aliados à sua capacidade de escolha”, explica. O solteiro com esse perfil pode ser homem ou mulher, e tem fases diferentes. Na de caçador, ele se programa o tempo todo e até varia as amizades que compõem o suporte para suas pesquisas. Em outra, mergulha em projetos pessoais – trabalho, estudos, experiências especiais. “Por isso esses têm limitação com o isolamento”, ressalta.

Cuschnir acrescenta que há também aqueles que se sentiram inseguros por ficarem sozinhos em casa, sem ter alguém “caso aconteça algo”, mas essa companhia não necessariamente seria um namorado ou uma namorada. “É claro que isso depende da estrutura psicológica que cada um tem para compor a sua vida, com ou sem pandemia.”

Pressão familiar

Não é raro se deparar com encontros de família nos quais surge a pergunta: “e as namoradas?”, “e os namorados?”. Essa cobrança social, de acordo com o psicoterapeuta, pode fazer com que as pessoas se sintam incapazes ou tristes por estar solteiras. “Há pessoas que avaliam os outros estigmatizando, considerando-os ‘errados’, ‘loosers’, ‘incapazes’ ou ‘incompetentes’.”

Cuschnir diz que, mesmo que com uma certa diminuição de criticismo sobre aqueles que não estão num relacionamento considerado tradicional pela sociedade, ainda há julgamento e dúvidas sobre as razões da solteirice. “Aí vêm os preconceitos, como as dúvidas quanto a opção sexual e equilíbrio mental.”

A pandemia do novo coronavírus e o isolamento social fizeram Julya Vendite refletir sobre como encara o amor. Aos 26 anos, ela diz que a pandemia mudou sua percepção sobre como ela se relaciona. “Antes, ser solteira era meu status de vida e eu amava a liberdade de ter vários ‘dates’ (encontros) diferentes. Amava até os ruins, porque eu realmente não queria namorar, então, se fosse ruim, uma preocupação a menos”, brinca. “Mas, depois de cinco meses sozinha em casa, percebi que vou querer, sim, dividir minha vida com alguém no futuro. Sem pressa e sem neura. E se não der certo, não deu, né?”

Apesar dos planos, Julya, que está solteira há mais de um ano, acredita que a felicidade não está ligada a ter um relacionamento. “Ninguém nunca ensinou pra gente que dá pra ser feliz sozinho, né?”

Para Cuschnir, o “estar solteiro” traz mais cobranças sociais sobre a mulher – pressionada para ser mãe e ter sucesso profissional – do que sobre o homem. Ele explica, no entanto, que estar solteira ou casada não importa, e, sim, se estabelecer seguindo o próprio propósito de vida. “Cada uma toma posse dos seus atributos, dons e habilidades, constelando em si mesma o ‘ser mulher'”, filosofa.

Já o homem tem mais liberdade para investir na carreira em qualquer momento da vida. As relações amorosas podem ser ‘pulverizadas’ ao longo da história. “O homem tem o seu tempo para escolher o melhor momento de deixar de ser solteiro, se quiser”, diz. “Tem uma série de experiências afetivas e se sente menos acusado, ou culpado.”

Independentemente de gênero, a reflexão sobre o estar sozinho encontra uma série de obstáculos, entre eles a ideia de que é preciso se adequar ao padrão socialmente imposto. Estar solteiro, contudo, não é sinônimo de solidão. Estar bem consigo é sinônimo de liberdade.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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