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Literatura

Novo olhar sobre Mário de Andrade

Por Agência Estado

09 de agosto de 2019, às 07h49 • Última atualização em 27 de abril de 2020, às 11h11

Centenas de livros, teses, artigos, dissertações e monografias já foram escritas sobre Mário de Andrade (1893-1945), o que o torna provavelmente o segundo autor brasileiro mais estudado, atrás apenas de Machado de Assis.

Nada surpreendente quando se descortina sua múltipla face artística: prosador, escreveu romances e contos com a dicção do texto modernista; crítico, apontou caminhos para outros artistas de áreas diversas; pesquisador, viajou pelo Brasil buscando traços folclóricos e musicais de todas as regiões, desconhecidos dos grandes centros. Mário foi também um importante poeta e um missivista de mão cheia. Curiosamente, faltava um livro que reunisse todas essas histórias, mas como uma narrativa biográfica.

Foi o que motivou o escritor e jornalista Jason Tércio a iniciar, em 2010, uma imensa pesquisa que resultou no livro Em Busca da Alma Brasileira – Biografia de Mário de Andrade, lançado agora pela editora Sextante em seu selo Estação Brasil. Um detalhado painel em que desfaz equívocos sobre a família do escritor, suas paixões, a convivência com outros modernistas e suas polêmicas. “Foi o inventor da cultura brasileira diversificada”, diz Tércio, em entrevista por telefone.

Qual seu objetivo quando começou a pesquisa?

Tentei fazer uma obra à altura do personagem, algo que não deixaria Mário envergonhado. Busquei clarear alguns assuntos que estavam erroneamente consolidados, como uma desconhecida terceira fase da Antropofagia de Oswald de Andrade – pensava-se que eram duas dentições, como eles gostavam de falar, a partir das duas fases da Revista de Antropofagia, mas descobri um poema inédito dele sobre a escravidão, em uma revista carioca, que dedicava duas páginas para o assunto. Essa seria a terceira dentição. Outra novidade diz respeito à família de Mário: consegui mais detalhes, inclusive a informação de que o pai dele, Carlos, foi tipógrafo e não jornalista.

A descrição dos últimos dias de Mário e de sua morte são emocionantes…

Recorri a diversas fontes de pesquisa, mas principalmente os depoimentos deixados por pessoas muito próximas, como a poeta Oneyda Alvarenga (1911-1984), que foi uma grande amiga – ela, por exemplo, relatou o curioso detalhe de um farmacêutico ter aplicado uma injeção com “tônico cardíaco”, que deveria ser algum fortificante. É impressionante também os momentos finais de Mário que, mesmo com dificuldade para respirar, pediu um cigarro. Depois de algumas baforadas, sentiu outra forte fisgada no peito, contraiu o rosto, pediu que segurassem a xícara de chá e curvou o corpo para frente.

Acredita-se que o excesso de trabalho nos últimos anos de vida, especialmente no Departamento de Cultura de São Paulo, o deixou mais extenuado, abreviando sua existência.

Acredito que, nos últimos dias de vida, Mário já estava muito cansado, talvez até querendo morrer. O trabalho que assumiu no Departamento de Cultura era muito exaustivo até mesmo para uma pessoa saudável. Ele não se cuidava. Também vinha de uma difícil experiência no Rio, onde morou durante alguns meses e sofreu com dificuldades financeiras por atraso de salário. Na época, início dos anos 1940, as pessoas viviam deprimidas por causa da 2ª Guerra Mundial, o que acabava somatizando.

A rotina de Mário era fortemente marcada pela convivência com outras pessoas também notáveis. Você se surpreendeu com alguma delas em sua pesquisa?

A pintora Anita Malfatti (1889-1964), por exemplo. Ao contrário do que pensam alguns, ela era muito bem-humorada, escrevia muito bem e era uma artista segura em relação ao tipo de arte que pretendia seguir. Ela se revelou muito nas cartas que trocou com Mário. Outra surpresa foi perceber como o político Carlos Lacerda (1914-1977) era um esquerdista radical quando jovem, já revelando traços de uma personalidade poderosa.

E o que dizer do rapaz identificado como H., supostamente sua paixão homoerótica?

Descobri sua identidade no material sobre o Mário arquivado no Instituto de Estudos Brasileiros, o IEB. Decidi não revelar seu nome por respeito. E, sim, ele pode ter sido um caso amoroso de Mário, cuja vida sexual teve diversas fases. Para mim, em suas anotações, Mário deixa claro que era bissexual. Aliás, o que considero mais interessante é que a sexualidade não interferiu no tom de sua obra – ao contrário de Jean Genet, cujo trabalho foi muito influenciado pela questão homossexual.

E o que dizer da amizade conturbada com Oswald de Andrade?

Era como John Lennon e Paul McCartney (risos). Eles se completavam. Mário era o pesquisador metódico; Oswald, o homem expansivo e piadista. Enquanto Oswald era um agitador cultural, Mário era o realizador, o mentor. Na verdade, foram fundamentais para o movimento justamente pelas suas diferenças – sem eles, não teria existido o Modernismo brasileiro.

Como ele convivia com religião?

Ele sempre foi um carola, participando de muitos eventos promovidos pela Igreja. Mas exibia também uma abertura, não tinha normas rígidas para a cultura, por exemplo – sua mentalidade era democrática, o que lhe custou muito, pois não se alinhou a grupos específicos. Isso, aliás, trouxe dissabores e incompreensões. Há intelectual que não o perdoa por não ter escrito sobre o samba. Mas ele não tinha um distanciamento crítico, especialmente na fase em que viveu no Rio, entre 1938 e 1941, quando teve muito contato com o ritmo.

Muito já se escreveu sobre Mário de Andrade – você sente falta de algum aspecto que nem figurou em sua biografia?

Acho que falta um estudo psicológico dele. Sua juventude foi marcada por contradições, pois era visto como transgressor apenas porque revelou alma de artista. E o pai, mesmo tendo escrito duas peças de teatro, não apoiava sua tendência cultural. É o que justifica declarações de Mário como “sou um vulcão psicológico” ou o famoso verso “eu sou trezentos, sou trezentos e cinquenta”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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