25 de abril de 2024 Atualizado 00:11

8 de Agosto de 2019 Grupo Liberal Atualizado 13:56
MENU

Publicidade

Compartilhe

Cultura

Em ‘O Livro dos Pequenos Nãos’, Heloisa Seixas parte de uma fuga na noite carioca

Por Agência Estado

12 de janeiro de 2022, às 07h45 • Última atualização em 12 de janeiro de 2022, às 08h44

A o lembrar o escritor inglês Christopher Isherwood, tentando recordar o trecho de abertura do romance Adeus a Berlim: “Sou uma câmera com o diafragma aberto, passiva, registrando tudo, não pensando”, Heloisa Seixas dá o tom cinematográfico que ronda seu novo romance O Livro dos Pequenos Nãos. Prova de que as superstições e o contato com o inesperado podem mudar a vida até mesmo de ateus, como a escritora que está no centro do romance. Nele, Seixas abre o baú de histórias familiares e leva o leitor a bordo de um hidroavião carregado de fumo que precisa cruzar o tempestuoso litoral da Bahia, onde, em outra ocasião, se passou o périplo de Corisco, do bando de Lampião, cujo tio-avô de Seixas teve um inesperado contato.

Com mais de 20 títulos publicados, a escritora carioca coleciona narrativas familiares e coloca a memória no centro de seus livros. Como o autobiográfico O Lugar Escuro, de 2007, sobre o Alzheimer de sua mãe, ou mesmo o Oitavo Selo (ao filme de Bergman, O Sétimo Selo), em que relata as lutas de seu companheiro, o jornalista Ruy Castro, contra a morte.

Três anos depois, em 2017, Seixas lançou Agora e na Hora, cujo protagonista corre contra o próprio tempo para deixar uma obra publicável enquanto planeja um suicídio. Escuta-se na obra de Seixas, ao fundo, um tiquetaquear, ora dolorido, ora delirante, que acompanha seus personagens sempre às voltas em parafusos literários com graus variados de autoincômodo (com o fastio da existência, com doenças, violência), quase como se ela estivesse fotografando com uma Rolleiflex a emoção dos personagens. Ao Estadão, Heloisa falou da nova obra.

Quando você coloca no papel histórias de família, como você explica detalhadamente no último capítulo, como você as torna palatável para o leitor?

Você está dando um spoiler! (risos) Qualquer história pode ser uma boa história e talvez não exista maior manancial de histórias que as famílias. Ou não exatamente as famílias, mas a vida real como um todo. A realidade é uma fonte transbordante de histórias. Muitas pessoas acreditam quando os escritores dizem que seus livros “nada têm de biográficos”. Mas sempre têm, até aquilo que fantasiamos é biografia. Então, qualquer história que sai de dentro de nós é uma história nossa.

Qual foi seu insight para O Livro dos Pequenos Nãos, o que te motivou a escrevê-lo?

O Livro dos Pequenos Nãos é um romance sobre os pequenos desvios da vida, esses momentos em que tomamos decisões aparentemente desimportantes, mas que no futuro se revelarão cruciais. É um assunto que sempre me fascinou. Tive um momento desses, na vida real (não no livro). Sou jornalista, trabalhei no jornal O Globo e, no meu primeiro dia no emprego, em 1976, cheguei lá às 7 horas da noite, hora da correria, de todos falando ao mesmo tempo, dos telefones tocando, da barulheira das máquinas de escrever. Eu não tinha sido contratada, ia só cobrir as férias de um colega. Então, ao abrir a porta da redação e me deparar com aquela loucura, quase dei meia-volta e fugi dali. Fiquei parada, indecisa, pensando em dar aquele pequeno não – e ir embora. Mas não fui. Entrei. Cobri as férias. Fui contratada e fiquei 12 anos no Globo. Lá, eu conheci o pai da minha filha. Lá, eu conheci a pessoa que iria me apresentar ao Ruy (Castro). Então, se naquele pequeno instante eu tivesse ido embora, eu não teria minha filha e talvez nunca conhecesse o Ruy. Toda a minha vida seria diferente.

Qual é o seu princípio para sentar e escrever uma história?

As histórias se escrevem, sempre falo isso. Os livros, ou até mesmo os textos menores – como os Contos Mínimos que eu escrevi durante anos no Jornal do Brasil – podem surgir de uma obsessão, de um fascínio, de uma descoberta. Podem surgir de um título. Ou se desenrolar por páginas e páginas sem eu saber direito para onde estou indo. Os livros têm, cada um, a sua própria biografia.

Como você lida com a questão do destino? Como dizem “o destino é o senhor do tempo”. Você concorda com isso?

Não há destino na literatura. O escritor apenas tem de deixar que as histórias se apresentem, digam a que vieram e por que querem se ver escritas. As histórias pedem para ser escritas. Então, o escritor não está destinado a escrever isto ou aquilo. Ele só precisa não se trair nunca, jamais escrever por escrever, ou porque alguma coisa está na moda ou pode vender mais. Já na vida, nem sei bem o que é destino. Como diz minha personagem Lia, em O Livro dos Pequenos Nãos: “Difícil é entender o caos, pensar que pode existir um deus perverso chamado Acaso mexendo as cordas por mexer”.

A morte é personagem presente em seus livros. Como você lida com a morte?

De fato escrevo bastante sobre a morte. Mas escrevo também sobre a solidão e a paixão, que são coisas sempre assustadoras. Escrevo para tirar os medos de dentro de mim. Quem leu O Lugar Escuro, sobre o Alzheimer da minha mãe, ou O Oitavo Selo, sobre os confrontos do meu marido com a morte, talvez não imagine como esses livros me fizeram bem. Nelson Rodrigues dizia que queria encher os palcos com uma rajada de monstros, porque isso era melhor do que tê-los na vida real. Quero encher meus livros com uma rajada de sombras, porque assim me livro delas.

Tensão, crime, vida noturna, amor, morte, velocidade e segredos. São alguns temperos do seu livro. Como equilibrar e o que se pode abusar no preparo de um romance?

Nunca pensei nisso. Apenas conto as histórias como elas exigem ser contadas, procurando envolver o leitor, mas sem fazer concessões. Tenho, claro, uma ideia do que quero contar, mas às vezes me surpreendo. No caso da aventura de Lia pela noite carioca em O Livro dos Pequenos Nãos, muitas vezes eu me perguntava: “Para onde essa mulher quer me levar?”.

Das histórias de família em que você se inspira, o que você sempre quis escrever e ainda não pôde colocar no papel?

Como comecei a escrever tarde, com 40 anos, minha relação com a escrita é obsessiva. Quando a ideia surge ou a história se apresenta, eu me deixo levar e escrevo. Não deixo para depois. Não dá tempo de manter um reservatório de coisas que eu gostaria de escrever e não escrevi.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Publicidade