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ENTREVISTA

‘Dança sem emoção é só exercício’, diz Ana Botafogo em Americana

Bailarina esteve na cidade na última sexta para ministrar aulas e conversou com o LIBERAL sobre a dança clássica

Por Isabella Holouka

08 de novembro de 2020, às 08h41

Quarenta anos de uma carreira dedicada à missão de popularizar a arte da dança clássica no Brasil talvez seja o que faz de Ana Botafogo a bailarina mais querida no país.

A carioca de 63 anos iniciou os estudos no Rio de Janeiro e a dança profissional na França, no Ballet de Marselha. É primeira-bailarina do Theatro Municipal do Rio de Janeiro desde 1981, tendo sido convidada para apresentações em diversas companhias renomadas ao redor do mundo. Recebeu prêmios e homenagens e também fez pequenos papéis como atriz.

A bailarina Ana Botafogo vem se dedicando ao ensino do ballet e à palestras sobre dança, motivando jovens bailarinos – Foto: Ernesto Rodrigues / O Liberal

Ana esteve em Americana na última sexta-feira e ministrou duas aulas na academia Twist Dança, localizada na Vila Santa Catarina. “Este é um momento em que eu pretendo me dedicar ao ensino, às palestras, incentivando jovens bailarinos”, explicou à reportagem.

Em entrevista exclusiva ao LIBERAL, a bailarina contou suas inspirações no início da carreira, falou sobre o ensino de ballet no Brasil nas últimas décadas e sobre os bastidores de grandes companhias.

O LIBERAL – Você é considerada a primeira bailarina do Brasil. Você acha que a dança e a música clássica ainda são elitizadas no país?

Ana Botafogo
Primeira bailarina é um título no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, então temos várias primeiras e primeiros. Acredito que eu tenha ficado famosa por ter popularizado o ballet.

Fiz muitos espetáculos ao ar livre, sempre com o intuito de levar as pessoas. As direções muitas vezes fizeram espetáculos populares, dançávamos os grandes clássicos a R$ 1 e lotávamos um Theatro de 2.300 lugares. Foi um dos motes da minha carreira.

Eu acho que é um trabalho constante de sempre trazer a arte para perto das pessoas, sobretudo daqueles que não tiveram oportunidades. Neste momento de pandemia temos muitas possibilidades, a tecnologia veio a nosso favor.

O LIBERAL – Houve uma fase ou espetáculo que te marcaram especialmente? Muitas bailarinas se inspiram em você, mas quem era a sua inspiração quando você iniciou?

Ana Botafogo
Uma grande inspiração sempre foi uma brasileira chamada Márcia Haydée. Ela fez carreira fora do Brasil, sempre citada entre os 10 principais nomes no mundo. Eu sempre quis dançar os ballets que ela havia dançado e tive essa oportunidade, inclusive de trabalhar com ela.

Ela veio algumas vezes ao Rio de Janeiro e montou grandes ballets como ‘Romeu & Julieta’ e ‘A Megera Indomada’ e ‘Onegin’, ballet de três atos, mas que exigia muito e não só tecnicamente, mas muita interpretação da bailarina e que eu escolhi para a minha despedida dos grandes clássicos no palco do Theatro Municipal.

O LIBERAL – Conte um pouco sobre as possibilidades de carreira profissional dos bailarinos aqui no Brasil? Há mais oportunidades no Exterior?

Ana Botafogo
Temos muitos bailarinos aqui no Brasil e pouco campo de trabalho. Temos muitos primeiros bailarinos em companhias nos Estados Unidos, na Europa, e é uma pena não vê-los dançando aqui.

O que nos difere, até antes da pandemia, pois agora ainda não sabemos ao certo, é a quantidade de espetáculos ao ano. Eles têm muitos espetáculos e isso faz com que o artista cresça, se desenvolva.

No momento, quando pensamos em ballet clássico, só temos duas companhias no Brasil, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro e a São Paulo Companhia de Dança, que está começando a fazer os grandes clássicos.

Nos bastidores temos muitas coisas engraçadas. O palco é uma coisa e a coxia é outra. É uma carreira de desafios e de competição, mas existe o que eu chamo de emulação, ‘ele faz bem e eu quero fazer tão bem quanto’. Eu digo muito isso nas minhas palestras e procuro instigar os bailarinos.

Viver em uma companhia profissional requer também um equilíbrio profissional e isso vai te moldando a ter força e garra para um objetivo maior que é chegar ao palco e dançar e emocionar o público. Também lidamos com pessoas de 18 a 50 anos. Eu estou há 39 anos no Theatro Municipal, então já fui a mais jovem e hoje sou uma das veteranas.

O LIBERAL – Nesses 40 anos mudou alguma coisa no ensino de ballet? Nos métodos, ou até nas sapatilhas…

Ana Botafogo
Ah, as sapatilhas melhoraram muito, mas nos métodos da dança não temos muito o que mudar. O que muda é a precisão técnica, a estética, os bailarinos vão ficando cada vez mais afiados, com as pernas mais altas, com força muscular. Além do ballet ou da dança contemporânea, os bailarinos estão se preparando fisicamente, com pilates, musculação.

Estão cada vez mais preparados para fazer proezas técnicas, saltar, rodar, a técnica vai se apurando. Mas no ensino temos métodos inglês ou russo, que vem ao longo do tempo e vão passando de geração em geração, com uma base sólida.

O que a gente mais se preocupa é que essa técnica não se sobreponha a essa parte da emoção, porque na dança a emoção é primordial. Dança sem emoção é só exercício.

O LIBERAL – O que mais um bailarino ou bailarina precisa ter?

Ana Botafogo
O bailarino precisa parecer leve mas ter músculos muito preparados, de aço. Mas eu acho que o fundamental é ter a técnica adquirida para ser livre para dançar, para parecer leve, parecer feliz e transmitir emoções.

O LIBERAL – Aos bailarinos que se inspiram na sua trajetória, o que você diria?

Ana Botafogo
Eu diria que o importante é acreditar. Uns nasceram para o ballet, outros para a dança contemporânea, para o flamenco, ou dança de salão, e cada um tem que descobrir a sua dança e onde será mais feliz.

Inclusive é importante citar a dança para adultos, que tem outro foco mas traz os benefícios com exercícios para o corpo, coordenação motora, faz bem para a mente e para a alma, com a música clássica.

É de uma riqueza para a saúde do indivíduo, a coordenação, as percepções aguçadas, a dança para o adulto é muito importante. E não pensem que é qualquer coisinha, porque a dança tem método e tem rigor no ensino, sobretudo porque trabalha com o físico e, tem uma história maravilhosa.

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