DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA
Morador de Americana usou a música como força contra o racismo
Antônio do Prado, de 92 anos, passou parte de sua vida dedicado à Brasilias Band, tradicional nos bailes da cidade
Por Stela Pires
20 de novembro de 2023, às 08h13 • Última atualização em 20 de novembro de 2023, às 08h15
Link da matéria: https://liberal.com.br/cultura/cultura-na-regiao/morador-de-americana-usou-a-musica-como-forca-contra-o-racismo-2064373/
“Quem canta seus males espanta” é um ditado popular, mas com uma mensagem que impactou a família do músico Antônio do Prado. Aos 92 anos, ele passou um terço de sua vida dedicado às baquetas que faziam a percussão da banda americanense Brasilias Band, que mais tarde se tornaria a Brazilian Ritimus, e construiu um legado artístico e de resistência para a cidade e para os filhos.
Batalhador e musicista autodidata, Antônio, também conhecido como Cheirinho, mudou-se de Ibitinga para Americana há mais de 70 anos. Acompanhado da esposa Cacilda, vieram em busca das oportunidades que as indústrias instaladas na cidade ofereciam.
Às margens do Ribeirão Quilombo, o bairro de mesmo nome, vizinho de Carioba, foi o primeiro lar da família na cidade. Antônio percorreu diversas empresas da região, mas sua paixão verdadeira foi a música.
Antônio foi um dos fundadores da Brasilias Band, famosa por tocar nos tradicionais bailes que embalavam as noites americanenses. A ideia de montar um grupo surgiu em uma antiga loja de mobília da Avenida Cillos, a Móveis Dularbel. Ivo Constâncio, o proprietário, tocava trompete e, em conversa com Cheirinho, o convidou para formar uma banda, na qual assumiu a bateria.
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Foi entre o final dos anos 1960 e início da década de 1970 que o grupo começou a subir nos palcos de Americana. Porém, Antônio logo descobriu uma dificuldade que enfrentaria: a cor de sua pele.
Elisabete Aparecida Prado de Campos, 66, a segunda mais velha entre os cinco filhos que o casal teve, relembra a história que o pai sempre contou. Em uma certa noite, a Brasilias Band tocaria no baile do Rio Branco e o Cheirinho era responsável por começar a performance, porém, naquele dia, ele foi impedido de entrar no local.
“O Rio Branco era um clube da elite, de brancos, e meu pai chegou para tocar com a baqueta na mão e o que aconteceu? ‘Negro aqui não entra’, e não deixaram ele entrar”, contou Bete.
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As horas se passaram e a banda ainda não tinha subido ao palco. Ivo, quando compreendeu o que poderia estar acontecendo, foi em busca de Cheirinho na portaria do clube, mas apenas a permissão para entrada de Antônio não foi suficiente. O trompetista fez com que os diretores do Rio Branco se desculpassem com o baterista.
De acordo com a família, a Brasilias Band e a presença do patriarca dentro do clube foram responsáveis por quebrar a barreira para outros negros da cidade. “Foi se abrindo um leque, que aconteceu também com a mudança da direção do clube”, disse Bete.
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Apesar do racismo inegável que precisou enfrentar por toda sua vida, a música foi como força para Cheirinho. Com a banda chegou a tocar todos os cinco dias de carnaval em clubes da cidade, e passou por bailes de toda região e do Brasil. “Na época, os clubes não queriam outra banda sem ser a nossa”, disse o músico, que relembra os velhos tempos emocionado.
Antônio, que sempre trabalhou paralelamente à música, chegava do serviço, se arrumava, pegava a mala e viajava com a banda, retornando apenas no domingo.
Vivências repassadas de geração para geração
Antônio e Cacilda nunca deixaram de conscientizar os filhos sobre a realidade que a família vivia na época, e que vivenciam até hoje. O casal ensinou sobre como agir em situações de racismo desde que eram pequenos, mas também a amarem seus traços, cor e ancestralidade. O estudo também sempre foi incentivado dentro de casa.
Hoje, os filhos repassam tudo o que aprenderam para seus próprios filhos e netos. Alguns dos bisnetos de Cheirinho, inclusive, já começaram a demonstrar a veia artística.